A intensa programação que acontece de 27 de agosto a 2 de setembro vai reunir diversos artistas contemporâneos prestigiados. Agenda se inicia com palestra performativa com a presença do coreógrafo que causou polêmica na encenação de La Bête, ao ter o corpo nu tocado por uma criança

Da esquerda para a direita: Maikon K, Elisabete Finger, Wagner Schwartz e Renata Carvalho, sobem juntos ao palco em “Domínio Público” | Foto: Humberto Araújo

Dudude Herrmann (MG), Denise Stutz (RJ), Clarice Lima e Aline Bonamin (SP) serão alguns dos nomes que se destacam na terceira edição da Manga de Vento – Mostra Expandida de Dança, em uma semana intensa de trabalhos com artistas contemporâneos reconhecidos em todo o mundo. A programação começa já na segunda-feira (27), com retrospectiva do trabalho de Wagner Schwartz, e segue até 2 de setembro, sempre às 20 horas, no Centro Cultural da UFG. Você pode não ligar de imediato o nome à pessoa. Mas em 2017, Wagner viu sua vida virar de cabeça para baixo na velocidade de um clique.

De artista prestigiado passou a ser tratado praticamente como criminoso. “Sem-vergonha”, “vagabundo” e até “pedófilo” foi alguns impropérios do qual foi alvo e chegou a ter que prestar depoimento para a polícia. O motivo: a performance La Bête, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, na qual tinha o corpo nu tocado pelo público, revisitando a proposta das esculturas Bichos, de Lygia Clark. O estopim para a celeuma foi um vídeo no qual uma garotinha, acompanhada pela mãe, interage com o artista e foi parar nas redes sociais, estourando um barril de pólvora em meio à opinião pública.

Schwartz abre a programação com Domínio Público, uma palestra performativa na qual ele se junta a outros três “censurados” – Elisabete Finger, Maikon K e Renata Carvalho – para uma reflexão sobre os ataques sofridos e temas como liberdade de expressão, censura e limites na arte. Os colegas com os quais divide o palco também foram alvo de tribunais inquisidores morais por conta de apresentações artísticas. Elisabete é justamente a mãe da garotinha que toca Wagner em La Bête e também foi “massacrada” nas redes sociais.

Maikon K teve seu cenário danificado e chegou a ser preso pela Polícia Militar sob a acusação de ato obsceno por sua performance DNA de DAN, na qual fica nu e imóvel dentro de uma bolha transparente, em frente ao Museu Nacional da República, em Brasília. Já Renata, que protagoniza o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, teve sua peça censurada e foi impedida de se apresentar por ser travesti e interpretar Jesus Cristo.

Segundo o curador da mostra, o bailarino e coreógrafo Kleber Damaso, o interesse em trazer a obra de Schwartz, que nunca se apresentou em Goiânia, é bem anterior a toda polêmica. “Agora, mais do que nunca, é essencial dar visibilidade à sua trajetória. Wagner é um artista de enfrentamento e o público terá a oportunidade inclusive de compreender outras polêmicas presentes em suas obras, muito mais pertinentes até que La Bête, pois o que houve neste episódio foi o que chamo de ‘desuso’ da arte pelo contexto político, com uma apropriação totalmente deturpada”, pondera Kléber. O curador reitera que é inerente à Dança extrapolar os limites das convenções sociais, pois tem o corpo como objeto de estudo.

Nos dias sequentes, Wagner Schwartz é atração solo nas performances Piranha, na qual se agita nevralgicamente, entre uma dinâmica voluntária e involuntária, sitiado por uma composição de ruídos digitais; e Transobjeto, na qual dá vida a um homem-placa em cena, que fica nu, vira bicho, artista e modelo, canta, bebe, dança e fuma um cigarro. O espetáculo foi agraciado com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna em 2013.

Dança e ópera
Na quarta-feira (29), a bailarina e coreógrafa Dudude Herrmann, em parceria com o artista plástico Marco Paulo Rolla, apresentam o duo contemporâneo Tanque – Uma ópera molhada, na qual criam uma partitura coreográfica que explicita uma “dança doméstica”, estranhamente cortada pelo canto. Colocam em cena um drama cotidiano redimensionado através dos recursos da expressão cênica da dança e da ópera. Tanque foi apresentado pela primeira vez no Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto em 2003.

Dramas cotidianos são abordados em Tanque – Uma ópera molhada. Foto: Guto Muniz

Em Sublime Travessia (2016), na sexta-feira (31), Dudude Herrmann convida o público a uma reflexão amorosa sobre o cultivo do pertencimento, a valorização das origens, a prática da ética e a uma redescoberta deste lugar que habitamos nos tempos de agora. O Hino Nacional é fonte de inspiração para uma travessia subjetiva pelo Brasil, vivenciando a intervenção destrutiva do ser humano no meio ambiente.

Entre ver, peça mais recente de Denise Stutz, será a atração de sábado (01) e tem como tema central o ato de lembrar, o narrar e o dançar a lembrança. Ao deslocar-se no tempo e no espaço na narração de uma performer que ela já não é, o púbico assiste a seu corpo no palco também sempre deixando de ser, no movimento que se desfaz – ora bem livre na corrente da memória narrada, ora pontuado por movimentos da técnica clássica – memória de um corpo passado.

Amor à dança e outros clichês
No domingo (02), encerrando esta série de apresentações do Manga de Vento, as artistas Clarice Lima e Aline Bonamin apresentam “Intérpretes em crise”. O duo montado em 2014 problematiza a formação do “intérprete incrível” e lamenta as condições dadas para a criação e difusão de um espetáculo de dança contemporânea. O trabalho resgata e projeta tempos vividos ou que gostariam de ter vivido para falar da crise do fazer da dança, da vontade louca de dançar, do amor à dança e de outros clichês.

Crise do fazer da dança conduz o duo Intérpretes em Crise, com Clarice Lima e Aline Bonamin | Foto: Divulgação

Para estudantes, pesquisadores, profissionais e entusiastas da dança, a dupla também ministra o workshop “Dançar Dói”, no dia anterior à performance (1/9), entre 10h e 12h, no CCUFG. Inscrições podem ser feitas pelo e-mail [email protected] com custo de R$ 20 reais (inteira) e R$ 10 (meia).

O Manga de Vento iniciou atividades em maio deste ano e continua até outubro, ocupando o Centro Cultural UFG, na Praça Universitária. “Aspiramos um programa que contempla do pensamento coreográfico, que extrapola os entendimentos de corpo, às pesquisas que avançam naquilo que a dança traz de mais elementar: estar em movimento. Mesmo quando este movimento não é exclusivamente da ordem do visível”, reflete Kléber Damaso.

Perguntas para Wagner Schwartz

De uma hora para outra, sua vida virou de cabeça para baixo. De artista foi tratado como criminoso. Você já se “recuperou” do baque? Ainda sofre perseguição por causa de La Bête? Ficou com algum tipo de “sequela” pessoal ou artisticamente falando?
WS: Nunca deixei de ser artista. Não sou criminoso – isso é o que pessoas que não me conhecem podem afirmar. Espero que possam se informar. Acredito que esta será uma performance perseguida enquanto houver desconhecimento e, não, não há sequela, apenas a vontade de continuar a trabalhar, mesmo que em alguma parte do corpo, essa experiência ainda doa.

O coreógrafo Wagner Schwartz: “Arte não existe para convencer, mas para complexificar os assuntos públicos” | Foto: Mário Miranda Filho

Em Domínio Público, você se une a outros artistas que tiveram o mesmo problema. Pode dar mais detalhes? O que o goianiense pode esperar deste espetáculo?
WS: Somos quatro artistas em cena que foram atacados por grupos que manipulam as informações para vender o ódio. Em “Domínio Público” transformamos os ataques em experiência reflexiva. O goianense que conhece ou desconhece nossa história terá uma experiência artística ao assistir o trabalho, como se estivesse em um curso de história da arte.

A que você atribui toda a polêmica e julgamento de que foi vítima? A que você atribui essa onda reacionária, da qual as artes têm sido alvo? Você acha que isso é algo novo ou simplesmente as pessoas sempre foram assim, mas encontram mais eco agora por causa das redes sociais?
WS: As redes sociais facilitam as guerras políticas individuais. Não se pode esquecer que aquilo que o Facebook promove, por exemplo, é “aquilo que você está pensando”. As pessoas julgam umas às outras a partir de um sistema próprio de crenças e atribuem seus julgamentos às próprias “verdades”, que deveriam se tornar coletivas.

Como convencer o público de que “chocar” e tirar as pessoas da zona de conforto é papel da arte? Acha que o público está “anestesiado” pela arte pasteurizada disseminada especialmente nos meios de comunicação?
WS: Arte não existe para convencer, mas para complexificar os assuntos públicos. Existem pessoas que querem se defender de seus medos, atacando aquilo que desconhecem ou que possa ameaçar as próprias convicções políticas e referências culturais. Uma parte das pessoas está blindada contra questões que eliminem o lugar de conforto. Uma outra parte desconhece até mesmo o que seria “conforto”. Arte está ali, entre os dois lugares.

Serviço:
Manga de Vento – Mostra Expandida de Dança
Local: Centro Cultural UFG (Avenida Universitária, 1533, Setor Leste Universitário)
Entrada: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

Programação:
Retrospectiva Wagner Schwartz
27/8 – 20h
Domínio público | Elizabete Finger, Maikon K, Renata Carvalho e Wagner Schwartz
(Classificação indicativa: 18 anos)
28/8 – 20h
Piranha | Wagner Schwartz
(Classificação indicativa: 16 anos)
30/8 – 20h
Transobjeto | Wagner Schwartz
(Classificação indicativa: 18 anos)

29/8 -20h
Tanque – Uma opera molhada | Dudude Hermmann e Marco Paulo Rolla (MG)
(Classificação indicativa: 18 anos)

31/8 -20h
Sublime Travessia | Dudude Hermmann (MG)
(Classificação indicativa: 16 anos)

1/9 – 20h
Entre ver | Denise Stutz (RJ)
(Classificação indicativa: 16 anos)

1/9 – 10h às 12h
Oficina: “Dançar Dói”
Com Clarice Lima e Aline Bonamin (SP)

2/9 – 20h
Intérpretes em crise | Clarice Lima e Aline Bonamin (SP)
(Classificação indicativa: LIVRE)