A retrospectiva assombra a perspectiva
30 dezembro 2014 às 10h50
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E mais um ano se foi numa velocidade que já passou e todo mundo vai tentando alcançá-lo. Ficamos com a memória saborosa ou melancólica do que foi feito — ou não
O Brasil:
É o som, é a cor, é o suor. É a dose mais forte e lenta de uma gente que ri quando deve chorar, e não vive, apenas aguenta! Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre quem traz no corpo uma marca mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre; quem traz na pele essa marca possui a estranha mania: (de) ter fé na vida. (em adaptação não permitida e até desconhecida de Milton Nascimento e Fernando Brant).
Num universo de palavras, buscamos a combinação que ainda não foi dita para criarmos alternativas, outras rotas mentais na ânsia de alimentar o pensamento que realmente determina o êxtase da existência. Tarefa difícil quando o ambiente externo inspirador e a faísca da combustão dos argumentos se mostram afogados, ainda e sempre, no mar da corrupção, com representações famintas de tubarões sociais como a violência, os impostos, a falta de serviços pactuados a partir deles. Enfim, o consolo é saber que os tubarões de verdade barbarizam para sobreviver.
E que me desculpem as Marias, Marias e Marias do belo apelo da letra que abre o texto. Felizmente ou não, elas representam parte do que somos e vivemos nessa terra onde cantam sabiás e proliferam lobos e raposas felpudas, que dividem espaço com ratazanas bojudas numa selva de pedra de onde brota o petróleo. Não, não! Mas é preciso ter raça, não é mesmo?
E mais um ano se foi numa velocidade que já passou e todo mundo vai tentando alcançá-lo. Resultado: o ano se foi e ficamos com a memória saborosa ou melancólica do que foi feito ou não. Como a mídia apresenta esse produto? Como retrospectiva! Desde o dia que assisti uma retrospectiva global que usou 50% do programa pra falar da morte da princesa Diana — que já não era do príncipe Charles —, desiludi. Retrospectiva é pra quem gosta de história, mais do que para quem gosta de novelas.
Obviamente, cada indivíduo tem sua própria lista de eventos marcantes, planos executados ou postergados, mas é preciso ter sonho, sempre. Ele é a água do moinho. E vale a pena pontuar o que foi gerado de aprendizado, pois nessa perspectiva se justifica a retrospectiva. Mas, compartilhemos aqui, situações gerais que fizeram corações e mentes sacudirem e no “enche e esvazia” de esperança e dor, o tom com sabor, suor, lágrimas e sorrisos se fez e passou um bloco cronológico marcador da vida: o ano.
No começo de 2014, preocupação com a Copa e a finalização dos estádios. Não havia ainda, nem em sonho, o gol da Alemanha — se alguém imaginasse, teriam diminuído o tamanho das traves. Alguns meses depois, a ênfase era tomar providência para o fiasco da Copa, violência, protestos, hospitalidade. Tudo foi colocado em cheque e, no fim, ao primeiro gol da Alemanha, o mundo percebeu que a Copa não foi um fiasco, que os brasileiros sabem cuidar dos visitantes, que a Copa não foi comprada (pelo menos não pelo Brasil) e que futebol deveria ser tratado pelo povo brasileiro apenas como futebol. Nosso orgulho não se justifica em ser bom em um esporte, pois, se a autoestima brotar disso, estamos “no sal” — e aqui basta lembrar de qualquer gol da Alemanha…
A infeliz Copa acabou, mas durante todo o ano, camuflado nos vãos do evento, sempre esteve o governo. Dilma, vaiada na abertura da Copa, foi reeleita! Isso daí os torcedores que nos visitaram não devem ter entendido, assim como o resto do mundo. Cena bela foi a que mostrou os japoneses limpando o estádio após o jogo (acho que eles sabiam que no Brasil não havia sacolas, aqui existem bolsas; bolsas famílias que garante a perpetuação de um governo, mas é preciso ter força, sempre…).
Neste parágrafo não há retrospectiva. Preocupante é a perspectiva. Aqui seria reservado para saúde, educação, transporte, segurança, meio ambiente. (…) Nada mudou. Não há nada para acrescentar.
Como ter esperança não paga imposto, quase que conscientemente transferimos aos nossos filhos um pouco do desejo que as coisas melhorem, tentando construir um País menos complicado de se viver. Mas, até quando vamos ficar levando “prejuízo” e ficar sem fazer nada? Aí eu chamo o pensador: Gabriel, cadê você?!
Que 2015 tenha muita vida em todos nós!