Universidade Federal de Viçosa investiga denúncia de estupro contra professor do curso de Letras
30 setembro 2022 às 12h49
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A revista “Veja” publicou extensa reportagem, na edição nº 2809, com o título de “Escândalo sexual é investigado em sigilo na Universidade de Viçosa”. A matéria é assinada pelas repórteres Duda Monteiro de Barros e Sofia Cerqueira.
O professor investigado é Edson Ferreira Martins, de 43 anos. Pós-doutor em estudos clássicos, é especialista em Machado de Assis, autor do romance “Dom Casmurro”. É professor concursado da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Viçosa, uma das mais importantes do país.
O poliglota Edson Ferreira Martins (domina sete idiomas) é, de acordo com a “Veja”, “acusado por alunas e ex-alunas de um leque de crimes que abrange abuso de poder, violência física, assédio moral e sexual e estupro — um escândalo silencioso que virou, em 2019, alvo de uma sindicância interna e se desdobrou em um processo administrativo disciplinar”.
A investigação está em andamento (Demetrius David da Silva é o reitor da Universidade Federal de Viçosa e Rejane Nascentes é a vice-reitora). A revista sublinha que os depoimentos contra o mestre Edson Ferreira Martins são “contundentes”. Por isso, a universidade decidiu encaminhar as informações ao Ministério Público Federal de Minas Gerais. A documentação contém 870 páginas.
As repórteres, que leram o material, sustentam que “onze jovens relatam com riqueza de detalhes os abusos dos quais afirmam ser vítimas, umas recentemente, outas até uma década atrás”. “Veja” entrevistou oito vítimas. Segundo os depoimentos, Edson Ferreira Martins “se valia do poder do cargo e da admiração que inspirava para seduzir moças mais novas que ele, ‘preferencialmente calouras’, oferecendo vagas em projetos de pesquisa e puxando papo nas redes. Às vezes, partia direto para o flerte”.
N. L., de 28 anos, relatou que manteve relacionamento de um ano com o professor. O professor a teria convencido, quando ela tinha 18 anos, a beber cerveja, vinho e vodka. “Sem nenhuma capacidade de discernimento, N. só lembra de um corpo sobre ela, num ato sexual que lhe deixou memória amarga. ‘Bem depois percebi que aquilo foi um estupro. Eu estava completamente vulnerável e se aproveitou’”. Depois, numa discussão, Edson Ferreira Martins a teria jogado no chão duas vezes. A jovem faz tratamento “para lidar com as sequelas psicológicas”.
Um caso de estupro envolve Z. M., agora com 30 anos. Eles se envolveram quando ela tinha 25 anos, em 2017. No sítio do mestre, os dois estavam conversando, mas, quando a jovem discordou do que dizia, ele, “transtornado, pôs-se a gritar”.
Com medo, Z. M. escondeu-se num quarto da casa. “Fiquei encolhida, chorando e tremendo na cama. Aí ele entrou, me pegou de costas e, mesmo sem eu reagir, fez sexo comigo. Meu desespero era tanto que tive receio de dizer não.” A presidente da OAB Mulher, Flávia Pinto, disse à “Veja”: “São casos clássicos de estupro de vulnerável, quando a vítima não tem capacidade para consentir”.
As vítimas do professor Edson Ferreira Martins, todas jovens, tinham medo de denunciá-lo, dado seu poder na Universidade Federal de Viçosa (tanto que a universidade até hoje não o puniu de modo mais sério). Mas começaram a se reunir e criaram coragem para expor os casos. Elas contrataram uma advogada.
Segundo a “Veja”, “nem todas cederam a suas ‘investidas sexuais’, mas foram atingidas em muitas camadas, inclusive por rejeitá-lo — motivo para algumas serem humilhadas em classe e removidas de projetos acadêmicos”.
A reportagem menciona que o professor Edson Ferreira Martins incentivava as jovens a usarem drogas. C. W., de 23 anos, contou que, durante uma festa, “escutou de Martins que ‘estava doido de LSD’”. Em seguida, em outro encontro, ofereceu-lhe ácido. “Decidi largar o trabalho em que me orientava e perdi o gosto pelo curso”, afirma.
Coordenadora da Faculdade de Letras entre 2020 e 2022, Joziane Assis afirma: “Muitas dessas meninas me procuravam para não fazer aula com Martins, justificando terem se relacionando com ele ou por sua fama mesmo”.
A Universidade Federal de Viçosa afastou Edson Ferreira Martins das salas de aulas por 60 dias. Mas ele voltou a ser professor e continua dando aulas. Em 2021, no mês de setembro, mesmo depois de todas as denúncias, a universidade o promoveu. Ele “escalou um posto na hierarquia docente”, relata a “Veja”. F. O., de 29 anos, critica: “É revoltante ver a omissão da instituição frente a tantos abusos”. E a segunda principal dirigente da Universidade de Viçosa, a vice-reitora, é uma mulher.
A revista sublinha que, nos corredores da Faculdade de Letras, o mestre Edson Ferreira Martins alardeia “que as alunas é que não aceitam o fim da relação e, por isso, o envolvem na teia de acusações”. A psicóloga Mariana Luz, diretora do Me Too Brasil, disse à “Veja”: “Pessoas assim se aproveitam da posição de poder para manipular e sabem o momento de atacar”.
A advogada Lise Póvoa, que representa as alunas, vai encaminhar “uma notícia-crime contra Martins aos ministérios públicos estadual e federal em Minas”. A universidade, que até agora não tomou uma providência peremptória, disse à revista “que está analisando as evidências e, em breve, baterá o martelo sobre seu destino”. Em casos parecidos, onde direção da universidade é firme, os professores são exonerados. No caso da Universidade de Viçosa, o que parece cautela, talvez seja omissão. Talvez até corporativismo.
A advogada do professor Edson Ferreira Martins, Marinês Alchieri, sustenta que “há provas robustas de que a vítima é ele” e garante que está organizando “ações criminais contra falsas denúncias e pelas reparações de danos decorrentes”. “Veja” conclui a reportagem informando, baseada em relatos dos colegas do mestre na Faculdade de Letras, que o pós-doutor “segue cultivando o hábito de seduzir suas alunas”.