Sertão Sem Fim e a infinitude de Bariani Ortêncio

22 agosto 2025 às 15h46

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Abílio Wolney Aires Neto
Especial para o Jornal Opção
Waldomiro Bariani Ortêncio (1923-2023), natural de Igarapava (SP), construiu trajetória literária e cultural marcante em Goiânia, sua cidade de criação¹. Seu trabalho multifacetado acolheu a literatura, folclore, educação e música, revelando profunda conexão com a linguagem e a cultura regional. Autor de mais de 50 títulos, recebeu diversas honrarias como o doutorado honoris causa da UFG e prêmios literários de peso².
Publicada originalmente em 1965 pela Livraria São José (Rio de Janeiro), Sertão Sem Fim foi revisitada em edições posteriores pela UFG (2000, 2011)³. A coletânea reúne doze contos que mapeiam um sertão simbólico e interminável — um sertão que é território, memória, sensorialidade e presença imortalizada em palavras.
Em uma das passagens, Ortêncio evoca o aroma inconfundível do cerrado:
“Na panela de barro, refogava um arrozinho com pequi bem carnudo, apanhado ali mesmo, em frente, no cerrado. A panela chiou alto e pela casa toda rescendeu aquele cheiro gostoso de pequi”⁴.
Outro fragmento, impregnado de observação poética e naturalista, apresenta a serenidade da paisagem sertaneja à noite:
“A lua é amarela… carícia de vento manso… ronco surdo de cachoeira… Paz selvagem”⁵.
Patrícia Perez Pinheiro Costa, ao comentar essa ambientação, ressalta que o sertão de Ortêncio possui “temporalidade própria e geograficamente ilimitado”, com sertanejos que não se reduzem a estereótipos (“Jeca Tatu”), mas que carregam sabedoria legítima e dignidade honesta⁶. No site Skoob, o estilo narrativo também é destacado pela forte oralidade e tom cronístico, características que imprimem ritmo e verossimilhança ao texto⁷.

Comparando com a literatura regionalista, Bariani Ortêncio compartilha com autores como Graciliano Ramos e Guimarães Rosa a dimensão simbólica do sertão. Graciliano Ramos, em Vidas Secas, traz personagens esmagados pelo meio ambiente, mas auxiliados por uma prosa seca e despojada que denuncia desigualdades. Já Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, mergulha na linguagem sertaneja como instrumento de mundo e reflexão.
Ortêncio, embora menos universalmente conhecido, atua de modo complementar: sua escrita não denuncia com aspereza nem reflete com denso lirismo; ela acolhe. O sertão de Ortêncio é presença vivida, aromática, latente, com cadência afetiva. É a geografia do cerrado que palpita no arroz com pequi ou no luar plácido. No panorama da literatura regionalista, seu sertão é terno, mas firme — uma “infinitude sensorial”.
Abílio Wolney Aires Neto, escritor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.
Notas
1 — Biografia de Bariani Ortêncio, com trajetória em várias áreas, em WIKIPÉDIA: Waldomiro Bariani Ortêncio – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Waldomiro_Bariani_Ort%C3%AAncio, acesso em: 13 ago. 2025.
2 — Informações sobre homenagens e produções literárias em BAU COMUNICAÇÃO; JORNAL OPÇÃO; CURTAMIAS — disponíveis online, acesso em: 13 ago. 2025.
3 — Informações sobre edições de Sertão Sem Fim na livraria da UFG — disponível em LIVRARIA UFG, acesso em: 13 ago. 2025.
4 — Trecho culinário sensorial com pequi, publicado em DM OPINIÃO — disponível online, acesso em: 13 ago. 2025.
5 — Trecho sensorial da natureza, publicado em DM OPINIÃO — disponível online, acesso em: 13 ago. 2025.
6 — Comentário crítico de Patrícia Perez Pinheiro Costa, via SCRIPTORIUM / Revista Inter-Ação, 2007 — disponível em REVISTAS UFG e Scribd, acesso em: 13 ago. 2025.
7 — Comentário editorial sobre estilo no site Skoob — disponível online, acesso em: 13 ago. 2025.