Tramita na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) projeto de regulamentação do serviço móvel de castração de animais de rua como forma de controle de natalidade. Os veículos chamariam de castramóveis. “Nós temos cerca de 50 milhões de cães e gatos abandonados no Brasil”, estima o deputado estadual Delegado Eduardo Prado (PL), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, na Casa.

O presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Goiás (CRMV-GO), Rafael Costa Vieira, entende que medida é positiva, mas que só a castração dos animais não resolverá o problema da quantidade de animais abandonados e nas ruas. “Se não houver um controle, o cachorro que é castrado hoje estará nas ruas amanhã, sendo atropelado (…) Então é preciso ter outras políticas públicas. Por exemplo, políticas de educação são essenciais para mudar essa cultura”, acredita.

'Carrocinha' funcionou como controle de animais | Foto: reprodução
Ainda que a carrocinha não tenha sido popular nos últimos anos, apenas em 2021 foi criada uma lei que a extinguisse em todo o Brasil | Foto: reprodução

A presidente da Comissão Especial de Direito Animal (CEPDA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Pauliane Mascarenhas, explica que abandonar animais é configurado como maus-tratos. Ela esclarece que foi provado que os animais são seres sencientes, isto é, que possuem consciência. “É uma vida que tem valor. Para muita gente é um ser obscuro”, lamenta. “Muita gente achava que o animal era tipo máquina e não era culpa delas. Isso é falta de conhecimento. Hoje não. Nossa geração tem certeza que os animais sofrem. E o que estamos fazendo por eles?”, indaga.

Mascarenhas relata que há mais de 20 anos participa de ações voltadas para a conscientização da população e cobrando políticas públicas do poder público. “Hoje a gente vê que algumas instituições se preocupam e estão fazendo o que podem”, destaca. “Hoje vou ao Fórum, vejo uma vasilhinha de água e ração. Já é mudança de comportamento do nosso trabalho”, acentua.

Na própria Alego, o estacionamento da nova sede passou a ser habitado por cinco cachorros abandonados. São duas fêmeas e três machos. Todos precisando de ajuda. Para amenizar a situação, uma força-tarefa surgiu com as servidoras Gabriella Gouvêa e Juliane Marques. Elas improvisaram casinhas e passaram a fornecer água e alimentos regularmente para eles. “Uma das fêmeas estava no cio e, para tentar evitar que ela ficasse prenha, com o apoio dos terceirizados da manutenção e limpeza, conseguimos um canto para deixá-la isolada”, salienta. A iniciativa passou a ser chamada de Projeto “Aulego”.

Em Goiânia, a iniciativa de controle de natalidade de cães e gatos teve início no mês passado no Centro de Bem-estar Animal Unidade de Pronto Atendimento Veterinário (UPA Vet). A unidade de saúde animal é a única da cidade mantida pela Prefeitura de Goiânia. O programa é voltado exclusivamente para famílias carentes. As primeiras cirurgias foram feitas em dois cachorros: Pingo e Panda. O presidente da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), Luan Alves, afirmou que “os dois passaram por procedimento cirúrgico tranquilamente” e retornaram rapidamente para seus tutores. Até o momento já foram realizados sete procedimentos cirúrgicos-ambulatoriais de castrações no local.

Cão cadastro no UPA Pet | Foto: AMMA
Cão cadastro no UPA Pet | Foto: AMMA

Crime de Maus-tratos

Paralelo a situação de abandono, há os maus-tratos a animais domésticos. Muitos dos quais vão parar nas vias públicas. Com o aumento da demanda desses tipos de crimes, foi criado há um ano e meio no Estado, dentro da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente, o Grupo de Proteção Animal. A coordenação é da delegada Simelli Lemes de Santana. “Quando eu assumi aqui, eu percebi a quantidade de denúncias equivocadas. Denúncias que as pessoas fazem que não são nossas. Tem gente que vai mudar e manda pra gente um e-mail informando que precisa de um lar para o cão”, revela.

Para a policial, muitas informações publicadas nas redes sociais não são confirmadas nas investigações. “Aí divulgam um trabalho assim: ‘isso é maus-tratos’, vai lá e resgata o animal. Aquilo ali, muitas vezes é problema social. A família que não tem recurso. Falta condições financeiras, considerando que não tem um tratamento público para o animal, não tem como eu prender uma pessoa que não tem nem o que comer na geladeira”, ressalta.

Segundo a delegada, muitos cães apreendidos pela polícia não têm para onde serem encaminhados. “Hoje em dia é muito difícil conseguir uma vaga em alguma ONG. Todas elas têm dificuldades. Muitas delas também estão muito lotadas. E existe uma recomendação. O Ministério Público solicitou uma fiscalização do CRMV em oito abrigos e houve uma proibição para nós não encaminharmos os animais para esses abrigos porque eles estão lotados. Se for investigar a fundo, sem dolo ou intenção, os animais estão sofrendo nestes locais, pois não conseguem ter os direitos de bem-estar atendidos”, lamenta. Acerca de apreensões, Simelli Lemes enfatiza que os encaminhamentos estão sendo feitos para o Centro de Zoonoses de Goiânia. “Eles não vão ser eutanasiados, não existe mais a política da eutanásia. Eles serão cuidados e, depois de autorização judicial, devem conseguir a adoção”, destaca.

A presidente da Associação Protetora e Amiga dos Animais (Aspaan) em Goiânia, Lessandra Maione, que já manteve abrigo para cães e gatos vítimas de maus-tratos, disse que não concorda mais com essa ideia. “Uma parte da proteção animal, eu me incluo nela porque eu já tive abrigo, está contra a criação de abrigos municipais. O que acontece? Começamos pensando em acolher animais vítimas de maus-tratos, só que quando a população fica sabendo onde é o abrigo, ela começa a abandonar os animais na porta, causando superlotação”, comentou.

Para ela, sem política pública, apenas a criação de abrigos para animais passa a ser uma medida de “limpeza social”. Cujos os cães e gatos são retirados das ruas e acumulados em locais em condições de maus-tratos. “O abrigo municipal vai seguir essa mesma linha. Aconteceu isso em São Paulo, em Minas Gerais e em todos os Estados quando criaram os abrigos municipais. Foi de superlotação”, pontua.

Acerca dos castramóveis, Lessandra lembra que essa iniciativa foi feita em Anápolis, mas que por falta de legislação foi proibido. “O animal era castrado, passava por um período de recuperação, e depois voltava para o seu ambiente”, salienta. Sem a ideia de abrigos, a defensora indica como alternativa o projeto “cão comunitário, que você castra, devolve para o ambiente, e a população passa a cuidar desse animal”.