Nada há, pois, novo debaixo do sol: Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir

18 julho 2025 às 08h00

COMPARTILHAR
A noviça Faculdade de Teologia despertou-me para a sabedoria do Eclesiastes, como bem lembrou Marina Teixeira Canedo: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol”. Esse versículo, ao contrário de encerrar o tempo, abre-o em espiral — como propôs Hegel —, onde cada época repete, sob novos disfarces, os mesmos dramas da humanidade.
Em tempos de guerras mediadas por inteligência artificial, disputas geopolíticas, transições climáticas e algoritmos supostamente neutros, seguimos movidos por ambição, medo e orgulho — como os povos antigos. Mudam-se os instrumentos, permanecem os motivos. Na curva da mola da história, como ensina a dialética hegeliana, a síntese de hoje será a tese de amanhã — mas os dilemas morais são os mesmos.
Guimarães Rosa intuiu isso poeticamente: “Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda hora a gente está num cômpito”. Para Rosa, repetir não é paralisar; é fertilizar a eternidade com o recomeço. Assim, o tempo se torna um rio onde o que retorna é também nascimento.
Paul Ricoeur completa: “O passado não tem o seu lugar, está sempre no presente”. E o passado, ativo, não apenas nos assombra: molda as decisões políticas, os afetos íntimos, os algoritmos digitais. Como afirmava Santo Agostinho, “o tempo não é, a não ser em que passa” — ele nos habita. Para Tomás de Aquino, o tempo humano é o movimento que sempre retorna. Marco Aurélio, com sabedoria estoica, resume: “A vida do homem é como um ponto… a alma é um redemoinho”.
Tradições religiosas antigas, como os Vedas e o budismo, já reconheciam os ciclos cósmicos: tudo volta até se purificar. A roda do samsara, os dias e noites de Brahma — a repetição como aprendizado. Na literatura, a repetição também se mostra criadora: Dante bebeu em Virgílio, Camões em Homero, Cervantes na cavalaria medieval, Rosa em Euclides. Harold Bloom chamou isso de “angústia da influência”, pois todo criador ecoa antigos mestres.
Mesmo na tecnologia, repete-se o mistério. Alan Turing, ao imaginar máquinas que pensam, apenas reatualizou a pergunta socrática: “O que é o homem?”. A inteligência artificial, ao simular escolhas humanas, carrega consigo preconceitos antigos disfarçados de neutralidade. A revolução técnica é, também, espelho moral.
Na astronomia, a repetição é lei: astros giram, galáxias colapsam, cometas retornam. O Big Bang sugere, talvez, um futuro Big Crunch: o fim que é novo começo. Nada se perde — tudo se transforma e volta. Mesmo o caos tem ritmo.
Contudo, Sartre recusa a repetição como sentido. O existencialismo radical o levou a afirmar que cada escolha é definitiva, sem retorno, e que a liberdade humana é condenação. Para ele, o passado é morto. Essa visão, apesar de libertadora, esquece o fio que liga as gerações — nega a possibilidade de aprender com o que retorna. Nietzsche, por sua vez, propõe o “eterno retorno” como desafio ético: amar o destino (amor fati), mesmo que ele se repita infinitamente. Mas esse retorno nietzschiano ainda é mais fardo que esperança.
Já o Eclesiastes ensina que os ciclos são parte da sabedoria divina. O que retorna não é castigo, é método. Saber viver o tempo é reconhecer que tudo tem seu momento: plantar e colher, chorar e rir. E que repetir, às vezes, é o modo mais alto de aprender.
Kardec, codificando o Espiritismo, dá ao ciclo uma dimensão espiritual: “O Espírito progride sem cessar nas múltiplas existências” (O Livro dos Espíritos, q. 166).
Nada há de novo debaixo do sol? Talvez não. Mas tudo pode renascer sob nova luz. O passado, se visto com sabedoria, é roteiro — não prisão. O futuro, se vivido com consciência, é retorno transfigurado. Como ensinou Rosa, toda hora é um começo.