O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), admitiu nesta quinta-feira, 5, que estava “equivocado” em sua posição inicial sobre o uso de câmeras corporais pelos policiais militares do estado. Durante sua campanha de 2022, Tarcísio afirmou com convicção que retiraria as câmeras dos uniformes dos PMs, mas, após uma revisão de sua postura, ele voltou atrás e anunciou que o programa de uso das câmeras será mantido e ampliado.

O governador argumentou que os dispositivos são “instrumentos de proteção tanto para a sociedade quanto para o policial” e que, além de manter a tecnologia, ele pretende implementá-la de maneira mais eficiente. Entre as mudanças discutidas está a ativação remota das câmeras, que passariam a ser acionadas automaticamente sempre que os policiais entrassem em ação. A proposta é também permitir o acionamento das câmeras por bluetooth, para facilitar a coordenação durante operações com múltiplos policiais.

Além da questão das câmeras, Tarcísio foi questionado sobre a permanência do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, em meio à crescente onda de violência policial no estado. Diversos incidentes envolvendo abusos de poder por parte de PMs, como o caso de um policial que jogou um homem de uma ponte no domingo, 1º, geraram críticas à gestão de Derrite.

No entanto, o governador se posicionou favoravelmente à continuidade do secretário, destacando-o como um “estudioso” da área e defendendo que, em momentos de crise, “não é hora de fazer mudanças”. Tarcísio ainda enfatizou que seu foco será garantir que as diretrizes do governo cheguem com clareza à base policial, apontando que “cabe a mim fazer essa comunicação de forma eficaz”.

O apoio a Derrite ocorre no contexto de uma série de incidentes violentos envolvendo a Polícia Militar. No caso da ponte, o soldado responsável por arremessar o entregador de 25 anos foi identificado como Luan Felipe Alves Pereira, de 29 anos. Este PM, que atua no batalhão de Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), já tinha sido indiciado por homicídio em 2023, após matar um homem com 12 tiros em Diadema.

PM que jogou homem de ponte é soldado Luan Felipe Alves Pereira | Foto: Reprodução

Embora o caso tenha sido arquivado pela Justiça em janeiro deste ano, com a alegação de legítima defesa do policial, o episódio voltou a ganhar atenção após o vídeo da ponte viralizar. A Corregedoria da PM de São Paulo pediu a prisão preventiva de Pereira, e o caso está sendo investigado pela Justiça Militar. Ao todo, 13 policiais estão afastados enquanto as apurações continuam.

Esse episódio faz parte de um aumento significativo na violência policial no estado. Até setembro de 2024, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) registrou 580 mortes causadas por agentes de segurança pública, o maior número desde 2020, quando o uso de câmeras corporais foi introduzido pela PM. O número de mortes provocadas pela PM em 2024 já ultrapassou 500, o que alimenta o debate sobre a necessidade de reformas e maior controle sobre os procedimentos de segurança pública.

A morte de Marco Acosta, estudante de medicina baleado por um PM em novembro, e o caso do menino de 4 anos morto durante uma operação em Santos, em novembro também se somam ao crescente número de mortes envolvendo a polícia. Em resposta à pressão, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu investigações sobre os recentes abusos, incluindo o caso da ponte.

O Gaesp (Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública) também recomendou à PM uma revisão nos protocolos de abordagem, com o objetivo de reduzir a letalidade e evitar abusos. Entre as recomendações está a intensificação do uso de câmeras corporais durante todas as operações, além de cursos de reciclagem para os policiais sobre as normas de abordagem.

Essas mortes e os episódios de violência trazem à tona uma série de questões sobre o funcionamento e a conduta da Polícia Militar, bem como sobre o relacionamento da corporação com a população. A pressão sobre o governo de Tarcísio tem aumentado, e a relação com a PM está no centro do debate. As denúncias de abusos e a alta letalidade policial apontam para uma necessidade urgente de mudanças estruturais dentro da corporação, incluindo o fortalecimento de mecanismos de fiscalização e transparência.

A insistência do governador em manter o secretário Derrite à frente da segurança pública pode ser vista como uma tentativa de estabilidade, mas também levanta questões sobre até que ponto a atual gestão está sendo eficaz na redução da violência policial. O uso das câmeras, as mudanças nos procedimentos de abordagem e as recomendações do Ministério Público são passos importantes, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para restaurar a confiança pública nas instituições de segurança em São Paulo.

Enquanto isso, os números de mortes provocadas pela polícia continuam a crescer, e a sociedade paulista aguarda respostas mais contundentes e mudanças reais na segurança pública.