Cinco canções e dez poemas para falar sobre os pais
07 agosto 2023 às 09h43
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Existe algum consenso a respeito da significativa importância desempenhada pelos pais no desenvolvimento e funcionamento de seus filhos. Grande parte das habilidades infantis tem suas bases essenciais nas interações mantidas com os primeiros cuidadores e nas relações (existentes ou não) com seus genitores. Sobre a importância desse “lugar do pai”, certa vez o filósofo Nietzsche disse: “…se não se tem um bom pai, é preciso arranjar um”. Já que os artistas falam melhor sobre a importância daquele que representa a autoridade e a segurança, deixemos com eles.
Pensando nisso, o Jornal Opção preparou uma lista com cinco canções e dez poemas que falam sobre a interação entre os pais e os filhos. Como qualquer lista, essa aqui é frágil e incompleta mas que expressam alguns dos sentimentos tão particulares dessa relação.
Canções
1- “Espelho” e “Além do Espelho” (samba, 1973) – João Nogueira e Paulo César Pinheiro
João Nogueira termina a canção com o verso “e o meu medo maior é o espelho se quebrar”, sobre a dor de, em algum momento, não ver mais o pai em seu reflexo. Em resposta, vem a música com a frase: “Pois quando o espelho é bom ninguém jamais morreu”
2- “Naquela Mesa” (seresta, 1972) – Sérgio Bittencourt
Escrita para o pai Jacob do Bandolim, “Naquela Mesa” fala sobre a saudade. A mesa é o lugar de suas conversas profundas sobre a vida, suas histórias e lembranças.
3– Pai e Filho” (sertaneja, 2011) – Renato Teixeira e Chico Teixeira (adaptação para “Father and Son”, de Cat Stevens)
Esse é o momento da despedida, onde os filhos resolvem trilhar seus próprios caminhos, construírem suas histórias, seguirem seus sonhos. Renato Teixeira e o filho Francisco Teixeira trouxeram uma nova versão para a música “Father and Son”, do cantor inglês Cat Stevens.
4- Pai – Fábio Jr.
A música fala de uma relação que alterna momentos de amizade e turbulência. Foi a canção que alavancou a carreira do artista, no fim da década de 1970. Quando se pensa em paternidade e em canções, essa talvez seja a mais emblemática porque esteve em diversas novelas da Rede Globo.
5- Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo – Roberto Carlos
A música fala sobre memórias de um amigo e confidente. Nos versos finais, o artista “beijo suas mãos e digo/ Meu querido, meu velho, meu amigo”.
Agora vamos para os poemas…. Difícil escolher só dez:
As Mãos do Meu Pai – Mário Quintana
“As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma…”
Distinção – Carlos Drummond de Andrade
O Pai se escreve sempre com P grande
em letras de respeito e de tremor
se é Pai da gente. E Mãe, com M grande.
O Pai é imenso. A Mãe, pouco menor.
Com ela, sim, me entendo bem melhor:
Mãe é muito mais fácil de enganar.
(Razão, eu sei, de mais aberto amor.)
O pai -Pablo Neruda
Terra de semeadura inculta e brava,
terra que não tem estreitos nem sendas,
minha vida sob o sol treme e alarga.
Pai, os teus olhos doces nada podem,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as fontes.
O mal de amor cegou a minha vista
e nesta fonte doce do meu sonho
refletiu-se outra água estremecida.
Depois… Pergunta a Deus por que me deram
o que me deram e por que depois
soube da solidão de terra e céu.
Olha, minha juventude foi broto
puro que ficou sem abrir, perdeu
sua doçura de sangues e de sucos.
O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de beijá-la… E sendo outono,
Pai, os teus olhos na podem.
Escutarei na noite tuas palavras:
menino, meu menino…
e na noite imensa seguirei
com as minhas e as tuas chagas
Missão – Eduarda Pardim
Todo pai recebe uma missão divina que o aproxima do Criador,
é como um espelho que recebe a luz de Deus e a reflete sobre seus filhos,
é o farol que nos guia até um porto seguro,
é a esperança que nos dá forças para seguir adiante,
é a segurança que nos envolve quando mais precisamos.
Pai, como todos nós, é um filho de Deus, que é nosso Pai!
Impressionista – Adélia Prado
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo
moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Soneto ao pai – Edival Lourenço
Oh! Fluida infância! Pátria faz-de-conta!
Pobre de coisas com riqueza d’alma:
palhoça, vento, verde, aves e calma
para fruir a vida em toda monta.
Aquele ano choveu além da conta
e abriu-se um olho d’água em nossa casa
que meu pai ajudou, com fina vaza,
fazer o arroio: do Araguaia ponta.
Encanta-me o sentido que propala.
Maior riqueza, sei, ninguém encontra:
o nascente Araguaia nos escala.
A vida tem o rio a inspirá-la:
mereja, empoça, entorna, enfim desponta
promissora qual jorro de olho d’água!
PAI – Ivone Boechat
Pai é super-herói sem capa
é conversa na ponta da mesa
e histórias na ponta da cama
Pai dá conselhos a toda hora
e o ombro uma vida inteira
é aquela alegria que enche a casa
e diz que um sonho nunca acaba
Pai é vento na brasa é gol de virada
é sorriso na sua chegada
Pai é quem muda o mundo para ver você feliz
e que faz você todo dia virar criança
Visita – Ferreira Gullar
no dia de
finados ele foi
ao cemitério
porque era o único
lugar do mundo onde
podia estar
perto do filho mas
diante daquele
bloco negro
de pedra
impenetrável
entendeu
que nunca mais
poderia alcançá-lo
Então
apanhou do chão um
pedaço amarrotado
de papel escreveu
eu te amo filho
pôs em cima do
mármore sob uma
flor
e saiu
soluçando
A voz do meu pai – Manoel de Barros
Abro os olhos.
Não vejo mais meu pai.
Não ouço mais a voz de meu pai.
Estou só. Estou simples.
Não como essa poderosa
voz da terra
com que me estás chamando, pai —
porque as cores se misturam
em teu filho ainda
e a nudez e o despojamento
não se fizeram em seu canto;
mas, simples por só acreditar
que com meus passos incertos
eu governo a manhã
feito os bandos de andorinha
nas frondes do ingazeiro.
Pai – Carlos Edu Bernardes
Meu pai tem Alzheimer
e todo dia me pergunta
que dia é hoje.
Eu digo que é Dia dos Pais
e tasco-lhe mais um abraço.