Goiás tem 18 barragens de risco elevado e um rio já contaminado
14 agosto 2022 às 00h00
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A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) publicou na última semana relatório sobre a situação das barragens em 2021. O documento aponta que o Brasil tem 187 barragens em situação crítica, sendo Goiás a segunda unidade federativa com mais barragens nesta condição. O estado perde apenas para Minas Gerais, que tem 66 barragens em situação crítica. O levantamento aponta ainda que foram reportados 13 acidentes e 27 incidentes em barragens em 16 estados, com grande destaque para aquelas que ficam na região central do Brasil.
Na última semana, a mineradora Maracá foi condenada a pagar mais exames da população do município de Campos Verdes após contaminar com metais pesados o rio que abastece a cidade. A mineradora administra uma barragem de rejeitos no córrego Baco Pari, que deságua no rio Formiga, que por sua vez é afluente do Rio dos Bois. 50 quilômetros abaixo da barragem, está o ponto de captação de água da cidade de Campos Verdes.
O caso de Campos Verdes
Em junho deste ano, a prefeitura de Campos Verdes solicitou exames laboratoriais em amostra da água do Rio dos Bois, que abastece a cidade. O laudo, produzido pela Saneago, verificou a presença de metais pesados oriundos da atividade da mina de cobre-ouro. As razões pela desconfiança de contaminação foram a morte de milhares de peixes e doenças crônicas na população.
Carlos Vaz, secretário de Desenvolvimento, Meio Ambiente e Agricultura do município de Campos Verdes, afirma que a situação se arrasta há quatro anos. Relatório da Secretaria Municipal de Saúde de Campos Verdes aponta que, após terem contato com a água contaminada, pacientes buscam atenção médica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com queixas de náuseas, arritmia cardíaca, gastroenterocolite (inflamação intestinal), entre outros sintomas. Como a contaminação por metais pesados eleva o risco de câncer, Carlos Vaz aponta que a situação tem oferecido riscos à população, inclusive psicológicos.
O cenário causou um processo da prefeitura contra a mineradora Maracá. A decisão foi promovida pela desembargadora Doraci Lamar Rosa Da Silva Andrade, no último dia 01, que acatou a decisão do Dr. Juiz Alex Alves Lessa de manter a decisão por reconhecer o possível dano coletivo ambiental. A mineradora deverá pagar 15.523 exames em até seis meses, sob pena de multa diária.
A mineradora recorre da decisão e afirmou em nota que rejeita as alegações de impactos ambientais e à saúde e se defenderá judicialmente. Além disso, a companhia está fornecendo informações adicionais e afirma que suas atividades são devidamente licenciadas e regularmente inspecionadas pelas autoridades estaduais e federais.
Barragens em risco
Goiás tem 18 barragens classificadas pela Ana como de preocupação alta. Segundo Habib Sallum, engenheiro e diretor regional do Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), a escala de preocupação envolve dois aspectos: o dano potencial e o risco. No quesito dano potencial, se avalia a possível destruição material, ambiental e o número de vidas humanas que seriam afetadas pela falha na barragem. Em risco, os critérios são o estado de conservação, a manutenção periódica, a altura da barragem e outros. A barragem do córrego Baco Pari, da mineradora Maracá, possui Baixo Risco e Alto Dano Potencial Associado.
A listagem da ANA não inclui todas as barragens de Goiás. Enquanto a Agência Nacional de Águas conta 833 barragens em Goiás, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) conta mais de 6 mil. A discrepância existe porque a ANA tem atribuição de regular barragens de águas interestaduais, em rios cuja acumulação de água influencia toda bacia hidrográfica, e a Semad regula barragens pequenas de proprietários de terras. Há ainda as estruturas reguladas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), para contenção de rejeitos.
Gilson Gitirana é professor da Escola de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás e vice-diretor do CBDB em Goiás. O professor afirma que as grandes barragens são em geral as mais seguras. “As grandes estruturas são projetadas de maneira muito conservadora, por profissionais muito qualificados. Existem registros de falhas nessas barragens, mas são a exceção. Via de regra, os problemas ocorrem nas barragens pequenas, dentro de fazendas, cuja construção pode ter sido realizada com a economia como critério.”
Gilson Gitirana afirma que as barragens de mineração, para contenção de rejeitos, também são frequentemente problemáticas. Depois do acidente da barragem de Brumadinho, em 2019, a legislação foi alterada para proibir as barragens à montante. Montante a técnica mais barata para construção da contenção, que cresce em “degraus” feitos com o próprio rejeito, acumulados sobre o dique inicial. Desde então, novas barragens deixaram de ser construídas com esta técnica, e as barragens à montante já existentes precisam ser descaracterizadas.
O depósito de rejeitos da mineradora Maracá, no córrego Baco Pari, é formado por um barramento principal e dois diques que foram construídos à montante. Gilson Gitirana explica que “descaracterização” é um termo que significa a remoção completa das estruturas ou sua reconstrução parcial. O prazo para a descaracterização de todas as barragens no país terminava em 2021, mas o período foi prorrogado.
“As barragens de mineração seguem especificações técnicas com métodos construtivos mais vulneráveis, caso controles não sejam corretamente executados”, explica Gilson Gitirana. “Uma questão é a drenagem, que é mais desafiadora, exige mais cuidados. A outra questão é o corpo do barramento, que é menor. Quem decide essas questões não é engenheiro, é o poder econômico. O engenheiro é contratado para executar a obra com um orçamento limitado. No caso de Brumadinho, por exemplo, os engenheiros eram de altíssimo nível e tinham formação especializada, mas o problema ocorreu porque metas econômicas foram priorizadas.”
Outro problema da contenção de rejeitos de mineradoras decorre do fato de que a fiscalização pode ser feita por empresas contratadas pelas próprias mineradoras. Gilson Gitirana afirma: “São empresas autorizadas pelos órgãos públicos, mas ainda assim, acredito que exista um conflito de interesses: o proprietário contrata sua própria fiscalização.” Em 2021, a barragem da mineradora Maracá passou por inspeção de operacionalidade e segurança pela companhia canadense Lundin Mining.