Senhoras e Senhores, o circo Estoril se despede da cidade
07 outubro 2014 às 18h53
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Em sua última semana de apresentações em Goiânia, os artistas garantem boas gargalhadas de um espetáculo internacional
Yago Rodrigues Alvim
O circo nasceu nos cassinos da então freguesia de Estoril, em Portugal, no ano de 1898 e, por isso, ganhou o nome de suas raízes: Circo Estoril. Seu criador, Albino Portugal, o trouxe para o Brasil depois de perambular por toda a Europa. O navio atracou no porto de Santos, em São Paulo. E, desde então, a família Portugal vive em uma cidade sobre rodas que já viajou até pela a América Latina. Em Goiânia, a parada é até o dia das crianças, 12 de outubro.
As mais de 500 toneladas em equipamentos são transportadas em vinte carretas. Dos quarenta trailers, vêm 156 pessoas, de 25 nacionalidades. São artistas e profissionais que mantêm a arte circense viva. Em dois dias, cerca de trinta homens hasteiam a lona do Estoril: o circo está de pé. Hoje, não é só o nariz vermelho do palhaço ou os 76 artistas que dão vida ao picadeiro. Investimentos e ações criativas são indispensáveis.
A família Portugal sobrevive de seus ingressos, pipoca, doces e refrigerantes e fotografias tiradas enquanto o espetáculo está no ar. De incentivo, apenas o prêmio da Fundação Nacional de Artes (Funarte) garante uma ajuda ao grupo. Nada de investimentos estaduais ou municipais. Segundo os artistas, nem mesmo o secretário da Cultura goiano, o artista plástico Aguinaldo Coelho, cumprimentou os artistas ou administradores da lona — no ano 2000, quando o circo Estoril visitou pela primeira vez a cidade, o então presidente da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel), Nasr Chaul, também não recebeu a turma. Os secretários municipais, tampouco.
Ainda que sem o incentivo governamental, a sétima geração da família Portugal continua se apresentando. O palco, bem como da primeira vez na cidade, está instalado em terreno privado — o do shopping Flamboyant. Com o dinheiro do espetáculo, pagam o aluguel. Há quatro meses, o Estoril apresenta o mesmo show, que tem atrações de diversos países, como o quadro “Águas Dançantes”, que veio da capital francesa, Paris.
Recompensas
Danças, malabarismos, tecido, ilusionismos da mágica Daniela Portugal, os incríveis oitenta bambolês da recordista mundial Richelly Alves e seus contorcionismos, os campões mundiais no globo da morte com seis motos, além, é claro, do palhaço Batatinha trazem
às noites, de terça a domingo, encantos ao público. “O riso das crianças é a maior recompensa”, conta Margareth Pereira da Costa. Ela é irmã de Nivaldo Costa, que administra o circo. “Eu vim passear, tomei água e fiquei.” A frase é uma máxima circense. Com ela, a saudade aparece. Depois dos goles, a família se torna a Portugal. Os membros do circo passam o ano todo juntos, perambulando e se apresentando em diversas cidades. Em dezembro, tiram férias para as festividades de Natal e Ano Novo. Alugam um sítio, guardam o circo, e partem cada um para seu canto do Brasil, visitando parentes e amigos. “Voltamos renovados”, diz.
A vida na estrada também é solução. Margareth se resigna de dias costumeiros. Quando a rotina começa a aparecer, conta ela, “arriamos a lona e caímos, outra vez, na estrada”. E o riso da criançada não só ameniza a saudade que vem dos parentes e amigos que estão longe, como é a maior propaganda do Estoril. Ainda que com uma equipe de divulgação, comerciais em TV e jornais, o gosto pelo espetáculo passado boca a boca é o principal meio de promoção. “Goiânia é uma cidade cara. A mídia, o terreno, as coisas são caras. O melhor meio de propaganda do espetáculo é pelo boca a boca. Uma pessoa assiste, gosta e recomenda para um amigo, dois ou mais”, comenta.
E é por esse público que artistas e envolvidos continuam com a tradição circense. É por ele que topam relacionamentos de 24 horas por dia, sete vezes por semana, e ensaios diários. Por ele, vivem do inesperado em casas ciganas. É por esse público que, durante uma hora e meia, se esquece do mundo, da vida lá fora e se vê livre, ainda que preso na arte do picadeiro. Como explica Nivaldo, é por isso que os artistas vivem essa arte milenar, passada de geração em geração.
E para viver assim, um sistema de logística entra em cena. Em cada cidade que chegam, eles precisam lidar com a burocracia que pede espaço. Todos atuam com carteira assinada. É um trabalho que disponibiliza seguro de vida, planos de saúde e odontológico, dentre outros benefícios. Com o Tratado de Assunção, de 1991, a burocracia entre alguns países vizinhos foi reduzida e este é um ponto positivo destacado por Nivaldo. E são nas viagens, por todo o mundo, que a família cresce: “Nós costumamos visitar os maiores festivais circenses, seja em Monte Carlo, Barcelona, Madri, Tóquio ou Las Vegas. Assim, nós convidamos um artista aqui, outro ali e formamos nossa trupe”.
Os bichos não fazem parte da trupe. Ainda que no Brasil não seja proibido números com animais, o Estoril optou por não ter uma atração sequer com animais. “A opção é porque a imagem do animal no circo é negativa. Faz uma propaganda negativa”, diz. Segundo ele, uma lei está em tramitação no Senado, mas não foi aprovada. Em alguns Estados e municípios, existem legislações, mas não em nível federal.
A trupe já se apresentou em mais de 600 cidades, 50 países e foi aplaudida por mais de 80 milhões de espectadores. Entretanto, o preconceito corre com a fala “ah, é circo”. Por isso, a tentativa é levar um espetáculo diferente que rompa com esse dessabor, como diz Nivaldo, não só pela arte circense, e sim por qualquer arte que seja. Um jeito é misturar pipoca, refrigerante, sorvete, maça do amor, espetinho de brigadeiro, fotografia, brinquedos com todas as cores da lona. E, assim, encontrar o sorriso que dá vida à memória de mais de um século. Por isso, senhoras e senhores, é bom correr, antes que a trupe caia na estrada levando, com ela, a alegria do circo Estoril.
Serviço:
Terça a sexta às 20:30h
Sábados às 18:00h e 20:30h
Domingos e feriados às 15:30h, 18:00h e 20:30h
R$ 40 a inteira e R$ 20 a meia entrada