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“A Chegada” só é interessante do ponto de vista linguístico

[caption id="attachment_86121" align="aligncenter" width="620"] Filme mostra o esforço linguístico da humanidade em tentar se comunicar com alienígenas recém-chegados à Terra. A questão: como fazer isso? | Foto: Reprodução[/caption] Quem foi ao cinema ver "Interestelar" provavelmente não se lembra de como saiu do local. Isso porque não há mente no mundo que consiga lidar com os muitos bugs que o filme dá no pensamento lógico de qualquer ser humano que tenha visto aquilo — até hoje acho que Christopher Nolan, revoltado com a pecha de ser um diretor demasiadamente explicativo, resolveu fazer "Interestelar" só para sacanear seus críticos. [relacionadas artigos="86072, 85994"] Os bugs promovidos por "Interestelar" têm um motivo: o filme leva a um nível sem noção o entendimento circular do tempo — algo que, aliás, não é nada novo. O longa é esteticamente impecável, tanto que ganhou o Oscar de Melhor efeitos visuais, em 2015, mas tenho certeza de que a Academia também não entendeu o filme. Se tivesse compreendido, "Interestelar" teria levado muitas outras estatuetas para casa. Dois anos depois, Denis Villeneuve parece ter tentado explicar "Interestelar" com "A Chegada", voltando à ideia de tempo circular, mas agora trazendo isso para o campo da linguagem. No conjunto da obra, "A Chegada" não chega nem perto de "Interestelar", nem na falta de noção nem na trilha sonora (a trilha é ruim e chega a ser irritante, às vezes) e, muito menos, na fotografia. Isso torna o longa de Villeneuve bastante mediano, embora tenha recebido oito indicações ao Oscar, inclusive de Melhor filme. Porém, "A Chegada" é um ótimo filme do ponto de vista linguístico. De certa forma, o filme defende a ideia de que a língua determina o pensamento. Isto é, que a estrutura e o vocabulário de uma língua são capazes de moldar os pensamentos e percepções de seus falantes. O conceito tem nome: hipótese de Sapir-Whorf. Edward Sapir, um antropólogo que associou língua e cultura, e Benjamin Lee Whorf, um engenheiro químico. Juntos, os dois moldaram a teoria de que cognição e língua são inseparáveis. A teoria é citada no filme e representa um mote perfeito para explicar como a linguista estadunidense Louise Banks (Amy Adams) consegue entender a língua escrita dos heptápodes, como são chamados os alienígenas recém-chegados à Terra dado seus sete "pés". É claro que o filme se utiliza de muitos artifícios sobrenaturais para tentar explicar ao espectador como ela passa a se comunicar com os aliens, mas o caminho linguístico escolhido é muito interessante. Convidada a ajudar o governo dos EUA a entender o propósito dos heptápodes na Terra, Louise Banks é uma das primeiras a entender que os aliens têm dois tipos diferentes de comunicação, a falada e a escrita, e que as duas não são diretamente ligadas, uma vez que a escrita é simbólica — os símbolos feitos por eles representam sentenças inteiras e não palavras. Contudo, "A Chegada" não consegue explicitar o caminho usado por Louise para entender o mecanismo da língua escrita dos heptápodes e isso é uma falha grave, pois confunde o espectador e faz com que quem assista tenha que assinar o pacto de confiança na história sob a pena de não conseguir continuar assistindo ao filme. Isto é, em certa altura do longa, o espectador precisa colaborar, desligar seu raciocínio lógico e comprar a ideia. É daí em diante que o roteiro deixa a desejar. Uma vez comprada a ideia de que a língua molda o raciocínio do falante, o espectador assiste a uma Louise Banks que passa a sonhar e viver sob os símbolos da língua escrita heptápode que são circulares (veja a foto acima). É nesse ponto que o longa faz o salto, ligando a língua à noção circular de tempo, dando a Louise a capacidade de literalmente ver o futuro. É assim que "A Chegada", em uma grande montagem linguística, une o presente ao futuro, "explicando" tudo a quem assiste. Para quem faz o pacto, o filme é bom; para quem não faz, é péssimo. Para mim, que já vi centenas de milhares de filmes de ficção científica, "A Chegada" só é interessante do ponto de vista linguístico. O resto é só pano de fundo. As apostas: não ganhará Melhor filme (que deve ficar com "La La Land"), não ganhará Melhor diretor (que deve ficar com Damien Chazelle), não ganhará Melhor fotografia (que pode ficar com "La La Land" ou "Moonlight"), não ganhará Melhor roteiro adaptado (está entre "Estrelas além do tempo" e "Fences"), mas tem chances de levar a estatueta de Melhor edição.

Uma breve opinião sobre os favoritos ao Oscar: o melhor roteiro da disputa?

[caption id="attachment_86076" align="aligncenter" width="620"] "Estrelas além do tempo" não é uma boa tradução para este filme, que consegue reunir, de maneira clara, vários discursos de superação | Foto: Reprodução[/caption] No desafio de assistir a todos os filmes indicados nas principais categorias do Oscar, me deparei com "Estrelas além do tempo". Bem, um filme sobre mulheres negras trabalhando na Nasa da década de 1960 só pode ter como base um forte discurso de superação, certo? A questão é tão óbvia que sequer seria necessário falar desse filme e, por isso, vou falar sobre "Hidden figures", pois o título original representa muito mais este filme, que não apresenta o discurso de superação de três mulheres negras que tentam subir na carreira em uma Nasa predominantemente branca e masculina, mas rompe com isso, dando ao espectador múltiplos discursos de superação, apresentando cada uma delas em suas particularidades e situando-as em um discurso ainda maior: a da superação da própria humanidade ao mandar um homem para o espaço. [relacionadas artigos="85994, 85503"] O pano de fundo do filme é a corrida espacial travada entre EUA e União Soviética, disputa essa que "terminou" com a chegada do homem à lua, em 1969. O longa mostra um país que estava perdendo a corrida para os soviéticos e que precisava reverter a situação urgentemente — aliás, documentário recente da BBC mostra que os soviéticos venceram a corrida, ao contrário do que se costuma dizer, afinal, eles levaram ao espaço o primeiro satélite, o primeiro ser humano e a primeira estação orbital, coisas que os EUA só conseguiram fazer muito depois. É justamente esse o contexto do filme de Theodore Melfi, que mostra como três mulheres negras assumiram papeis de destaque na tarefa de ajudar a Nasa, em 1962, a superar suas dificuldades e alcançar aquilo que os soviéticos já haviam feito em 1961: Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), são as três "figuras escondidas" da história de sucesso da Nasa que culminou no "grande salto da humanidade", em 1969. Acho que não é preciso situar ninguém em relação às leis segregacionistas dos EUA da década de 1960, então o leitor já pode imaginar como mulheres negras, por mais intelectualmente preparadas que fossem, eram tratadas em uma instituição de ponta como a Nasa naquela época. E olha que estamos falando da primeira negra a participar do Space Task Group, a divisão que comandava as pesquisas espaciais no centro de pesquisa de Langley, o mais antigo da Nasa (Katherine Johnson); da primeira negra a chegar a um cargo de supervisão na Nasa (Dorothy Vaughn) ; e da primeira engenheira negra da Nasa (Mary Jackson). Nesse contexto, o êxito do filme está em conseguir narrar as superações das três ao passo que une esses discursos à própria superação da Nasa na busca de levar o homem à lua. É um filme sobre feminismo, sobre questões raciais, sobre desenvolvimento social, sobre evolução tecnológica. É tudo isso junto exposto de uma forma fantástica e, por isso, o filme tem o melhor roteiro entre os que vi até o momento (ainda não vi todos), com claras chances de ganhar a estatueta nesta categoria. Ok, essa crítica não foi tão "mini" quanto eu gostaria que tivesse sido, mas (vá lá!) o filme é bom.

Uma breve opinião sobre os favoritos ao Oscar (parte 1)

Uma olhada rápida pelos longas que disputam a estatueta nas principais categorias La la Land — É um musical. Nada muito além disso. Musicalmente, é quase impecável, afinal o diretor é músico (como baterista, Damien Chazelle estudou jazz na Princeton High School). Porém, o roteiro é fraco e previsível. Ryan Gosling é Ryan Gosling, um ator médio que representa bem seu papel, mas que não acrescenta. Aliás, ele é uma boa caracterização para o filme em si. Emma Stone está bem e consegue ultrapassar um pouco aquilo que seu papel pede. O final é a única surpresa, não pelos acontecimentos, mas pela forma com que foi feito, isto é, seu processo é mais interessante que o resultado. Longe de ser um "Whiplash", que é um filme de excelência, "La La Land" ganhará o Oscar de Melhor Filme por ser nada mais do que o que se propôs a ser: um filme de Hollywood. Vale o ingresso, mas não conquista. [relacionadas artigos="85503, 85345, "] Fences — Ainda não tinha visto um filme dirigido por Denzel Washington. O resultado é impressionante. O filme, baseado na premiada peça homônima de August Wilson e na qual tanto Denzel quanto Viola Davis também atuaram, é um poderoso drama familiar. O longa tem como palco a casa dos Maxson e como foco o papel centralizador de Troy Maxson (Denzel).  O roteiro é magnífico e o diretor consegue filmá-lo muito bem, alcançando a díficil tarefa de prender a atenção do público em um filme praticamente teatral — é claro que a qualidade dos atores ajuda muito e não falo apenas de Denzel e Viola, mas também dos coadjuvantes Jovan Adepo (Cory), Stephen Henderson (Bono), Mykelti Williamson (Gabe) e a pequena Saniyya Sidney (Raynell), que dá um show de interpretação no final. "Fences" ("Um Limite Entre Nós", em português) é um filme de forte simbologia e só pega seu sentido completo quem presta atenção aos detalhes, a começar pelo título. Não vencerá na categoria Melhor Filme, mas tem chances na disputa pelo Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, visto que Viola está, como sempre, belíssima no filme. Capitão Fantástico  Um ótimo filme. Não tem a produção de "La la Land" e nem poderia ter, dado seu perfil ideológico. Aliás, se podemos falar em uma falha do filme, é justamente certo exagero ideológico. O exagero parece ser proposital, pois serve para dar entendimento ao final do filme, o de que o radicalismo, por mais benéfico que seja em qualquer aspecto, sempre trás más consequências e de que o ideal é ser moderado. Ben Cash, personagem de Viggo Mortensen, entende isso ao final do longa. Porém, às vezes, o filme dá a impressão de perder o controle desse exagero, o que causa mal estar. Isso não tira, entretanto, a força do filme. Viggo Mortensen está bem, mas provavelmente não levará o Oscar de Melhor Ator.