Doutora Jacqueline Bezerra Cunha relata, em carta, que passou a desempenhar funções subalternas na Educação do município, sendo alvo de intrigas e chacotas

Uma funcionária concursada pela Secretaria Municipal de Educação (SME), e lotada no Centro de Formação de Professores da capital, denunciou ao Jornal Opção, nesta semana, casos de assédio moral na administração do município.

Na carta enviada à reportagem, em tom de desabafo, Jacqueline Bezerra Cunha conta que começou a trabalhar no local no início do ano de 2016  para poder colocar a serviço dos professores da rede municipal os conhecimentos adquiridos no curso de Pedagogia, em quatro especializações, mestrado e doutorado.

Segundo o relato, entretanto, apesar da alta qualificação, a funcionária teria passado a desempenhar funções subalternas, sendo alvo de intrigas, vaidades e maldades, que não teriam cessado com o início da nova gestão.

“Não podia mais entrar em sala, nem para assistir aula, e continuava a não ser convidada para participar de nenhuma reunião. […] Eu cumpria meu horário fazendo leituras e observando os comportamentos ao meu redor. Por diversas vezes, eu expressei o que sentia, mas foi em vão”, relata Jacqueline na carta.

O Jornal Opção entrou em contato com a assessoria de comunicação da SME no início da tarde desta terça-feira (14/3) para se pronunciar sobre o caso, mas, até a publicação desta matéria, não obteve retorno. Confira abaixo a carta de Jacqueline Bezerra Cunha na íntegra:

Assédio moral no Centro de Formação de Professores

Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço.

Ao retornar da minha licença para fazer doutorado no início do ano passado, a Secretária de Educação de Goiânia solicitou-me que fosse lotada no Centro de Formação de Professores, para poder colocar a serviço dos professores os conhecimentos adquiridos no curso de Pedagogia, nas quatro Especializações, no Mestrado, no Doutorado todos em Educação e os longos anos de experiência com formação de professores. Minha experiência levou-me até a ser convidada pelo Unicef a ministrar formação para formadores de professores no Timor Leste.

Fiquei muito contente com o convite feito da secretária e fui prontamente apresentar-me, pois já sentia saudade de sala de aula. A Gerente recebeu-me da maneira extremamente gentil, acompanhou-me de sala em sala apresentando-me a todos com um largo sorriso no rosto. Posteriormente solicitou que eu ficasse prestando serviço no núcleo dos ciclos.

Fui conversar com a coordenadora do núcleo e na minha empolgação, falei sobre o quanto estava feliz em poder trabalhar com o ciclo. Contei que havia trabalhado na implantação da organização de ciclos na Bahia. Defendi a organização dos ciclos por respeitar os ritmos de desenvolvimento biológico e cognitivo de cada criança. No auge de minha empolgação eu disse que em contradição ao modelo do ciclo, o Governo Federal havia criado o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, que já informa em seu nome a concepção tradicional de homogeneização do processo ensino-aprendizagem. Somente alguns meses depois descobri que ela além de ser coordenadora do ciclo era também, do PNAIC.

No dia seguinte, a coordenadora do Centro de Formação solicitou-me que acompanhasse as formações que estavam sendo ministradas para diretores das Escolas e CMEIS e fizesse um relatório. Senti-me frustrada, mas pensei que de certa forma seria interessante conhecer um pouco mais da Rede Municipal de Educação. Entretanto, notei claramente que o objetivo era apenas de manter-me ocupada, tratando-me como uma estagiária.

Tristemente, eu passei a ser excluída a cada dia mais, observa os sorrisos sarcásticos. Eu tentava abstrair, fazia de conta que não notava o que estava acontecendo. Como eu trabalhava somente no período da manhã, pois no período da tarde e noite trabalho na assessoria da Secretária de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás. Cumpria o meu horário contado os segundos para ir embora daquele local. Eu compreendia que o fato de trabalhar no gabinete da Secretária também era um dos motivadores dessa exclusão.

Na minha situação de exclusão eu observava e ouvia, silenciosamente, a repetição de mantras como: “movimento” que era usada a cada frase de maneira aleatória, “de que lugar eu falo”, “de que lugar eu venho”, “histórico cultural”, “dialético”, “inclusão”, ornamentando os discursos fabricados, repletos de frases decoradas.

Um dia às 7 horas, assim que cheguei no Centro de Formação a coordenadora determinou: “Hoje nós vamos fazer um movimento diferente. Você vai ficar na porta da sala acompanhado os diretores fazerem o registro de suas frequências”. Eu respondi que não me prestaria a fazer o papel de bedel. Tal atitude era um desrespeito comigo e demonstrava que não confiava na honestidade dos diretores nem para assinar a presença.

A partir de então, já não podia mais entrar em sala, nem para assistir aula e continuava a não ser convidada para participar de nenhuma reunião. A gerente e o diretor pedagógico sabiam o que estava ocorrendo, mas pediam para eu ter paciência e tentar ignorar a fogueira de intrigas, vaidades e maldades. Eu cumpria o meu horário fazendo leituras e observando os comportamentos ao meu redor. Por diversas vezes eu expressei o que sentia, mas foi em vão.

Notei que os cursos restringiam-se a “levar os cursistas a refletirem sobre a sua prática”, para “desfazer os nós”. Eu defendia que a formação de professores em exercício deve ir além de dizer o que fazer e passar a trabalhar também, o como fazer. Mas era em vão, eu ouvia como respostas que não estavam ali para “dar receita de bolo”. E assim, como mera espectadora, eu assistia os cursos iniciarem com salas cheias e terminarem com salas vazias.

Durante esse ano de exclusão no Centro de Formação, fiz o lançamento de meu livro na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Fiz comunicação e lancei o meu livro no X Encontro do Fórum Internacional Paulo Freire, no Chile. Representei o Brasil no Tercero Congreso Internacional Escuelas Nuevas, na Colômbia. Ministrei palestra na Comissão de Educação da Câmara Federal. Lancei livro em Brasília e no Palácio das Esmeraldas, e demais palestras ministradas em Universidades. Mas quanto mais reconhecimento externo, mais aumentava a exclusão interna.

No início desse ano, quando a nova gestão assumiu a Secretaria Municipal de Educação, fiquei imensamente feliz, pois acreditei que o meu calvário chegara ao final. Durante dois meses seguidos eu ouvi as chacotas que faziam a respeito da nova gestão, contado os dias para a chegada da nova ou do novo gerente. Finalmente a nova gerente chegou! Mas qual não foi a minha decepção, ao notar que a nova gerente já adentrou o Centro de Formação de Professores de braços dados com os meus algozes, contaminada com os seus venenos e disposta a manter “tudo como era dantes no quartel de Abrantes”.

Jacqueline Bezerra Cunha