“Primeiro ele vai gritar, vai ficar um pouco mais nervoso ali numa discussão, e aí ele vai pedir desculpa. Em seguida, vem a fase de lua de mel e vai ficar tranquilo. Só que isso tende a piorar a cada vez que acontece. O que era só uma voz um pouco mais alta, um pouco só mais exaltada, começa a ficar pior, e aí começa xingamentos, a humilhação, que é a violência moral, as ameaças,  até evoluir para uma questão física mesmo”, explicou Major Dyrlene, comandante do Batalhão Maria da Penha, vertente da Polícia Militar de Goiás (PMGO), especializado em combate à violência doméstica.

Dyrlene explicava sobre o início do ciclo da violência contra a mulher. A primeira pesquisadora a identificar esse ciclo e a entender que os agressores seguem um padrão de comportamento foi a psicóloga norte-americana Lenore E. Walker. As conclusões dela foram feitas na década de 1970, depois de entrevistar mais de 1.500 vítimas de violência doméstica. O ciclo foi descrito da seguinte forma:

  • Construção das tensões: ocorrem o controle do comportamento, o isolamento da mulher, ofensas verbais e humilhações
  • Explosão da violência: há agressão física, violência patrimonial, violência moral, violência sexual ou violência psicológica
  • Lua de mel: o homem pede perdão, enche a mulher de promessas de mudança, há reconciliação e reconstrução do vínculo

Além dos casos de feminicídio que cresceram em Goiás, aumentaram também os crimes contra a honra da mulher (injúria, difamação e calúnia), segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSPGO). Até a última atualização da pasta, em junho, 12 mil mulheres haviam registrado boletim de ocorrência por agressões verbais.

Na fase inicial, quando a mulher enfrenta ameaças e violência de natureza mais moral, é comum ela relutar em procurar a polícia. Muitas vezes, ela acredita que não será credibilizada, porque percebe a falta de evidências para respaldar sua situação. O Batalhão recomenda que, desde o início, ao perceber que o relacionamento não é mais saudável e está ultrapassando limites razoáveis e aceitáveis, a mulher se posicione diante dessa situação. A orientação é que ela esteja atenta aos sinais precoces de problemas, permitindo-se tomar uma posição assertiva e buscar apoio, evitando que a situação se agrave.

“Muita gente acha que a violência é só a agressão. E a gente sabe que não é”, explicou Dyrlene. Como a violência se manifesta em um ciclo, ela começa com as agressões verbais até chegar no enfrentamento físico. Para a Major, é difícil investigar situações de violência doméstica porque, muitas vezes, a vítima não se percebe nesse lugar de abuso. “Às vezes não conseguimos acompanhar uma mulher porque ela mesmo solicitou a revogação da medida protetiva, muitas vezes por acreditar que o marido vai mudar ou por ser ameaçada também”, pontuou. 

Ao receber a solicitação da mulher, o batalhão entra em ação, realizando o recebimento da medida protetiva. Imediatamente, é feita uma ligação para confirmar o endereço e o telefone da vítima. Durante a visita, informações essenciais, como números de emergência, são fornecidas à vítima para uso em casos de descumprimento. Atualmente, embora as medidas tenham inicialmente um prazo padrão de 180 dias, essa validade pode variar conforme a necessidade específica da situação. 

Segundo a Major, as equipes fazem em torno de 50 visitas assistidas por dia. De forma remota, somente no mês de outubro foram mais de 3.500 mulheres atendidas. Apesar disso, os números são subnotificados porque muitas não denunciam a violência. “Primeiro, elas pensam. Como que eu vou me manter? Eu dependo dele. Quem vai cuidar de mim? O que eu vou ter se eu fizer essa denúncia? A vítima precisa enxergar essa rede de proteção, de amparo após a violência para entender que ela tem que fazer a denúncia”, concluiu.

O combate à violência doméstica, no entanto, é uma tarefa árdua. Ela explica que em casos de roubo durante o patrulhamento, é possível evitar o crime e retirar armas de fogo das ruas, por meio de abordagens preventivas, por exemplo. Assim como os demais crimes. Agora, o feminicídio na maioria das vezes é dentro de casa.

“A violência doméstica não é exclusiva de uma classe social. Ela está arraigada na cultura brasileira e a gente vai criando soluções, criando mecanismos para poder amenizar, para poder diminuir. A cultura do machismo, por ser estrutural, é difícil de ser eliminada”, disse Dyrlene. 

Para mulheres que se sentem violadas, abusadas ou agredidas, o contato com o Batalhão pode ser feito pelo whatsapp, aplicativo ou presencialmente, no setor Coimbra, próximo ao supermercado Hiper Moreira, em Goiânia. O contato pode ser feito pelo número (62) 9 9930-9778.

Aplicativo Mulher Segura 

O aplicativo Mulher Segura, lançado pelo Governo de Goiás como parte das iniciativas de combate à violência contra mulheres, registrou mais de 10 mil downloads em pouco mais de seis meses desde o seu lançamento nos sistemas iOS e Android.

Desenvolvida pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-GO), a ferramenta complementa outras medidas já implementadas, como o Pacto Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, a criação da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deam), o Protocolo Todos Por Elas e a expansão do Batalhão Maria da Penha para os 246 municípios goianos.

O aplicativo, disponível para dispositivos móveis, oferece às mulheres a possibilidade de denunciar situações de violência ou pedir ajuda de maneira rápida, segura e sigilosa, fortalecendo as ações de proteção à integridade física das vítimas. 

O aplicativo Mulher Segura oferece quatro funcionalidades, destacando-se principalmente por um sistema de localização que permite rastrear a vítima no momento do acionamento. Após a instalação, a usuária realiza um cadastro, fornecendo informações essenciais. Com base nesses dados, uma viatura é despachada para encontrar a mulher em tempo real. Esse acompanhamento, semelhante a serviços como o Uber, permite que as forças policiais ajam prontamente, contando com dados precisos sobre a localização da vítima. Essa abordagem visa garantir uma resposta rápida e eficaz em situações de emergência.

Duas outras funções disponibilizam a localização de batalhões da PM e delegacias próximas, e a última consiste em uma Delegacia Virtual, onde será possível fazer um boletim de ocorrência digital, entre outras funções.

O programa permite acionamento rápido da Polícia Militar e a vantagem é justamente permitir que, no momento da violência em que a vítima está oprimida, possa contar com a rapidez do mecanismo e preservar sua vida e sua integridade física.

Aplicativo Mulher Segura, disponível para Android e IOS. | Foto: Governo de Goiás.