Relembre a entrevista do jornalista Sebastião Nery ao Jornal Opção, em 1999
25 setembro 2024 às 21h06
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O jornalista e escritor Sebastião Nery faleceu aos 92 anos, na segunda-feira, 23, no Rio de Janeiro. Com a saúde debilitada há quatro meses, a causa de sua morte foi atribuída a causas naturais. Nery foi uma figura marcante no jornalismo brasileiro, conhecido por suas críticas afiadas, vasto conhecimento político e extensa obra literária.
Sebastião Nery é o jornalista que extrai da notícia até o sumo. Discute ideias e narra uma espécie de subproduto das histórias políticas que contêm humor. Aos 67 anos, quando a maioria se acomoda, Nery continua ativo, atirando com a “metralhadora” sempre no ponto. Não tem nada de comportado. A língua é afiada: “Fernando Henrique não tem caráter.”
Nery conta que FHC esconde o filho de 9 anos que tem com a Jornalista Miriam Dutra, da Globo. Na segunda-feira, 6, ante do lançamento do livro A Eleição da Reeleição – Histórias, Estado por Estado (Geração Editorial, 371 páginas, 25 reais), na Câmara de Diretores Lojistas, Nery concedeu uma entrevista na redação do Jornal Opção. O polêmico jornalista afirmou, na época, que o governador Marconi Perillo poderia perder se disputasse a reeleição; em 2002, com as maiores chances sendo de Maguito Vilela.
Nery se considera apenas jornalista, o jornalista que escreve livros. Mas pesos-pesados do jornalismo e da crítica o consideram um escritor. Joel Silveira diz: “Sebastião Nery é o cronista por excelência, talvez o maior deles, de nossa petit histoire, a história dos tempos atuais, pequenina e atroz, casuística e ordinária, feita de emergências circunstanciais.” Franklin de Oliveira amplia:
“Sebastião Nery é, antes de tudo, um escritor. Um homem que sabe dizer, precisamente porque sabe pensar. Há momentos, e não são raros, em que alcança níveis de pura beleza literária.” Ao falar de Nery não se pode esquecer das palavras “coragem” e “ira”. Ele é duro com Brizola, o “tiranossauro da democracia brasileira”, e duro com Fernando Henrique Cardoso, o poderoso presidente da República”.
Ele é autor de 15 livros, entre eles Folclore Político e As 16 Derrotas que Abalaram o Brasil, e está prestes a publicar mais um livro, em março, reunindo suas histórias de humor político.
Euler Belém – Está acompanhando o governo de Marconi Perillo?
Um pouco de longe. Marconi Perillo ganhou a eleição porque o grupo de Iris Resende ficou muito tempo no poder. A tolerância do povo estava no limite. O livro foi lançado na sede da CDL. No entanto, as pessoas dizem: “Seu livro é favorável a Marconi.” Eu sou jornalista, nunca vi o Marconi.
Euler Belém – O que o senhor disse a Iris?
Eu disse: “Você vai perder a eleição.”
Fernando Henrique e Tasso Jereissati ganharam a reeleição. A reeleição é um processo desgastante. Fernando Henrique jogou pesado para ganhar. Tasso comprou quase todo o Estado do Ceará. Mário Covas derramou um dinheirão. O problema é que o Estado fica quebrado. Covas quebrou São Paulo. Eduardo Azeredo quebrou Minas. Tasso quebrou o Ceará. Os Estados saíram quebrados.
José Luiz Bittencourt – A vitória de Marconi Perillo foi a mais surpreendente do país?
Eu acho que foi. O cansaço popular podia ser percebido, mas o PMDB estava cego, embriagado pelo poder.
Euler Belém – O país está acompanhando o governo de Marconi?
A repercussão ainda é pequena, mas é um grande teste. Passado um ano, o país começará a se interessar pelo desempenho de Marconi, apontando acertos e equívocos. A imprensa nacional vai assediá-lo. Ele precisa escapar da pecha de “FHC de Goiás”.
José Luiz Bittencourt – Conhece Maguito?
Conheço o Maguito. Tenho uma boa impressão dele. Acho que ele foi um bom governador. As pesquisas divulgadas nacionalmente indicam isso. Foi um governador com uma sensibilidade social muito grande. Se fosse à reeleição, Maguito poderia ter perdido. Agora, acredito que ele é um grande candidato.
José Luiz Bittencourt – Maguito não apoia o presidente Fernando Henrique?
Pois é, trata-se de uma tacada certeira.
Euler Belém – Você acha que o grande cabo eleitoral Maguito pode ser essa atitude de não apoiar o governo federal e de ser crítico do governo de Marconi Perillo?
Ele terá o trunfo de ser oposição total, local e nacionalo. Mas está cedo para julgar o governo de Marconi Perillo. Isso pode ser um fator decisivo na próxima eleição. Uma eleição em Goiás não é uma eleição na Paraíba. Goiás é politizado, a cobrança é muito maior. O nível financeiro é muito mais alto. O povo é mais independente.
José Luiz Bittencourt – Iris tem condições de ganhar para senador?
Como há duas vagas, tem. Eu acho que o povo vai votar no Iris e no Marconi.para senador. Mas ainda é cedo, frise-se.
Euler Belém – Você defende também que o prefeito de Goiânia, Nion Albernaz, não dispute a reeleição.
A repercussão dos atos do governo ainda é pequena, mas será um grande teste. Depois de um ano, o país começará a se interessar pelo desempenho de Marconi, e a imprensa nacional vai começar a destacá-lo, apontando acertos e equívocos.
José Luiz Bittencourt – Qual receita você daria para Marconi fazer um bom governo?
Não conheço Goiás o suficiente para sugerir ideias específicas. Mas faço algumas sugestões. Primeiro, ele não deve ser um Albano Franco (governador de Sergipe), ou seja, não deve ser submisso ao Palácio do Planalto. Se virar um governador “do” Planalto, Marconi não terá futuro. O desgaste de FHC é crescente, e os preços estão subindo. Marconi precisa criar um projeto de desenvolvimento específico para Goiás e administrar o estado com firmeza.
Márcia Elizabeth – FHC está indo tão mal assim?
Fernando Henrique está entregando o país aos interesses internacionais. Em outro país, ele seria fuzilado se um jornal publicasse que a privatização deu lucro, mas não para o Estado. O governo recebeu 56 bilhões de dólares por todas as privatizações e deu às empresas 45 bilhões. Ou seja, o governo só recebeu 9 bilhões. É uma denúncia brutal, e o povo sabe disso.
Euler Belém – A imprensa brasileira demorou a admitir isso. Aloysio Biondi vem denunciando esse esquema há muito tempo.
A imprensa é financiada pelos banqueiros. Quem anuncia na Folha? Os bancos, as grandes empresas. A imprensa hoje depende muito do senador baiano Antônio Carlos Magalhães. Ele é “camarada” de Augusto Nunes, da Época, “chapinha” de Elio Gaspari, da Folha de S. Paulo, e “deus” da turma da Veja. Ninguém faz nada sem consultar a “voz do Brasil”, ACM. ACM é grande demais, ou os outros políticos são muito pequenos?
SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA – QUEM BATER MAIS EM FHC VENCE EM 2002
“Nós vamos ter uma Venezuela no Brasil e candidato bonzinho não passa para o segundo turno”
ACM começou a se posicionar como candidato à presidência da República, questão que nunca quis enfrentar, reconhecendo a dificuldade que falta a Fernando Henrique. ACM tem amesquinhado nas pesquisas.
Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) assegura que Fernando Henrique Cardoso não conseguirá eleger um sucessor. O senador afirma que, com a popularidade nas alturas, FHC se sentiu à vontade para declarar que a sua eleição à Presidência foi mais importante do que a de Ulysses Guimarães, em 1989.
Euler Belém – A impressão que se tem, quando se ouve o Brizola falar, é que não é mais um ser no tempo. É quase um fantasma.
Brizola era contemporâneo de Getúlio Vargas, Getúlio morreu e Brizola esqueceu que morreu. O Brizola não morreu como ator político.
ANTÔNIO CARLOS
“Mando no governo do Brasil. Sei que FHC não conseguiu e não vai conquistar o país”
CIRO GOMES
“O rol do PPS faz logo querer agradar o FMI e os trabalhadores”
LULA
“Trabalhador acha que o presidente não é bom para seus filhos”
ITAMAR FRANCO
“Se tiver Lula como vice, vou me empenhar para vencer a presidência”
‘O PDT NÃO TEM LÍDER; TEM DONO: BRIZOLA’
Euler Belém – A impressão que se tem, quando se ouve o Brizola falar, é que não é mais um ser no tempo. É quase um fantasma.
Brizola era contemporâneo de Getúlio Vargas, Getúlio morreu e Brizola esqueceu que morreu. O Brizola não morreu como ator político.
Euler Belém — Por que Brizola não deu certo depois de 1989?
Ele era vice-presidente da República em 1958. Era o presidente da República em 1978. Quando Brizola fez o discurso de Anápolis (homenagem a Pandaréia), Getúlio saiu da tumba e disse: “Não, meu filho. Em 1981, fui eleito. Em Ponta Grossa, fiz dois discursos. Não tem tal ofício.”
Euler Belém — O que Brizola comandou o Glênio como do que deve ser a responsabilidade do governante deve ser atribuído ao próprio Brizola. A sua incompetência, aos seus métodos políticos.
Euler Belém — Incompetência, porque Collor foi eleito governador do Rio duas vezes.
Mas seu objetivo sempre foi ser presidente. Em 1994, quando Brizola era prefeito de Porto Alegre, e depois fez Rio de Janeiro.
O PDT era uma grande agitação. Brizola era um líder que não dava espaço. O PDT era um grêmio escolar. Ele não é presidente do PDT, mas o Brizola é uma organização do governo.
Euler Belém — Vocês continuam brigados?
Eu nunca falei com Brizola desde o projeto de primeiro turno. Ele falou que eu era uma aposta. Nós continuamos sem adversários, só com aliados. O PTB Loureiro e Silva, ele era do PTB. Era aliado. Não houve primeira briga com o PDT.
Euler Belém — Em 1998, já falam da grande aliança do PTB.
Deixei o PTB para ser governador. A missão era cumprir a estratégia e colocar o PDT como a oposição no próximo mandato.
Euler Belém — Brizola era muito ligado ao sistema.
José Luiz da Anunciação, fundou o Eixo Importante.
“Por confundir o Brasil com as Patrícias (Pillar e Gomes), Ciro está quebrando a cara; o país já percebeu que ele é um espertalhão”, afirmou Nery.
TERCEIRA PARTE DA ENTREVISTA
Sebastião Nery
“Ninguém fica no poder se não mantiver negociações e acordos com Congresso, imprensa, empresários e militares”
LIVRO DE CONTI FAZ DEFESA DOS PATRÕES
Euler Belém — Você leu o livro Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti?
(Risos). Li o livro do Sérgio Conti. É uma obra de defesa dos patrões. De defesa dos interesses dos patrões. O Conti é um ex-segurança de Collor. Virou intelectual e escreveu o livro “O Protetor”. Nele, ele expõe a tese de que Collor tinha uma visão avançada do empresariado. A imprensa se engana ao tratar Collor como populista, quando na verdade ele era um defensor do liberalismo. Collor acreditava que o Brasil estava preso a um modelo estatal, que era preciso defender as privatizações. Marighella acreditava que o Brasil estava pronto para uma revolução. O que diferencia os dois é que um tinha fuzis e o outro não. O fato é que Collor sempre esteve ao lado dos empresários, de banqueiros, nunca teve uma visão de proteção ao povo. Aliás, isso ficou claro no momento do impeachment, quando empresários que estavam do lado de Collor o deixaram na mão. Os banqueiros, especialmente, apoiaram Itamar.
Euler Belém — O senhor quer dizer que o livro é favorável a Collor?
Claro. O livro absolve Collor e condena a imprensa, sobretudo os jornalistas da Veja.
Euler Belém — Mas a corrupção da imprensa é um fato, não é?
Sim, brutal. Hoje é muito pior. A corrupção na década de 50, num Brasil agrícola, era uma corrupção rural. O coronel do interior dominava o delegado de polícia, o delegado escolar e o coletor de impostos. Com o Brasil industrial, apareceram os empreiteiros. Para ganhar obras, como estradas, pontes e outras construções públicas, eles começaram a dominar o cenário político, e a corrupção se tornou financeira, influenciando o financiamento de campanhas eleitorais e o próprio funcionamento do governo.
Collor subestimou o poder da imprensa e superestimou seu apoio entre os empresários. Tinha uma visão equivocada sobre a relação entre política e economia. Ele acreditava que os empresários estariam sempre ao seu lado, mas no momento em que foi mais atacado, todos se afastaram. E Collor também cometeu erros administrativos graves. Sua política econômica era caótica, sua falta de habilidade para lidar com o Congresso foi um desastre, e quando ele percebeu o tamanho da encrenca, já era tarde demais.
A VERSÃO É MELHOR DO QUE O FATO
José Luiz Bittencourt — Como as intrigas e politicagens influenciam o ambiente político?
Euler Belém — Como você avalia a atuação do PSDB nas últimas eleições?
José Luiz Bittencourt — O PSDB é um partido em constante crise de identidade. As brigas internas são muitas, e o partido tem dificuldade em se firmar como uma verdadeira oposição. Nos últimos anos, tem oscilado muito entre apoiar e criticar o governo federal. Não tem uma linha clara de atuação, e isso o enfraquece.
“Na ditadura, o general Golbery pediu minha cabeça. Na democracia, o editor do Jornal de Brasília deu minha cabeça a FHC.”