É um eterno looping. A história não se cansa de se repetir quando o assunto é a questão palestina. Mais uma vez, um presidente americano, em meio a discursos otimistas, afirma que a guerra na Faixa de Gaza se aproxima do fim devido às suas iniciativas, que, segundo ele, dizem respeito a todo o Oriente Médio. No entanto, o primeiro-ministro de Israel já apontou o que considera cláusulas problemáticas, e o Hamas não está com pressa em cumprir a questão: se render e entregar as armas.

O QUE DIZ O PLANO TRUMP

A nova iniciativa do governo americano traz um pacote recheado de elementos familiares às oito propostas anteriores apresentadas por oito presidentes dos Estados Unidos, que nunca vingaram porque a liderança palestina, ao final das conversas, sempre disse não. Dessa vez, o líder americano expandiu o foco. Ele acredita que poderá encerrar a guerra na Faixa de Gaza, estabelecendo a paz não só entre Israel e os palestinos, mas em todo o Oriente Médio.

Donald Trump e seu time de articuladores acreditam que, desta vez, conseguirão implementar o que já chamam de “acordo histórico”. Mas a história, que sempre se repete, pede cautela e menos entusiasmo quando o assunto é a questão palestina. Algumas cláusulas do futuro acordo não agradam nem “gregos nem troianos”. Pelo menos nesse ponto, os dois lados têm algo em comum.

Primeiramente, a proposta americana exige um cessar-fogo imediato e a libertação dos 48 reféns israelenses em até 48 horas após o início da trégua. Em seguida, o Hamas precisa deixar o poder de governar a Faixa de Gaza e entregar não só os armamentos, mas também todo o aparato de terror que o grupo desenvolveu no enclave, como o sistema de túneis e os lançadores de mísseis Qassam e Katiusha. Militantes do Hamas que se comprometerem com uma “coexistência pacífica” com Israel receberão não só anistia, como poderão deixar a Faixa de Gaza e seguir para onde desejarem; eles também poderão retornar ao enclave num futuro próximo.

O cessar-fogo inicial será temporário e se estenderá de acordo com as garantias que forem colocadas e cumpridas pelo Hamas e vice-versa, até que ocorra a transição definitiva para um acordo permanente. A retirada de Israel do território palestino será gradual, e as futuras conversas deverão indicar os outros estágios de implementação da saída das forças israelenses da Faixa de Gaza.

O plano Trump prevê o estabelecimento de uma administração alternativa na Faixa de Gaza. A reconstrução do enclave será em nível internacional, com a participação de várias nações. Ao contrário dos discursos anteriores do presidente dos Estados Unidos, não haverá retirada em massa da população da Faixa de Gaza; todos os habitantes poderão permanecer durante o processo de reconstrução, que prevê não só educação e saúde, mas também infraestrutura e habitação.

De acordo com o plano, a Autoridade Palestina deverá passar por reformas profundas que fortalecerão suas instituições e garantirão transparência governamental. A governabilidade sobre Gaza só será repassada à AP quando as reformas tiverem efeito na Cisjordânia, o que inclui o fim do programa de pagamento às famílias de terroristas que cometeram crimes contra Israel. Até lá, a Faixa de Gaza estará sob comando de uma administração temporária liderada por especialistas internacionais, sob a supervisão externa dos Estados Unidos.

Um dos principais temas da proposta de Trump para a Faixa de Gaza, a segurança, ficará sob coordenação internacional, e um mecanismo de monitoramento será criado com a participação de países árabes moderados. O plano americano abre caminho para um futuro Estado palestino, condicionado à sua reconstrução e reformas. Também compromete Israel a buscar um horizonte político para futuras conversas que possam levar ao diálogo com os palestinos e à “coexistência pacífica”.

Após a libertação de todos os reféns, Israel deverá libertar 250 palestinos condenados à prisão perpétua por terrorismo contra o Estado judeu, além de 1.700 palestinos presos durante o conflito. Os Estados Unidos serão o mediador central da questão, monitorando de perto a implementação e garantindo que toda a população de Gaza tenha acesso irrestrito à assistência humanitária.

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Ataque de Israel na faixa de Gaza | Foto: Reprodução

AS OBJEÇÕES DE NETANYAHU AO PLANO TRUMP

Benjamin Netanyahu tem sido acusado pelos reféns que foram libertados e pelas famílias dos que continuam cativos na Faixa de Gaza de sabotar todas as propostas de acordo de paz, porque não acredita que a Autoridade Palestina consiga cumprir as reformas internas necessárias para, então, governar a Faixa de Gaza.

O premiê israelense também acredita que o Hamas não aceitará a cláusula que exige a rendição do grupo e seu desarmamento total. Ele ainda se opõe ao retorno de militantes do grupo à Faixa de Gaza após receberem anistia. Netanyahu também não abre mão de anexar algumas áreas da Cisjordânia ao território israelense, mas o presidente americano já deixou claro que não permitirá, devido à pressão internacional.

Logo após o encontro a portas fechadas com Donald Trump nesta segunda-feira (29), o primeiro-ministro afirmou que concorda com o plano americano para a Faixa de Gaza, mas disse que vai aguardar 72 horas para que o Hamas cumpra a principal cláusula: a libertação imediata dos reféns. Netanyahu deixou a decisão com o Hamas: continuar ou não com a guerra, que completará dois anos no próximo dia 8 de outubro. Ao final do encontro na Casa Branca, o premiê afirmou que o Hamas tem duas opções: o jeito mais fácil, que é entregar os reféns, se render e desarmar, ou o jeito mais difícil, que é continuar os combates. “Caso não concordem com o plano, nós vamos terminar o serviço do nosso jeito”, disse o premiê de Israel.

1-Pouco antes de falar à imprensa, o presidente americano exigiu que Netanyahu ligasse para o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulhaman, para se desculpar pelo ataque a Doha.

2-Há diversas especulações sobre quem governará a Faixa de Gaza no pós-guerra. A governabilidade do enclave não será entregue à Autoridade Palestina até que as reformas e a reestruturação da entidade que administra a Cisjordânia sejam efetivamente realizadas. Nesse contexto, o nome do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair tem sido cotado como governador temporário da Faixa de Gaza e surge com força nos projetos de Trump assim que o Hamas for derrubado.

AS OBJEÇÕES DO HAMAS AO PLANO TRUMP

O grupo terrorista Hamas se opõe à cláusula sobre desarmamento. Considera um pedido draconiano, porque tira dos palestinos o poder de se defender, além de colocar os líderes do grupo na mira fácil de Israel. Entregar as armas e se render são as cláusulas que farão o Hamas recusar o acordo. No entanto, o grupo não se opõe à cláusula que exige que a Faixa de Gaza seja governada por tecnocratas. Por outro lado, não aceita e não quer participar de um futuro governo junto à Autoridade Palestina, nem que a AP governe o enclave.

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Soldados do Hamas | Foto: Reprodução

QUAIS SÃO AS CHANCES PARA UM ACORDO?

Trump vem dizendo, desde a semana passada, que recebeu respostas positivas sobre a proposta, tanto de Israel quanto de países árabes. O presidente americano chegou a afirmar que “todos querem um acordo” e que ele não diz respeito apenas à Faixa de Gaza e Israel, mas a todo o Oriente Médio e ao mundo inteiro. O ministro de Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, também já disse que Israel tem interesse em encerrar o conflito. Membros do partido ultraortodoxo já se alinharam ao mesmo pensamento, assim como Netanyahu.

No entanto, alguns partidos que formam a coalizão que mantém o premiê no cargo pensam diferente: exigem a anexação do território de Gaza a Israel, além de algumas partes da Cisjordânia, e que a guerra não pode terminar de acordo com os termos apresentados pela comunidade internacional.

Donald Trump quer dar um fim a essa guerra e não permitir que Netanyahu o desobedeça. E foi justamente isso que aconteceu durante o encontro entre os dois líderes em Washington. Ao mesmo tempo, os países árabes que aceitaram os termos do acordo prometem pressionar o Hamas a aceitar a proposta, inclusive ameaçando expulsar os líderes do grupo que estão no Catar.

Dada as operações militares de Israel nos últimos dias, é certo que os líderes do Hamas concluirão que é chegada a hora de encerrar a guerra, que começou após o massacre de 7 de outubro de 2023.

Acontece que não só em Israel, na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza, todos já viram esse filme antes, e as chances de um colapso total dos acordos são enormes, podendo acontecer no último minuto de negociação. Enquanto todas as cláusulas não forem aceitas pelos dois lados, o fracasso da proposta de Donald Trump é quase certo.

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