Dupla de 20 anos faz parte da nova geração do universo sertanejo. Cantoras falam da trajetória ao longo de quase cinco anos de carreira

Marcado por longos anos como um gênero musical predominantemente cantado por homens, o sertanejo vem mudando e se diversificando. Antes, é importante admitir que a origem deste estilo musical, de fato, se deu no sertão. Com a proposta de reunir e falar sobre a vida, sertanejos se sentavam em uma roda, pegavam uma viola e, ao invés de conversar, cantavam. Então, de maneira orgânica, o sertanejo se propagava.

Como surgiu em um contexto rural, o gênero teve de desconstruir mais um estereótipo: o de ser primitivo. Devido ao avanço da urbanização — e o consequente surgimento de metrópoles — e o desenvolvimento tecnológico, a música sertaneja mudou. Sua sofisticação, técnica e musical a tornaram mais cosmopolita.

Mas, no início, era malquista. Associada ao “caipira” e ao “simplório”, a música sertaneja era tida como “intelectualmente limitada”. Porém, como um gênero musical tido como “atrasado” por alguns se tornou líder em volume de execuções em rádios, em 2020, de acordo com pesquisa realizada por Crowley e Kantar? Cabe aos pesquisadores, como os sociólogos, investigarem a razão do imenso sucesso da música sertaneja. Pode-se subestimar o público?

De qualquer modo, a resposta para a pergunta é, de certa forma, de caráter subjetivo. Como o sertanejo canta a vivência diária, e diz respeito ao amor e suas sofrências, muitas pessoas passaram a se identificar com a arte das multidões. Para as gêmeas Thalia e Thaleia, de 20 anos, a questão existencial é o fator é que mais ajuda na hora de elaborar uma composição. “Você começa a escrever sobre aquilo que ocorre no dia a dia. Para se inspirar, é necessário ficar atenta às situações do cotidiano e, em seguida, escrever. Daí se coloca o ritmo, melodia. Vai encaixando tudo e fazendo a música”, contou Thalia, a gêmea mais nova, por dois minutos.

Nascidas na cidade de Martinez, na Califórnia, Estados Unidos, as irmãs vieram para o Brasil aos 6 anos de idade. Filhas de um uberabense e de uma rio-verdense, a mudança para Goiás não significou uma ruptura com o modo de vida delas no país da música country. As gêmeas, que formam uma dupla sertaneja, cresceram ouvindo o estilo em casa, no país de June Carter. A paixão despertou aos 9 anos. Aos 13, começaram a cantar. Sobre o processo de criação de uma música, Thaleia e Thalia relatam que associaram o estilo romântico do pai, no modo carinhoso com o qual trata a mãe, e as experiências amorosas frustradas de amigas na escola.

“Na época da escola, pegávamos as vivências de nossas colegas, já que nós nunca namoramos, e transformávamos em música. Nosso pai, que é romântico, nos ajuda muito nas composições”, acrescenta Thalia.

 
 
A hora e a fez do feminejo

A dupla frisa que o sertanejo trata do cotidiano, de seus prazeres e agruras. Não se trata de uma música alienada, distante da realidade. Adaptando-se à modernidade, o gênero também retirou o protagonismo tão-somente da figura masculina. As mulheres estão se firmando. Entre 2014 e 2016, a presença feminina na música sertaneja cresceu e chegou ao auge. Nomes como Marília Mendonça, Naiara Azevedo e duplas como Maiara e Maraisa, Simone e Simaria trouxeram a ótica do feminino para o sertanejo. Este movimento acabou cunhando um termo, o feminejo. Isto é, um estilo sertanejo cujas letras e músicas são cantadas e compostas por mulheres, com uma perspectiva feminina sobre os temas próprios do sertanejo, incluindo músicas que focam no empoderamento, superação e independência da mulher.

Thalia e Thaleia reconhecem que a indústria musical do sertanejo ficou mais acessível. As duas seguiram as pegadas de outras artistas. Bento Caetano, pai e empresário da dupla, acredita que isto aconteceu graças aos grandes nomes femininos que se firmaram antes. “Elas começaram no modão. E o homem tinha a tendência de achar que quem canta bem modão é apenas outro homem. Hoje em dia, já não é mais assim. As duplas femininas que vieram primeiro quebraram a regra e derrubaram o preconceito. As cantoras Maiara, Maraisa e Marília Mendonça foram decisivas para abrir novos caminhos.” Elas se firmaram e nem são questionadas mais. Hoje, influenciam mulheres e, inclusive, homens. Tal a qualidade das letras e das músicas.

A primeira fagulha do feminejo foi por intermédio da música “Coitado”, de Naiara Azevedo, apontam especialistas ouvidos pelo jornal “Extra”, do  Grupo Globo. Em 2011, o grupo musical Os Avassaladores lançou a música “Sou Foda”. Descontente, a cantora respondeu à música — o que seria o estopim do feminejo. Contudo, com o destaque das duplas e cantoras do sertanejo, acaba-se acreditando que as mulheres começaram a fazer sertanejo recentemente. Porém, Roberta Miranda, Paula Fernandes, Fátima Leão e As Mineirinhas já estavam ocupando espaços em um gênero musical marcado pelo masculino desde os anos 1980.

O pluralismo do sertanejo

Observando o sertanejo se desenvolver e deixando de estar presente apenas no campo, o estilo musical conseguiu se constituir na cidade grande e se dividir. O que antes era apenas “caipira”, um canto com a viola, hoje também é representado com o sertanejo universitário e o pop, o gênero adaptado ao século 21, e o sertanejo raiz, aquele praticado no início do século 20.

As gêmeas contam que, apesar de estarem focadas no novo, o modão e o raiz não deixam de ser colocados no repertório musical de suas apresentações. “Cada público é um repertório. A gente tem que sentir a energia das pessoas”, assinala Thalia. A cantora diz que, antes, não gostava do modão, mas, com o tempo e sentindo a energia do público, ficou fácil e gostoso de cantar.

Com isso, rompendo não somente a barreira entre campo-cidade e as de gênero, o sertanejo resolveu quebrar mais uma barreira — a digital. De acordo com o Spotify, plataforma de streaming de música, os três gêneros musicais mais escutados no Brasil, em 2021, foram o sertanejo pop, o sertanejo universitário e o sertanejo dito tradicional. Nesta mesma lista, as cinco cantoras mais executadas foram Marília Mendonça, Maiara & Maraisa, seguidas de Luisa Sonza, Ludmilla e Ariana Grande. As três primeiras são do estilo sertanejo. Com a efetivação no urbano, o sertanejo conseguiu então ser, de fato, o gênero mais consumido.

A dupla Thalia e Thaleia tem a ver com os três pontos abordados pela reportagem: o sertanejo universitário/pop, o gênero musical sendo cantado por mulheres e o avanço da música na virtualização, uma vez que também são digital influencers. Ao contar sobre a carreira — como irmãs, dupla e cantoras de sertanejo —, Thaleia lembra que começou a cantar de brincadeira, no meio de amigos e familiares. Porém, o pensamento do “Por que não?” invadiu a cabeça delas.  “De repente, decidimos levar o ‘trem’ a sério. Aí lançamos nossa primeira música, ‘Já tem idade’. A gente pensou: ‘Nossa, vamos investir na carreira’. Então começamos. Em outubro, a gente faz cinco anos de carreira”, anota Thalia.

 

Pandemia da Covid-19 prejudica cantores e músicos

Na sua fase aguda, o combate à pandemia da Covid1-19 levou ao isolamento e o distanciamento social. Muitos setores da sociedade foram afetados pelas medidas. O musical foi um deles. De acordo com a lista divulgada pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Produtividade do Ministério da Economia (Sepec/ME), a atividade econômica mais afetada foi (e ainda é)a de “Atividades artísticas, criativas e de espetáculo”. Formadas no ensino médio no ano de 2019, o plano de Thalia e Thaleia era investir o tempo na carreira musical, porém o avanço do coronavírus não permitiu.

Por causa da pandemia, a dupla teve de se reinventar. “No começo, ficamos bem baqueadas. A gente viu que estava muito sério quando começaram a desmarcar os shows. Pensamos inicialmente que o problema duraria uns 15 dias”, sublinha Thalia. Com a impossibilidade de realizar espetáculos, as irmãs resolveram focar em outros meios de divulgar seus trabalhos. Realizando dublagens das lives no TikTok que ocorreram em 2020, as jovens começaram a ser notadas pelos artistas e os vídeos eram repostados. “O TikTok ajudou muito a gente nessa época de pandemia. Usamos ele a favor. Começamos a fazer os resumos das lives e começamos a dublar as melhores partes”, explica Thalia.

Como consequência, Thalia e Thaleia começaram a ganhar notoriedade nas redes sociais, o que acabou acarretando outras responsabilidades. “A área do digital influencer exige mais porque você está influenciando outras pessoas.” Além da internet, elas estão investindo no estudo de música. Thaleia começou o curso de música — bacharelado — em 2021. Ela busca o aperfeiçoamento musical de seu metier.

https://www.instagram.com/reel/CMp92LVp0vs/?utm_medium=copy_link
Thobias, o adolescente que brilha na bateria

Outro fenômeno no universo sertanejo está ligado ao contexto familiar. As duplas se assemelham fisicamente, às vezes porque os componentes são irmãos. As duplas sertanejas são as que mais se podem notar nesta questão. Exemplos: Simone e Simaria, Maiara e Maraisa. No sertanejo clássico, as Irmãs Barbosa e Galvão, Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó. Além de Leandro (falecido) e Leonardo.

Thalia e Thaleia dizem que cantar juntas é necessário; antes de tudo, uma conexão. A questão influencia não somente no resultado da dupla, mas também no processo de cantar. Nos duos atuais, o processo de troca de primeira e segunda voz é algo que está ocorrendo. Com as gêmeas não foi diferente. Thaleia conta que antes não fazia saber a segunda voz, mas aprendeu quando um amigo da família sugeriu que adotassem o processo já visto no mercado sertanejo. Antes a Thaleia fazia a primeira e a Thalia a segunda. Agora Thalia faz a primeira voz. E assim as duas vão fazendo o revezamento.

Thalia e Thaleia juntas de Thobias, baterista da duplas | Foto: Reprodução

Com a dupla, a família está em todo o processo da carreira. Durante um show, as gêmeas foram informadas que o baterista havia infartado. Porém, como a família Pignatti Caetano tem música no sangue, o pai de Thalia e Thaleia perguntou ao filho mais novo se teria como substituir o músico adoentado. O garoto de 12 anos acenou positivamente e tocou bateria durante o espetáculo.

“Sempre quis tocar bateria. Ganhei a primeira bateria com 3 ou 4 anos, mas era de brinquedo. Quando tinha 8 ou 9 anos, meu pai me deu uma bateria elétrica. Agora, me deu a acústica”, conta Thobias Pignatti. Percebendo a aceitação do público com as meninas cantando e o irmão na bateria, os pais resolveram mantê-lo. “O público tem gostado. Falam sobre completar a banda, colocar baixo, sanfona, mas a gente gosta assim, com a família”, declara Thalia.

Com desejo de assinar contrato com uma empresa e escritório de produção e planejamento de carreira, Thalia e Thaleia se apoiam na família enquanto esperam a concretização do sonho. Com Thobias na bateria, o pai empresário e motorista da van de viagens, para a mãe ficou o cargo de estilista, cuidar da agenda de shows e o marketing. “Quando começou foi tudo novo. Eu pensava ‘Ah, cantar não. Estuda, forma e depois pensa’. Eu trabalho com imóveis e fazenda, não tinha raízes na música, mas sempre escutei. Só que com minhas filhas cantoras fiquei imaginando como deixá-las sozinhas. Mas aí deixamos as coisas lá em Quirinópolis e começamos a acompanha-las”, diz Bento Caetano.

Confira vídeo da música “E aí, Bebê”, por Thalia e Thaleia:

https://www.youtube.com/watch?v=2A0dlQuXyBI