Sindicato consegue autorização para importar vacinas contra a Covid-19; saiba sobre a constitucionalidade dessas liminares
06 abril 2021 às 16h01
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“Vão surgir outras ações com a finalidade de conceder o direito de importar vacinas, até que haja uma decisão definitiva do órgão superior, que é o STF”, explica o advogado Clodoaldo Moreira
Foi autorizada, nesta terça feira, a compra de doses da vacina contra a Covid-19, pelo Sindicato dos Empregados no Comércio de Campinas, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O objetivo da compra é imunizar os comerciários e seus familiares. A decisão é do desembargador Johonsom Di Salvo, e ainda cabe recurso.
A expectativa do sindicato é importar cerca de 500 mil doses, com a intensão de imunizar os 80 mil comerciários e suas respectivas famílias. O excedente seria doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Ainda não negociamos com nenhum fabricante. Vamos começar a fazer isso hoje mesmo. Tínhamos uma preferência de adquirir as vacinas da Jansen, que precisam de apenas uma dose, mas eles já afirmaram que não venderão para particulares”, afirmou Renato Bertani, diretor de relações institucionais do sindicato.
Na última semana, a Justiça Federal, através do juiz da 21ª Vara Federal em Brasília, Rolando Spanholo, já havia autorizado a refinaria Refit, antiga Manguinhos, a importar 6,6 mil doses do imunizante contra a Covid-19, para vacinar os funcionários da empresa e seus familiares. Com a autorização, a refinaria Refit passou a ser a primeira empresa no Rio de Janeiro a conseguir a poder adquirir a vacina. Em cenário nacional, entretanto, outras sete empresas já tinham sido autorizadas, também pelo juiz Rolando Spanholo, a comprarem doses das vacinas para imunização contra o novo coronavírus.
Judicialização da vacina contra a Covid-19
A aquisição dos imunizantes por empresas privadas privado está prevista no artigo 2˚ da Lei 14.125/2021, que foi sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 10 de março. Segundo a lei, a compra pode ocorrer, desde que respeitada a legislação, que determina que todas as doses adquiridas antes da finalização da imunização dos grupos prioritários devem ser doadas para o Plano Nacional de Imunização (PNI). Somente após a vacinação dos grupos prioritários é que as empresas podem adquirir as vacinas, com a doação de 50% delas para o PNI e utilização dos demais de forma gratuita.
Entretanto, tais decisões judiciais vêm ocorrendo com o objetivo autorizar a compra de vacinas sem ter de respeitar os requisitos previstos em lei. Algumas dessas liminares vêm, então, autorizando a compra dos imunizantes sem que haja a necessidade de doação de 100% para o SUS, sendo determinada a doação de apenas 50%, e outras no sentido de não se ter obrigatoriedade alguma de doação alguma ao SUS.
Segundo o advogado sanitarista e membro da Comissão de Direito Médico, Sanitário e de Defesa da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), João Paulo Borela, essas liminares que vão contra o estabelecido pelo PNI fundamentam-se no direito previsto no art. 199 da Constituição Federal, que prevê a assistência à saúde como livre à iniciativa privada. “A Constituição diz que não se deve ser privado o direito de aquisição e utilização da totalidade das vacinas adquiridas, sob pena de ferir vários princípios constitucionais, dentre eles o princípio da isonomia e do direito à propriedade”, explica João Paulo.
Com isso, o advogado explica que, de acordo com a legislação, não há impedimento para a aquisição das vacinas por parte da iniciativa privada. “A discussão baseia-se de maneira mais específica na necessidade da doação da totalidade, de cota-parte ou de nenhuma parte das vacinas para o PNI”, acrescenta.
Brecha para demais autorizações
O advogado e membro consultor da Comissão de Estudos de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Clodoaldo Moreira, acredita que até que haja um posicionamento oficial do Supremo Tribunal Federal (STF), tais liminares continuarão abrindo brecha para novos pedidos de autorização. “Vão surgir outras ações com a finalidade de conceder o direito de importar vacinas, até que haja uma decisão definitiva do órgão superior, que é o STF. Até lá, é possível que haja decisões sejam favoráveis e não favoráveis a compra e não favoráveis”, esclarece. A previsão do advogado, é que em breve tal posicionamento ocorra.
O advogado João Paulo menciona demais processos que vêm ocorrendo com o objetivo de alcançar a liminar. Dentre eles, os movidos pela Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo (ABRARE), pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (SINDPESP), pelo Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (S9NDALEMG), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Sociedades Coorporativas do Estado de Minas Gerais (SINTRACOOP), pela Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (FETRAM), pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Ribeirão Preto e Região (SEEB-RO), pela Oregon Administradora de Shoppings Centers e pelo Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédico-DF).
Intervenção do Poder Judiciário
Apesar das liminares, o advogado sanitarista, entretanto, acredita que a intervenção do referido Poder Judiciário junto ao Plano Nacional de Imunizações só é cabível quando e se o PNI possuir em seu texto, ações e omissões que vão contra princípios constitucionais que permeiam, como por exemplo, o direito à vida, à saúde, à informação, à publicidade da Administração Pública, dentre outros. “O Poder Judiciário é o guardião da Constituição, com a finalidade de preservar, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os demais tornariam-se vazios”, diz.
Como exemplo, João Paulo cita a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a definião dos grupos prioritários para vacinação. A decisão, que teve como relator o Ministro Ricardo Lewandowski, determinou que o Governo Federal divulgasse, no prazo de 5 dias, a ordem de preferência entre os grupos prioritários.
“Essa interferência ocorreu com base na omissão presente no Plano Nacional de Imunização inicialmente divulgado pelo Governo Federal, pois sem que se esclarecesse essa questão, traria o perigo de comprometimento do dever constitucional do Estado de proteger a vida e a saúde da população, uma vez que a quantidade de vacinas disponíveis em solo nacional é muito inferior ao número das pessoas que foram incluídas como prioritárias (cerca de setenta e sete milhões de pessoas). Sem contar que caso não fosse bem especificado a ordem de prioridade, o PNI abriria brechas para injustiças, como a vacinação de profissionais de saúde que não estavam na linha de frente do combate à pandemia em detrimento aos que estavam”, opina do advogado.