Retrocesso e ataque à proteção de crianças vítimas de violência
06 novembro 2025 às 20h16

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A aprovação do PDL 3/2025 pela Câmara dos Deputados não é apenas um erro legislativo, é um retrocesso moral. Enquanto o Brasil enfrenta números alarmantes de violência sexual contra meninas, o Parlamento decidiu restringir ainda mais os direitos das vítimas de estupro, ignorando a urgência de políticas públicas de proteção infantil.
O projeto anula a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que orientava a rede pública de saúde sobre o atendimento humanizado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
A resolução garantia, entre outras medidas, o acesso ao aborto legal sem necessidade de boletim de ocorrência ou autorização dos responsáveis, mecanismo crucial nos casos em que o agressor é familiar.
Retirar essa orientação é, na prática, condenar meninas estupradas à violência institucional. Entre 2013 e 2023, mais de 232 mil meninas com até 14 anos deram à luz, um retrato cruel da violência sexual no país.
Apesar disso, em 2023, apenas 154 conseguiram acessar o aborto legal. O PDL 3/2025 ignora essas estatísticas e reforça barreiras que já limitam o direito à proteção e à dignidade. O projeto tem o selo explícito da bancada evangélica, com nomes como Marco Feliciano e Chris Tonietto à frente.
É impossível dissociar a medida de uma estratégia eleitoreira, com as eleições de 2026 no radar, que coloca interesses políticos acima da vida e da integridade de meninas brasileiras. Enquanto se aprova o PDL 3/2025, a Câmara não propõe nenhuma política de prevenção ou acolhimento.
Não há planos para fortalecer abrigos, delegacias especializadas ou equipes de proteção social. Em vez de investir na proteção de quem mais precisa, o Parlamento escolhe legislar sobre corpos já violentados, agravando o sofrimento das vítimas.
O país já viu retrocessos semelhantes. Em 2024, o PL 1904/2024 criminalizava o aborto em casos de estupro avançado, equiparando-o a homicídio e prevendo prisão para médicos e vítimas.
Ambas as medidas evidenciam um padrão: decisões políticas que priorizam dogmas e interesses eleitorais sobre direitos humanos e proteção infantil. Os dados são claros: uma menina é estuprada a cada hora no Brasil, e mais de 34 mil crianças e adolescentes vivem em união conjugal irregular.
A omissão e a hostilidade do Parlamento diante desses números representam não apenas uma falha institucional, mas uma violação direta da vida e da dignidade da infância. O PDL 3/2025 não é apenas um projeto de lei. É um símbolo de como a política pode se tornar instrumento de opressão.
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