Ministro da Saúde anunciou que o SUS deve oferecer testes que mostram risco de bebê nascer com doença genética. A médica geneticista Thaís Teixeira explica

Em agosto, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, anunciou que o Sistema Único de Saúde (SUS) pode oferecer um exame “pré-nupcial” aos casais que quiserem saber se há maior risco de gerarem um bebê com alguma doença genética.

Em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, o ministro adiantou que os testes que analisam ainda outras condições de saúde dos futuros pais, como a presença de problemas crônicos, podem ficar disponíveis para a população.

Ainda não há previsão para quando os exames estarão disponíveis e nem detalhamento sobre quem poderá fazê-los, mas o Jornal Opção entrevistou a médica geneticista Thaís Teixeira para entender o benefícios deles. “O casal poderá se programar melhor em relação aos futuros filhos”, disse.

Segunda ela, “na rede privada esses testes estão disponíveis em vários laboratórios e o preço varia muito, podendo chegar até a 8 mil reais”. De acordo com a geneticista, porém, o SUS não está preparado para atender essa demanda.

Leia a entrevista completa:

Matheus Monteiro — Qual o benefício de ofertar estes testes para a população?
A medicina vem evoluindo, ao se fazer um teste “pré-nupcial” será possível determinar se o casal avaliado tem um risco aumentado para ter filhos com alguma doença genética e o casal poderá se programar melhor em relação a futuros filhos.

Matheus Monteiro — Você, como geneticista, apoia a realização destes testes pelo SUS?
A genética é uma área da medicina que vem evoluindo muito e que é muito pouco explorada no SUS, o aumento da oferta de exames genéticos é muito bem vindo, porém isso não deve ser feito indiscriminadamente. É importante que além do exame seja oferecido um aconselhamento genético pré e pós teste, com profissional capacitado, e opções de escolha para seguimento desse casal.

Matheus Monteiro — Como eles funcionam?
Os exames genéticos variam muito de laboratório para laboratório. O ser humano possui mais de 20 mil genes no corpo e esses genes podem ser avaliados através de painéis. Um exame é chamado de painel quando consegue analisar mais de um gene. Cada laboratório pode escolher quais e quantos genes quer colocar no seu painel.

O DNA também pode ser avaliado através de cariótipo, no qual é possível avaliar a quantidade e disponibilidade dos cromossomos nas nossas células.

Não foi dito qual exatamente seria o exame realizado. Mas provavelmente o que foi proposto é a realização de painéis para avaliar as doenças recessivas mais prevalentes na população brasileira.

Médica geneticista Thaís Bonfim Teixeira

O nosso material genético é formado por 2 cópias, uma herdada do pai e outra da mãe, algumas doenças só se manifestam quando essas 2 cópias estão alteradas (homozigose). O que acontece é que pessoas com mutação em apenas uma dessas cópias (heterozigose) não apresenta sintomas e não é possível saber que é portador da mutação até que se faça um teste genético ou que tenha um filho diagnosticado com a doença.

Se na formação do embrião ele receber uma cópia alterada do pai e uma da mãe ele terá então a apresentação clínica da doença.
Então o objetivo do exame é avaliar se esse casal possui uma mutação no mesmo gene, o que levaria a um risco de 25% do filho ter a doença.

Matheus Monteiro — Esses testes são direcionados para identificação de quais doenças?Doenças autossômicas recessivas: as duas cópias do DNA devem estar alteradas (mutadas) para que a pessoa desenvolva a doença.

Doenças ligadas ao X: a mulher possui dois X e o homem um X e um Y, doenças recessivas ligadas ao X acontecem quando a mãe possui um dos X alterado, quando esse X alterado é transferido para uma filha ela será portadora da mutação e não terá a doença, quando é transferido para um filho esse não possui outro X, ele recebe o Y do pai, então ele terá a doença por não ter nenhuma cópia sem a alteração. Essas doenças também são passíveis de serem detectadas pelo teste “pré-nupcial”.

Se for realizado o cariótipo do casal é possível avaliar translocações balanceadas, que se caracteriza por uma desordem estrutural nos cromossomos, a pessoa não apresenta sintomas pois possui a quantidade normal de material genético, porém na formação dos gametas essa desordem pode causar uma divisão errada da quantidade de material genético, levando a um risco aumentado de abortamentos e/ou filhos com malformação.

Matheus Monteiro: Qual o valor desses testes na rede privada?

Na rede privada esses testes estão disponíveis em vários laboratórios e o preço varia muito, podendo chegar até a 8 mil reais. As doenças avaliadas também variam muito de laboratório para laboratório, é muito importante que o paciente passe por um aconselhamento genético para definir quais os genes devem ser analisados no teste e assim poder decidir o melhor exame.

Matheus Monteiro — Casais que identificarem alguma doença nesses testes, o que você aconselha? Eles devem evitar a gravidez?
Caso o teste venha alterado é importante informar ao casal qual a probabilidade deles terem um filho com a doença, quais são os sinais e sintomas relacionados, esclarecer as duvidas, por isso, volto a frisar que é muito importante passar com profissional capacitado, pois o resultado do exame não é um simples positivo/negativo, ele traz a descrição da mutação e na maioria das vezes é difícil ser interpretado até por um médico que não tenha experiencia com genética. Após ter todas as dúvidas esclarecidas, o casal poderá decidir melhor sobre a decisão de ter ou não filhos, essa decisão é do casal. O médico pode orientar sobre a possibilidade de uma fertilização in-vitro com pesquisa da mutação no embrião e implantação do embrião que não possui a doença, procedimento esse que não está disponível no SUS e não é ofertado pelos planos de saúde, possui preços muito elevados.

Matheus Monteiro — O exame é mais indicado para que tipo de pessoas? Primos, por exemplo, deveriam fazer o teste obrigatoriamente?
A indicação do exame vai variar muito da cobertura de doenças pesquisadas, mas em geral esse teste é oferecido para casais consanguíneos (que possuem algum parentesco), casais que perderam um filho com suspeita de doença genética sem diagnóstico. Cada caso deve ser analisado individualmente, a história familiar também tem que ser levada em consideração.

Matheus Monteiro — Esses teste afastam todos os eventuais problemas de uma gestação?
Esses testes são passíveis de analisar apenas as doenças causadas por mutações nos genes analisados. Não é possível avaliar doenças que ocorrem por uma mutação nova por exemplo.

Matheus Monteiro —  O SUS está preparado para receber essa demanda?
O SUS não está preparado para atender essa demanda, em Goiás não temos ambulatório para aconselhamento de casal. Além disso o SUS não oferece exames genéticos para detecção de mutação nos pacientes com diagnóstico clínico da doença, então se o casal optar por ter um filho esse só poderá ter o diagnóstico quando ele apresentar sintomas. Uma doença genética com inicio tardio de sintomas, com um diagnóstico genético prévio pode levar ao paciente ter um acompanhamento antes do aparecimento dos sintomas, podendo, em alguns casos, reduzir as complicações.

Matheus Monteiro — O que você acha importante pontuar sobre esses testes?
Em um ambiente ideal seria um casal que deseja ter filhos passar por um aconselhamento genético, fazer o heredograma (árvore genealógica), com isso o médico pode avaliar a necessidade de realização do exame, se for indicado o casal é então orientado sobre os possíveis resultados e limitações do exame. Após realização do exame o casal passa novamente em consulta, e caso o teste tenha alguma alteração é informado então quais os riscos para se ter um filho com a doença, quais os sintomas da doença, quais as formas de prevenção e tratamento. E em caso negativo o casal é novamente orientado sobre as limitações do exame.

Nesse ambiente ideal o casal seria encaminhado então para uma clínica de reprodução humana, onde poderia ser dada as formas de fertilização, como pesquisa da mutação no embrião com implantação do embrião sem a doença, ou receber a doação de óvulo ou espermatozoide.

O casal pode ter a opção pela adoção ou se optar por ter um filho de forma natural esse deveria ter seu diagnóstico feito logo ao nascimento (em alguns casos é possível ser feito o diagnóstico ainda intra-útero) e essa criança ser encaminhada aos especialistas necessário para ter o menor índice de complicações.