Segurança, preconceito e autonomia: o cotidiano das mulheres motoristas de aplicativos em Goiânia

07 outubro 2025 às 13h16

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O serviço de transporte por aplicativo tornou-se uma opção essencial pela praticidade de diminuir o tempo de deslocamento e espera pelo transporte público. Nas cidades metropolitanas com a chegada dos aplicativos de mobilidade urbana, desde a criação da empresa Uber, em 2009, em São Francisco, nos Estados Unidos o cenário tem se configurado em uma presença forte de mulheres na condução de passageiros.
O Jornal Opção foi ouvir algumas mulheres em Goiânia-GO para buscar um retrato desta realidade por aqui também. Dentre os principais desafios, o maior é a segurança. O medo de assédio, assaltos e exposição a situações de risco são preocupações constantes para as motoristas, especialmente, à noite. Em contrapartida, os maiores benefício na visão das quatro entrevistas estão em poder conciliar o trabalho com a maternidade e também o fato de obterem mais autonomia financeira.
O uber divulgou no site oficial da empresa um estudo recente feito pela Oxford Economics onde revela o impacto significativo do crescimento e acesso aos aplicativos de transporte para as mulheres no Brasil. A pesquisa apresenta que a melhoria das opções de transporte — com ênfase na segurança e confiabilidade que os aplicativos de transporte oferecem às mulheres —, podem ajudar a diminuir as barreiras específicas de gênero.
Não é o que apresenta a pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) As relações de gênero no contexto socioeconômico e cultural brasileiro: estudo com mulheres motoristas de aplicativos de mobilidade urbana, feita por Ana Paula de Oliveira e Marlene Catarina de Oliveira. As pesquisadoras entrevistaram 11 mulheres motoristas de aplicativos de transporte, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Na análise da pesquisa, observou-se um ambiente de trabalho masculinizado e de uma cultura patriarcal e machista. Questões que de certa forma revelou-se como obstáculos para a atuação profissional delas.
A motorista por aplicativo, Ângela Carvalho, de 46 anos está trabalhando com a plataforma há 9 meses, anteriormente, era cabelereira. É natural de Coronel Fabriciano-MG e mora em Goiânia há 13 anos. É casada com Clédison há 27 anos e juntos tem três filhos: Túlio (20 anos), Tálio (16) e Ester (15). A decisão por começar a trabalhar na área surgiu por uma necessidade de ter que conciliar o tempo, com os afazeres de mulher, mãe e filha.

Os pais de Ângela adoeceram. O pai José Ramos, é cardiopata, trata de uma demência. A mãe, Creuza também tem problemas cardíacos, desenvolveu neuropatia – após covid. Como filha única levou os dois para morarem com ela e a família. Desde então, acompanha eles em todas as consultas, exames e cirurgias.
“O meu dia de serviço inicia às 7h, porque sou polivalente cuido de muitas coisas: da casa, dos filhos [levo os meus filhos no colégio] – daí a partir de então, eu começo a minha rotina na Uber. Trabalho até por volta de 12h30 e volto para buscar os meus filhos na escola. Vou pra casa, dou almoço, ajeito alguma coisa. Faço algo que às vezes preciso fazer na rua. Pauso no período da tarde. E, retorno às 18h parando só às 22h”, detalha a motorista.
Sobre a renda, disse que ajuda um pouco – mas, não resolve todas as despesas. Até mesmo porque o combustível está caro e a manutenção do carro é dispendiosa. “A vantagem é que hoje não tenho mais tempo de trabalhar em outra categoria, pelo menos na Uber eu consigo conciliar a minha rotina diária”, explica.
Sobre passageiros, explica que tenta filtrar ao máximo. Dependendo do horário ou da região, só carrega mulheres. A motorista, Rosimeire Pereira, precisou ser mais radical. Mesmo atuando no aplicativo há pouco mais de um mês, precisou fazer a escolha de só trafegar com mulheres. Não aguentou as piadas e cantadas de mal gosto, que sofriam por parte de alguns passageiros.
“Minha perspectiva é a seguinte: acabei de financiar o carro e pretendo quitá-lo. A Uber pra mim é provisório. Eu decretei isso, coloquei na presença de Deus. Eu não quero continuar, entendeu? Acho que a gente tem que ir mais além. Não que ser motorista por aplicativo não seja uma profissão. Mas, aqui de fato é para ganhar um extra”, explica.

Rosimeire Pereira, tem 49 anos, é natural de Goiânia. Voltou recentemente de Portugal onde morou por um ano, antes tinha morado quase dois anos, na Bélgica. Ela precisou voltar para o Brasil, por questões familiares. A motorista por aplicativo, concluiu o ensino médio e, anteriormente, tinha trabalhado como manicure, por 15 anos.
Hoje a rotina dela tem sido de 12 horas de trabalho ao dia. “Acordo 5h20, tomo meu banho, o meu café, às 6h já lavo o meu carro e às 6h20, no máximo, já estou saindo de casa. Às vezes eu nem paro para almoçar, me alimento dentro do carro mesmo e vou até umas 16h30 e dou uma pausa. Às 18h volto e sigo até por volta das 23h”.
A professora, Kleidiane Aparecida Oliveira, de 39 anos é casada e mãe de três filhos: Davi (19), Diogo (18) e Daniel (12). Ela resolveu se tornar motorista por aplicativo dois anos atrás, por acompanhar a rotina do esposo, que já está no ramo há quatro anos. Ela é formada em Letras, Pedagogia e, atualmente, curso a faculdade de Direito. “Exerci a licenciatura por 25 anos, atuando como professora de língua portuguesa e língua inglesa, hoje atuo no ramo imobiliário e na vida de motorista de aplicativo”, explica.

Na visão dela, ter se tornado motorista por aplicativo melhorou a qualidade de vida dela e também na liberdade financeira e de horários. “Para mim é um bom trabalho para mulheres, ao contrário do que muitos acham, pois todos os dias escuto várias perguntas do tipo: ‘é perigoso?’ ou ‘você não tem medo?’ – todas as profissões possuem risco, essa não seria diferente, independentemente de ser homem ou mulher”, enfatiza.
Kleidiane disse ainda que os maiores desafios são o próprio trânsito em si, a falta de educação dos condutores.
“Preconceitos? Enfrento eles mostrando que sou uma boa condutora e dirijo com responsabilidade. Daqui alguns anos não estarei mais exercendo essa profissão, pois estou em processo de formação na área jurídica”, finaliza.
A capixaba, Elizeth de Moura é divorciada e mãe de dois filhos, que hoje já estão casados. Com o ensino médio completo, ela trabalhou por 24 anos como cabeleireira, depois atuou como faxineira e também de camareira. “Eu me separei do pai dos meus filhos e aí resolvi vim para Goiânia e trabalhei em um salão, na Rua 3. Mas ganhava muito pouco”, explica.
Por incentivo de uma amiga começou a trabalhar na Uber. Alugou um carro e começou seis anos e cinco meses atrás. Logo de imediato percebeu, que estava ganhando mais do que no salão. Com isso, decidiu financiar o próprio carro e segue desde então, jornadas de trabalho que variam de 10 à 12 horas ao dia. “Meu dia é muito corrido e cansativo. O transito é muito pesado”, destaca.
“Melhorou muito as minhas finanças. Fiz muitas viagens que tinha vontade de fazer e não fazia, por não ter dinheiro. É um bom trabalho para mulher, porque Goiânia ainda é uma cidade segura”, enfatiza.
Sobre os desafios que também existem nessa profissão, Elizeth afirma que infelizmente ainda enfrenta no dia a dia muitos preconceitos. Discriminações, justamente, por conduzir um carro, sendo mulher. Já foi xingada: ‘lugar de mulher é na cozinha’, ‘velha burra’.

Voltando para a pesquisa da FGV sobre as relações de gênero e mulheres motoristas de aplicativos verificou-se que o medo de violência e assédio são os impedidores para elas permanecerem na profissão. Na análise, e nas entrevistas feitas pelo Jornal Opção em Goiânia é possível correlacionar, que o gênero ainda impacta no exercício da atividade, criando barreiras estruturais a maiores ganhos financeiros (mais horas de corrida) e ao progresso na carreira.
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