Veto do Congresso à higiene para detentas é crime contra a dignidade humana
06 dezembro 2024 às 19h29
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A decisão da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados de rejeitar o Projeto de Lei 59/2023, que previa a oferta de itens de higiene pessoal para mulheres em presídios, expõe uma falha moral e institucional grave dos congressistas brasileiros. A proposta buscava assegurar o fornecimento de papel higiênico, absorventes íntimos e fraldas infantis para mães acompanhadas de filhos. Apesar de parecer óbvia e indispensável, essa garantia foi barrada sob argumentos frágeis e desumanos.
Considerando o rosto do sistema carcerário no Brasil, é nítido que a justiça não é efetiva para todos. Os ricos, por mais mercenários que sejam, pagam uma boa fiança e se livram de qualquer sujeira enquanto os pobres ficam à margem de qualquer dignidade humana. Primeiramente, os deputados poderiam falar fora de um foro privilegiado. Mas, sob um lugar de intocabilidade parece que trabalham para a retirada de direitos humanos. A mesma Câmara que aprovou urgência para PL que equipara aborto de gestação acima de 22 semanas ao crime de homicídio. A Casa que aprovou um projeto para proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, bem como passou o Marco Temporal.
A Lei de Execução Penal e a Constituição Federal asseguram que pessoas privadas de liberdade mantenham sua dignidade e recebam assistência material adequada. Isso inclui alimentação, vestuário e condições mínimas de higiene. No entanto, a rejeição desse projeto revela como a prática legislativa tem se distanciado do compromisso com a população. Mulheres presas, especialmente aquelas que menstruam ou cuidam de filhos pequenos, estão entre as populações mais vulneráveis dentro do sistema penitenciário, frequentemente sujeitas a condições degradantes.
Ao recusar o fornecimento de itens básicos, o Congresso não apenas perpetua essa realidade como também desconsidera o impacto da pobreza menstrual, reconhecida globalmente como uma violação de direitos. Relatórios de organizações como a Pastoral Carcerária e a Rede Justiça Criminal indicam que muitas mulheres detidas recorrem a alternativas insalubres para gerenciar sua higiene, expondo-se a doenças e agravando a precariedade de sua condição.
“A justiça inflexível é frequentemente a maior das injustiças”. Terêncio (poeta romano)
Os argumentos falhos contra o PL
Durante o debate, alguns parlamentares descreveram o projeto como um “excesso de direitos” ou mesmo uma tentativa de “transformar presídios em spas”. Essas falas, como as do deputado Capitão Alden (PL-BA), não apenas revelam uma profunda desconexão com a realidade carcerária, mas também ignoram que a dignidade humana não é privilégio, e sim obrigação do Estado.
Outro argumento recorrente foi o impacto financeiro do projeto. Contudo, um estudo da organização Justa desmonta essa alegação. De acordo com a pesquisa, os custos para fornecer absorventes íntimos e outros itens essenciais corresponderiam a menos de 0,01% dos orçamentos estaduais destinados aos presídios. São valores irrisórios quando comparados aos benefícios sociais e de saúde pública que poderiam ser alcançados.
Punição além da pena
A negativa de direitos básicos não é apenas um ato de descaso; é a institucionalização de uma punição dupla. O Estado não pode se eximir da responsabilidade sobre pessoas que estão sob sua custódia. Quando detentas não têm acesso ao mínimo para manter sua higiene, elas enfrentam não apenas a privação de liberdade, mas também a violação de sua dignidade.
Além disso, a maioria das mulheres no sistema prisional são mães e provêm de contextos de vulnerabilidade social. Muitas não recebem visitas ou apoio externo, tornando impossível que dependam exclusivamente de familiares para fornecer itens de necessidade básica. Ao rejeitar o projeto, o Congresso ignora essas circunstâncias e coloca ainda mais ônus sobre essas mulheres e suas famílias.
Negar papel higiênico e absorventes em presídios femininos não é apenas uma falha legislativa; é um ataque aos princípios mais fundamentais de direitos humanos. Essa decisão reforça a desumanização de mulheres em situação de cárcere e perpetua um ciclo de desigualdade, pobreza e abandono.
O Congresso deveria agir para garantir que a dignidade seja um direito universal, mesmo dentro das grades. Ao vetar esse projeto, a Câmara dos Deputados não apenas se alinha com o retrocesso, mas também expõe o quão distante ainda estamos de uma sociedade verdadeiramente justa e inclusiva.