Diante de dezenas de testemunhas e filmagens, agentes da PRF improvisaram uma “câmara de gás” para matar um homem negro após abordagem

Na verdade, o título deste texto já estaria correto muito antes do assassinato do homem negro de Minneapolis (EUA), que deu início a uma série de gigantescas manifestações antirrascistas nos Estados Unidos, há dois anos. Porque no Brasil se matam não brancos e não ricos como se matam moscas desde o começo da exploração colonial.

A novidade dos tempos digitais são as filmagens de assassinatos cometidos à luz do dia por quem é pago pela população para, em tese, lhe dar proteção e segurança.

George Floyd, em Minneapolis, morreu afogado no seco, com um joelho de um meganha estadunidense pressionando seu pescoço até que ele se exaurisse.

Genivaldo de Jesus, em Umbaúba, município sergipano a aproximadamente 100 quilômetros de Aracaju, teve igual destino. Perdeu a vida após ter sido colocado pela metade no porta-malas de uma viatura, com as pernas para fora, enquanto agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) pressionavam a porta traseira contra suas pernas em meio a uma fumaça que saía do compartimento. Era gás pimenta, conforme relato da ocorrência.

No vídeo, várias pessoas se mostram indignadas com a ação policial, mas não têm coragem de protestar contra os agentes. Uma mulher, ao ver o homem preso no cubículo submetido à fumaça, diz “pode gravar isso aí, porque isso aí é um crime, olha”. Veja a sequência:

Genivaldo, de 38 anos, havia sido abordado em uma moto na tarde da quarta-feira, 25. Imagens gravadas por testemunhas mostraram primeiro ele com as mãos erguidas, depois reagindo a algo que lhe disseram e, na sequência, os três policiais se lançando sobre o homem para o imobilizar depois de encontrarem uma cartela de remédios com ele.

Um sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, chegou ao local e acompanhou a cena. Presentes avisaram aos policiais que o homem tinha problemas mentais, mas a abordagem truculenta seguiu.

Outro vídeo já mostra o homem se debatendo e gritando sufocado na viatura, na cena descrita quatro parágrafos acima.

Em nota, a PRF de Sergipe disse “lamentar o fato”. Abriu procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos. Informou que, em razão da “agressividade” do homem, foram empregadas “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo (grifo nosso) para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à delegacia da polícia civil da cidade”.

Se o “menor potencial ofensivo” é amarrar a pessoa, jogá-la pela metade num camburão e usar o compartimento como câmara de gás, o que seria “mais ofensivo”? Um fuzilamento? Amarrá-la no para-choque e arrastá-la pelas ruas?

Depois de “desacordá-lo” no porta-malas, os agentes levaram Genivaldo para a delegacia e depois para o hospital. Pura encenação, como revelou o laudo do Instituto Médico Legal (IML): o documento diz que Genivaldo morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.

O nome disso é execução por homens do Estado. Diante de dezenas de testemunhas, com várias filmagens, agentes públicos de segurança abordaram, torturaram e mataram um homem negro e com problemas mentais.

Em um país cuja trajetória histórica pelos séculos não fosse feita corriqueiramente de episódios assim, isso seria caso para uma reformulação total das polícias. No Brasil, onde a carne negra é a mais barata do mercado, como cantava Elza Soares, é só mais um dia normal.

Genivaldo de Jesus Santos tinha 38 anos e era aposentado, em virtude da esquizofrenia. Ele era casado com Maria Fabiana dos Santos e tinha um filho de 8 anos.