A recém divulgada Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher do DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher, indicou que uma em cada 10 mulheres com 16 anos ou mais já sofreram algum tipo de violência digital nos últimos 12 meses. Foram entrevistadas 21.641 mulheres acima de 16 anos, entre maio e julho, de 2025.

As participantes também foram questionadas se, nesse mesmo período, vivenciaram uma ou mais de 19 situações de violência. Dentre os questionamentos, 13 se referem à violência geral e seis à violência digital. No total, 33% das entrevistadas passaram pelo menos uma dessas ocorrências.

Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher | Infográfico

Em entrevista ao Jornal Opção, a delegada Ana Elisa Gomes explica que muitas das entrevistadas pela pesquisa DataSenado não, necessariamente, já foram em delegacias para fazerem denúncia. “Eu não posso falar que houve um aumento da violência digital, porque talvez houve mais facilidade de acesso para as pessoas praticarem crimes através das redes”, explica.

 A delegada disse ainda que muitos crimes de ameaça, de injúria, de perseguição ou mesmo a própria violência psicológica podem ser praticados pessoalmente, no meio digital ou em ambos os casos.

Delegada Ana Elisa Gomes | Foto: Renan Accioly/Jornal Opção

“Se o cara não consegue alcançar a vítima pessoalmente, muitas vezes, ele busca as redes sociais para encontrá-la e manter a perseguição. Então, faz um misto aí dos dois modelos de atuação”, elucida Ana Elisa Gomes.

Crimes digitais

A pesquisa feita pelo DataSenado elucidou que insultar, humilhar, acusar falsamente e assustar são as formas mais frequentes de agressão contra mulheres. Porém, os principais crimes, que configuram como violência digital envolvem perseguição (stalking); violência psicológica e divulgação de cena de sexo ou de pornografia não consensual (revenge porn).

Violência contra a mulher acontece no meio cibernético e na vida real | Foto: Reprodução

Há também a conhecida lei “Carolina Dieckmann” (lei nº 12.737/2012), que refere-se ao crime de invasão de dispositivos eletrônicos. A larga difusão do caso na imprensa sobre a invasão de hackers no computador da atriz, onde roubaram fotos íntimas, alterou o Código Penal e impulsionou a criação de delegacias especializadas no combate ao crimes digitais em todo o Brasil.

Como denunciar?

Mulheres que sofrerem violência digital podem registrar ocorrência em delegacias especializadas de atendimento à mulher, nas delegacias comuns ou pela Delegacia Virtual, que recebe denúncias de crimes cibernéticos.

“Se você está sendo vítima de violência doméstica familiar ou de gênero – independente se está sendo por vias digitais, nós temos a delegacia da mulher que funciona 24 horas por dia em Goiânia. Todas as equipes da delegacia são conduzidas por mulheres. Procure a delegacia e noticie o fato. Às vezes, a mulher está vivendo uma situação em que ela não entende como sendo criminosa. Se tem dúvidas, procure a delegacia para se esclarecer também”, pede a delegada Ana Elisa Gomes.

Mulheres que sofrerem violência digital podem registrar ocorrência em delegacias | Foto: Reprodução

Também é possível buscar orientação pelo Ligue 180, disponível diariamente e de forma gratuita, além do Disque 100.

Sabe o que são deepnudes?

O uso de inteligência artificial para sexualizar mulheres também tem sido uma preocupação para a sociedade e pode contribuir com o aumento da violência digital. A pesquisadora em Inteligência Artificial Jullena Normando tem alertado para o crescimento de um fenômeno tão silencioso quanto devastador: a criação e a circulação de imagens sexualizadas falsas, os chamados deepnudes, produzidas com inteligência artificial.

“Sua imagem pode ser usada virtualmente e a vida real pode ser destruída. A violência digital não é mais tratada como simplesmente ‘conteúdo impróprio’, mas como uma forma específica de agressão que articula tecnologia, gênero e poder”, alerta Jullena Normando.

Ainda segundo a pesquisadora, enfrentar o deepnude é urgente e central para garantir segurança digital às mulheres em um cenário onde a tecnologia avança mais rápido do que a legislação. O debate precisa considerar três dimensões fundamentais dessa violência: a produção de conteúdo falso, a circulação em redes sociais e plataformas pouco moderadas (que funcionam como verdadeiras infraestruturas de reprodução da violência), e o impacto na percepção pública.

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