“Tenho vergonha de dizer que lá atrás fiz coisas erradas”, diz pastor goiano que está foragido
20 setembro 2023 às 13h18
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“Tenho vergonha de dizer que lá atrás fiz coisas erradas, erradas porque não tive orientação jurídica, não tive pessoas junto comigo pra falar ‘faz assim, o que você está fazendo é errado”. Simplesmente fui um moloque, um menino, uma criança com melado na mão passando na cabeça”, disse o pastor goiano Osório José Lopes Júnior, alvo de operação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) nesta quarta-feira, 20.
Leia também: Pastores são alvo de operação por aplicar golpes em 50 mil pessoas
Foragido no Brasil e no exterior, pastor Osório segue ativo nas redes sociais. Em seu canal no YouTube, acumula mais de 70 mil inscritos e cerca de 500 vídeos publicados. Na página, ele se define como “pai, esposo e servo de um Deus vivo”. O pastor já passou 110 dias preso em Goianésia, Goiás, e agora é procurado novamente pela polícia. Apesar de se denominar pastor, o estelionatário não é ligado a nenhuma empresa.
Invocando uma teoria conspiratória apelidada de “Nesara Gesara”, os estelionatários diziam, por exemplo, que com um depósito de apenas R$ 25 as pessoas poderiam receber de volta nas “operações” o valor de R$ 1 octilhão (ou 1 seguido de 27 zeros: R$ 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000). Para se ter ideia da quantia prometida, ela é bilhões de vezes superior à do PIB mundial (em 2022, a soma de todas as riquezas produzidas no mundo foi de US$ 101,6 trilhões).
O Ministério Público de Goiás (MPGO) denunciou o suposto pastor em 12 de março de 2022, alegando que ele teria voltado a praticar crimes. No entanto, um dia antes, ele já havia sido denunciado pelo MPSP para a Justiça de São Paulo, o que foi considerado pela magistrada goiana em sua decisão.
O golpe pode ser considerado um dos maiores já investigados no Brasil, uma vez que foram constatadas, como vítimas, pessoas de diversas camadas sociais e localizadas em quase todas as unidades da Federação, estimando-se mais de 50 mil vítimas.
A defesa do suposto pastor, Maria José da Costa Ferreira, disse ao Jornal Opção que desconhece a operação realizada pela Polícia Civil e que a investigação é um “lamentável equívoco”. Segundo a advogada, ela não teve acesso aos autos do processo e, por isso, não saberia maiores detalhes, mas que provavelmente as acusações fazem parte de “operações midiáticas” que a polícia faz para “se popularizar”.
Investigação
O pastor Osório José Lopes Júnior foi alvo de uma operação nesta quarta-feira, 20, suspeito de aplicar golpes em mais de 50 mil pessoas em todo país e no exterior. Além do religioso, um outro pastor que não teve o nome divulgado também é alvo da operação. Os dois não foram localizados pela Polícia Civil do Distrito Federal e são considerados foragidos. O golpe pode ser considerado um dos maiores do Brasil.
Osório, apontado como líder do grupo criminoso que conta com 200 integrantes, conforme a PC, é conhecido por ter provocado um prejuízo de R$ 15 milhões a fiéis de Goianésia (GO), em 2018. Além dos mandados de prisão preventiva contra a dupla de pastores, a PC cumpre 16 mandados de busca e apreensão no DF, Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo.
A investigação aponta que os suspeitos formavam uma rede criminosa muito bem organizada, com estrutura ordenada e divisão de tarefas, especializada no cometimento de diversos crimes, como falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, e estelionatos por meio de redes sociais. As vítimas eram induzidas a investir quantias em dinheiro com a promessa de recebimento futuro de quantias bilionárias.
Operação Falso Profeta
De acordo com a investigação, iniciada há cerca de um ano, o grupo é composto por cerca de duzentos integrantes, incluindo dezenas de lideranças evangélicas intitulados pastores, que induzem e mantêm em erro as vítimas, normalmente fiéis que frequentam suas igrejas, para acreditar no discurso de que são pessoas escolhidas por Deus para receber a “Benção”, ou seja, as quantias milionárias.
Como instrumento da fraude, os investigados constituem pessoas jurídicas “fantasmas” e de fachada simulando ser instituições financeiras digitais (falsos bancos), com alto capital social declarado, através das quais as vítimas supostamente irão receber suas fortunas. E, para dar aparência de veracidade e legalidade às operações financeiras, os investigados ainda celebram contratos com as vítimas, ideologicamente falsos, com promessas de liberação de quantias surreais provenientes de inexistentes títulos de investimento, que estariam registrados no Banco Central do Brasil (BACEN) e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
A investigação também apontou movimentação superior a R$ 156.000.000 (cento e cinquenta e seis milhões de reais), nos últimos cinco anos, bem como foram identificadas cerca de quarenta empresas “fantasmas” e de fachada, e mais de oitocentas contas bancárias suspeitas.
Em dezembro do ano passado, a Polícia Civil do Distrito Federal prendeu em Brasília um suspeito de envolvimento no esquema, após ele ter feito uso de documento falso perante uma agência bancária localizada na Asa Sul, simulando possuir um crédito de aproximadamente R$17.000.000.000 (dezessete bilhões de reais). Porém, mesmo após a prisão em flagrante desse indivíduo, à época o principal digital influencer da organização criminosa, o grupo continuou a aplicar golpes.
Nessa nova etapa da investigação, em que participaram cerca de cem policiais civis, foi realizado o cumprimento de mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e quatro Estados – Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo. Também são cumpridas medidas cautelares de bloqueio de valores, bloqueio de redes sociais e decisão judicial de proibição de utilização de redes sociais e mídias digitais.