*Colaboração João Reynol

O impasse em torno do aterro sanitário de Goiânia ganhou novos capítulos após vistoria realizada por técnicos ambientais e reunião com o Ministério Público (MP). Enquanto representantes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) apontaram falhas graves, como a falta de recobrimento de resíduos e drenagem adequada, além da ausência de pedido formal de licenciamento, o prefeito Sandro Mabel (UB) defendeu que a atual gestão já investiu mais de R$ 14 milhões em máquinas e sistemas de monitoramento para transformar a área em referência.

O Ministério Público de Goiás (MPGO), por sua vez, reconheceu avanços nos últimos meses, mas cobrou a apresentação de documentos e projetos que comprovem, de forma transparente, as melhorias anunciadas.

O superintendente de licenciamento ambiental, Ialdo de Queirós, afirmou que a vistoria realizada recentemente não atendeu às expectativas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), já que os problemas mais graves permanecem sem solução. “A visita se atenta muito a aspectos visuais. Em relação a esses aspectos visuais, inclusive, eles não foram atendidos. Por exemplo, um dos itens colocados é a ausência de recobrimento do resíduo. A gente viu que está exposto. A questão da drenagem da água superficial também não foi solucionada. Eles falam que vão começar as obras para estabelecer as descidas de água, fazer o retaludamento, mas até o momento nada foi feito”, afirmou

Ainda segundo o técnico da Semad, parte da documentação entregue pela Prefeitura não tem validade técnica. “O que foi apresentado não atende ao propósito que a gente pediu. Essa documentação normalmente se refere a estudos antigos. Isso não dá condição para a gente afirmar que a situação atual está regular. E é importante ressaltar: isso não significa que eles solicitaram um licenciamento. Estamos apenas analisando no âmbito do risco operacional, no sentido de mitigar algum possível acidente. Mas, em relação ao licenciamento, não foi pedido”, disse.

Ialdo também reforçou a preocupação. “Na reunião técnica do dia 16 de julho, eles ficaram de apresentar documentos ou providências para cada um dos itens pontuados. Até o início de agosto, isso não tinha sido feito. Depois apresentaram uma documentação, mas ela não atende, porque não mostra a situação atual do aterro e nem para onde ele vai. Então, os pontos centrais seguem em aberto.”

Prefeitura defende aterro

O prefeito Sandro Mabel (UB) fez uma defesa firme da atual gestão do aterro e criticou o que considera pressões externas para que a prefeitura utilize a estrutura de empresas privadas. “Depois que nós entramos, nós compramos muitas máquinas, estamos fazendo todo o monitoramento do maciço do aterro, do chorume e da água. Queriam que nós fechássemos o aterro e mandássemos os resíduos para um da iniciativa privada, o que custaria R$ 10 milhões a mais por mês. Isso seria queimar R$ 10 milhões da população de Goiânia, em um momento em que temos dificuldade em todas as áreas. Fizemos a opção de usar esse dinheiro para estruturar o nosso aterro, e não para enriquecer terceiros”.

Mabel disse que o trabalho realizado nos últimos meses é inédito na capital. “Estamos implementando um monitoramento frequente, instalando equipamentos modernos, inclusive uma estação de tratamento italiana que demora 12 meses para chegar. Enquanto isso, adotamos outro tratamento que deixa a água do chorume em perfeitas condições. É uma evolução muito grande nesses oito meses. Há 30 anos não se via cuidado algum com esse aterro, e agora isso mudou”, afirmou o prefeito.

Mabel também garantiu que grande parte das exigências ambientais já foram cumpridas. “Hoje, 58% do que precisa para o licenciamento já está pronto. Os outros 42% estão em andamento. Nós não temos nenhum risco, e os laudos começarão a sair porque os aparelhos estão sendo instalados. Diferente do que dizem, nosso aterro não tem vazamento de chorume. O chorume é tratado e enviado à Saneago para complementação. Temos três bacias de tratamento funcionando com rigor.”

Segundo ele, os interesses que defendem o fechamento do aterro estão ligados ao setor privado. “Na verdade, o pessoal quer que joguemos no aterro privado. Às vezes, são interesses que possam existir, mas eu não posso deixar a população de Goiânia pagar essa conta. Estamos investindo R$ 14 milhões em máquinas, estruturando o local com apoio da Comurg e da Seinfra. Goiânia vai ter um aterro sanitário de referência, não um lixão. E vamos licenciar, seja no âmbito municipal ou estadual”, disse.

O prefeito ainda disse que foi feita a implantação de um viveiro que produz mais de 200 mil mudas por ano para escolas e outros espaços. “O nosso aterro está organizado, não incomoda a vizinhança, não tem cheiro e não tem mosquitos. Nós ainda vamos transformar toda essa estrutura”, afirmou.

Ministério Público reconhece avanços, mas cobra documentos

Promotor Juliano de Barros ao lado do prefeito Sandro Mabel (UB) e do procurador-Geral do Município, Wandir Alan | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

O promotor Juliano de Barros reconheceu que a atual gestão adotou medidas que não foram tomadas em mais de uma década, mas disse que a falta de formalização compromete a transparência do processo. “Estamos tratando de um tema debatido há pelo menos 15 anos. O que mais chama a atenção é a diferença entre os 14 anos anteriores e este último, em que o município efetivamente se propôs a dar uma solução para o aterro. A Prefeitura poderia ter tomado o caminho mais cômodo, mandando o lixo para o aterro privado e gastando R$ 10 milhões por mês. Optou pelo caminho mais difícil, que é colocar o aparelho público para funcionar. É mais arriscado, mas pode ser a melhor entrega para o cidadão, para o meio ambiente e para o futuro”, afirmou o representante do MPGO.

Apesar do reconhecimento, o promotor criticou a ausência de projetos formais. “Só falar que vai fazer não basta. É preciso apresentar documentos, contratações, cronogramas. Hoje ninguém sabe exatamente o que é esse projeto, quais as contratações, quais os programas. Isso é coisa pública, precisa ser transparente. O município deveria reconhecer isso e apresentar periodicamente esses documentos”, continuou.

Juliano também reforçou que o Ministério Público não busca inviabilizar o aterro, mas garantir legalidade. “Nunca nos recusamos a dialogar. Chamamos o município várias vezes. O problema é que muitas vezes só o prefeito compareceu, sem equipe técnica. O município poderia e pode ainda apresentar os projetos. O que pedimos é simples: que haja responsabilidade em mostrar à sociedade, com clareza, as medidas adotadas”, completou.

Debate tenso entre prefeito e promotor

Durante o encontro, o promotor questionou a ausência de cobertura adequada e o mau cheiro no aterro. “Visualmente a frente de trabalho está muito grande. As normas de engenharia recomendam cobertura diária dos resíduos. Aqui há muito material exposto, aves sobrevoando e mau cheiro perceptível. Não estamos dentro de uma lagoa de chorume, mas há odor, sim. Isso precisa ser reconhecido, porque é visível”, afirmou Juliano.

Mabel, então, respondeu que o trabalho está sendo feito. “O fechamento é feito diariamente. Colocamos terra em cima do aterro, temos maquinário novo e estamos abrindo frentes de operação de acordo com o projeto. Dizem que não tem cobertura, mas temos material pronto para usar. O que acontece é que só olham para o que está errado e não para o que já avançamos. Em oito meses, fizemos mais do que em 30 anos. Nosso aterro está muito próximo de ser arrumado e será licenciado”, disse.

“O risco que levantamos é que a estação de tratamento de chorume também precisa ser licenciada. Não basta dizer que está tratando. É preciso apresentar estudos técnicos e licenciamento adequado”, rebateu Juliano.

O prefeito, então, questionou a gestão anterior. “O governo passado fazia termo de ajustamento atrás de termo e empurrava o problema. Nós pegamos com seriedade e estamos modificando. Se mandássemos 40% do lixo para o aterro privado, gastaríamos R$ 4 milhões por mês. Isso daria R$ 50 milhões por ano. Com esse dinheiro, compramos máquinas, implantamos monitoramento e estamos montando usina para tratar chorume e resíduos. Não vou jogar fora esse recurso. O que estamos fazendo é colocar o aterro em ordem para ele ser licenciado e servir à cidade.”

Por fim, Juliano pediu cautela. “O município pode ter escolhido o caminho mais difícil, mas precisa ser transparente. O discurso só se sustenta se vier acompanhado de documentação técnica. É isso que a sociedade espera”, completou.

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