Decisão anterior sobre trabalho externo pode influenciar presos do mensalão
18 maio 2014 às 14h51
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Uma decisão tomada pelos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 flexibilizou a fiscalização de trabalho externo a um condenado por estupro e atentado violento ao pudor. Na ocasião, os ministros concederam o benefício para que o condenado trabalhasse como autônomo, executando serviços de eletricista, mesmo não tendo como comprovar local e horário de trabalho.
Os ministros julgaram um habeas corpus em favor de Fernando Ribeiro, condenado a 25 anos de prisão. Ele iniciou o cumprimento da pena em 2004 e progrediu para o regime semiaberto em 2009. Mesmo preenchendo os critérios definidos pela lei, a Justiça do Rio Grande do Sul rejeitou a concessão do trabalho externo, por entender que Fernando não tinha como apresentar de relatórios de frequência e de desempenho.
Seguindo o voto ministro Ricardo Lewandowski, relator do habeas corpus, Gilmar Mendes e o ministro aposentado Ayres Britto concederam o pedido para que condenado pudesse exercer as funções de eletricista autônomo, apresentando notas fiscais dos trabalhos prestados. Fernando abriu uma pequena empresa para oferecer os serviços.
O entendimento da Segunda Turma do STF diverge das decisões do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, no que diz respeito à fiscalização do trabalho externo dos condenados na Ação Penal 470, o processo do mensalão. Além de entender que os condenados devem cumprir um sexto da pena para deixarem o presídio durante o dia para trabalhar, Barbosa cassou a concessão dos benefícios, autorizados pela Vara de Execução Penal, por entender que os empregadores não são capazes de fiscalizar as atividades.
Na semana passada, o primeiro condenado a ter o benefício externo suspenso foi o ex-deputado Romeu Queiroz. O presidente da Corte entendeu que ele não pode trabalhar na sua própria empresa, onde a fiscalização não pode ser “executada com eficiência e impessoalidade”.
No caso do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, Barbosa cassou a proposta de emprego na Central Única dos Trabalhadores (CUT) por entender que “não se sabe os requisitos para o controle da produtividade” nem registro de frequência e jornada de trabalho.
A CUT discorda das argumentações de Barbosa e defende que a proposta de trabalho cumpre todas as exigências legais, como o controle das atividades. “A CUT protocolou na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal todas as folhas de frequência do sr. Delúbio Soares, que são comuns a todos os funcionários da CUT, de acordo com o Item 4 do Termo de Compromisso do Empregador e prestou todas as informações solicitadas pela VEP [Vara de Execuções Penais], inclusive durante as visitas regulamentares de fiscalização do Poder Público em nossa sede. A CUT sempre esteve e estará à disposição da fiscalização das autoridades competentes”, declarou a entidade.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu nem chegou a deixar o Presídio da Papuda em Brasília para trabalhar no escritório de advocacia de José Gerardo Grossi. “O proponente do emprego, por ser advogado, não permanece no interior do escritório durante todo o período de trabalho que deverá ser executado pelo condenado, o que evidentemente inviabiliza a fiscalização do cumprimento das normas, que é da essência do cumprimento de uma sentença criminal”, decidiu Barbosa.
O advogado de Dirceu, José Luis Oliveira, recorreu na sexta-feira (16) ao plenário do STF e disse que o fato de o trabalho ser em um escritório de advocacia não impede a fiscalização do juiz da Vara de Execuções Penais (VEP). Segundo a defesa, a própria VEP e a Procuradoria-Geral da República (PGR) haviam dado aval para o trabalho externo de Dirceu. “Não se trata evidentemente de um trabalho de fachada ou de uma suposta troca de favores. Não há espaço para opiniões pessoais em decisões judiciais, principalmente quando não se encontram respaldadas em qualquer elemento dos autos”, acrescentou o advogado.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF), Ibaneis Rocha, também discorda da decisão de Barbosa, por entender que a medida afronta o princípio da ressocialização do preso. Como presidente também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Barbosa deveria incentivar a contratação de condenados em regime semiaberto para que, efetivamente, tenham a chance de voltar à sociedade “pela porta da frente”.
De acordo com a Lei de Execução Penal, a concessão do trabalho externo deve seguir requisitos objetivos e subjetivos. A parte objetiva da lei diz que o condenado deve cumprir um sexto da pena para ter direito ao benefício. “A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 [um sexto] da pena”, informa o Artigo 37.
Porém, a defesa dos condenados no processo do mensalão alega que o Artigo 35 do Código Penal não exige que o condenado a regime inicial semiaberto cumpra um sexto da pena para ter direito ao trabalho externo.
Desde 1999, após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os juízes das varas de Execução Penal passaram a autorizar o trabalho externo ainda que os presos não cumpram o tempo mínimo de um sexto da pena para ter direito ao benefício. De acordo com a decisão, presentes os requisitos subjetivos, como disciplina e responsabilidade, o pedido de trabalho externo não pode ser rejeitado. No entanto, Joaquim Barbosa afirma que o entendimento do STJ não vale para condenações em regime inicial semiaberto. Para justificar a aplicação integral do Artigo 37, Barbosa cita decisões semelhantes aprovadas em 1995 e em 2006, no plenário da Corte.
A controvérsia será resolvida somente quando o plenário da Corte julgar o recurso impetrado pela defesa de Dirceu. A data do julgamento depende da liberação do voto de Barbosa.