O Brasil tem uma história de fraudes e de eleições questionáveis. A urna eletrônica foi um dos grandes avanços eleitorais que trouxeram credibilidade ao sistema político

Urna eletrônica | Foto: EBC/ Divulgação

O primeiro analista de sistemas concursado do Tribunal Superior Eleitoral, o matemático Giuseppe Janino, afirmou em entrevista a Fabio Leite, da Crusoé, que a urna eletrônica é à prova de invasões. Giuseppe Janino participou em 1996 da formulação do equipamento e aceita o título de “pai da urna eletrônica” que lhe é atribuído. 

Trabalhando no desenvolvimento e aprimoramento da urna eletrônica há 25 anos, o pesquisador vê como uma grande falácia o descrédito atribuído pelo presidente Jair Bolsonaro ao método digital de votação. Juntamente com os ministros do TSE os deputados da comissão especial que discute na Câmara a aprovação da PEC do voto impresso já para as revisão do ano que vem, Giuseppe Janino afirma que o aparelho é testado por hackers antes da votação.

Giuseppe Janino afirma que a urna eletrônica brasileira surgiu pelas características do processo eleitoral que tínhamos no Brasil há 30 anos, que era convencional, com muita intervenção humana, muitos erros e muitas fraudes, justamente pela possibilidade de ser humano manipular a informação. 

À Crusoé, o funcionário explica qual a grande preocupação com a volta do voto impresso: “Nós tínhamos um portfólio de fraudes muito bem conhecido. Havia fraudes na apuração, quando esses votos eram lançados nas planilhas, e ainda ocorriam nos acertos. O processo demorava semanas até a apresentação do resultado, que era sempre acompanhado de muita suspeição. Naquele momento, nós batemos no fundo do poço da credibilidade do nosso processo eleitoral.Esse foi o grande impulsionador de uma mudança radical de paradigma para mitigar a mão do homem nesse processo, com a inclusão da tecnologia”.

O matemático explica que Estados Unidos, Noruega, Suécia e Alemanha provavelmente não adotam o voto digital porque não passaram pela história que nós passamos, onde houve uma necessidade de resolver um grande problema de fraudes no processo convencional. “Tem um pouco de distorção nessa visão, porque pelo menos 25 países no mundo adotam urnas eletrônicas parecidas com as nossas. Os Estados Unidos, que têm um processo eleitoral descentralizado, adotam urnas eletrônicas semelhantes às nossas em 19 dos seus 50 estados. Inclusive, muitos estados usam urnas que também não imprimem o voto”.

Sobre o risco do ataque de hackers, Giuseppe Janino afirma que o que garante a proteção da urna é o fato de que o equipamento é totalmente autônomo, sem comunicação externa. Sem componentes com acesso à internet, bluetooth, wi-fi ou nenhuma forma de viabilizar a conexão com outros operadores. Os softwares das urnas também não têm nenhuma possibilidade de comunicação externa, o que fez com que ela se tornasse um equipamento à prova de ondas de invasão. 

“Essa é uma pergunta recorrente que recebemos: ‘invadem a Nasa, o FBI, o Pentágono, por que não invadem a urna eletrônica?’”, comenta Giuseppe Janino. “É simples, ela está isolada. Para um hacker invadir a urna, ele teria de pegar uma de cada vez e tentar quebrar todas as barreiras de segurança. São barreiras físicas e mais de 30 barreiras digitais. Quando acaba a votação, uma urna emite o registro digital, onde são gravados os votos conforme eles são digitados no teclado, mas de forma aleatória, para não permitir o reconhecimento do eleitor pela ordem de votação. Esse registro digital do voto é assinado pela urna eletrônica, com um certificado digital, garantindo a autoria e a integridade da informação.”

Com o sistema atual, quando há questionamento do resultado das eleições, como ocorreu em 2014, existe a possibilidade de se auditar a votação. “Nós temos o registro digital do voto, que é uma tabela onde armazenamos o voto de cada eleitor, que fica disponível aos partidos políticos. De imediato, eles podem fazer a recontagem dos registros digitais de voto e conferir. E, se eles quiserem, podem fazer uma apuração totalmente independente da Justiça Eleitoral com esse registro digital do voto. Existe também uma espécie de caixa preta da urna, assim como existe nas aeronaves, que registra tudo o que acontece com ela”.

Giuseppe Janino comentou ainda que, caso o Congresso aprove uma PEC do voto impresso, não eixste estimativa de implantar o sistema com viabilidade a tempo das eleições de 2022. O modelo de urna com impressora não existe em nenhum mercado com as características desejadas de segurança. O receio é o retorno do chamado voto de cabresto, onde o eleitor é coagido a votar em selecionado candidato.

“Na forma como está sendo proposta, o eleitor pode ser coagido a votar em uma certa sequência de candidatos, ou votar em um candidato e o restante nulo, com o argumento de que esse voto será analisado depois pelos fiscais na apuração. Nós já testamos o voto impresso duas vezes, em 1996 e 2002. Essas experiências evidenciaram as nossas preocupações, principalmente na questão operacional. A impressora é um mecanismo eletromecânico que falha muito mais do que um aparelho exclusivamente eletrônico. Isso é potencializado com a nossa logística. A urna viaja milhas levando um monte de impacto e poeira. Sem contar que o voto impresso tende a aumentar a judicialização do processo”, afirma Giuseppe Janino à Crusoé.