Quase metade das crianças de zero a cinco anos (primeira infância) vivia em situação de pobreza no Brasil em 2022, segundo dados do IBGE. Nessa faixa etária, 49,9% dos brasileiros eram considerados pobres, sendo a maior taxa entre os dez grupos populacionais analisados. No entanto, houve uma redução em relação a 2021, quando a taxa atingiu 54,1%, um recorde desde 2012. A taxa mais recente representa uma melhoria em comparação com o início da pandemia de Covid-19, em 2020, quando foi de 46%. Os dados de 2023 ainda não foram atualizados pelo Instituto.

A segunda infância abrange a faixa etária dos 6 aos 12 anos. A psicóloga, neuropsicóloga e analista do comportamento Raquel Borges avalia que nessa fase, as estruturas cerebrais da criança ainda desempenham um papel fundamental em vários aspectos, como o desenvolvimento da linguagem, da coordenação motora, entre outros. “Estudos já demonstraram que crianças expostas a condições de baixa renda podem apresentar atrasos no desenvolvimento neuro-motor. Além disso, essas crianças enfrentam desafios adicionais no aspecto social, tornando-as mais vulneráveis a problemas de saúde mental”, destaca a psicóloga.

Segundo o relato da especialista, que estuda desenvolvimento infantil há 15 anos, crianças em situação de pobreza estão mais suscetíveis a transtornos mentais devido à exposição a situações estressantes na vida, como violência comunitária e intrafamiliar. Além das crianças de zero a cinco anos, os grupos de 6 a 14 anos (48,5%) e de 15 a 17 anos (46,6%) também apresentaram altas taxas de pobreza em 2022, mostrando uma concentração da pobreza entre os mais jovens. Por outro lado, a menor taxa de pobreza foi registrada entre a população idosa de 70 anos ou mais, com 11,6% em 2022.

Psicóloga, neuropsicóloga e analista do comportamento Raquel Borges | Foto: Arquivo

Os dados fazem parte da publicação “Criando Sinergias entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o G20” do IBGE, que reúne estatísticas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A linha de pobreza utilizada pelo instituto é de US$ 6,85 em PPC, considerando como pobres as pessoas que vivem com quantias inferiores a esse valor por dia.

Transtornos mentais

Crianças que vivem em situação de vulnerabilidade podem desenvolver transtornos mentais na vida adulta, como ansiedade, depressão, déficit de atenção, entre outros. “Costumamos identificar essas crianças como mais vulneráveis. Portanto, a saúde mental delas é um problema de saúde pública em nosso país. Elas apresentam uma prevalência de transtornos mentais cerca de 13% maior do que a população geral”, pontua Raquel Borges.

A psicóloga explica que, se considerarmos a etiologia dos problemas de saúde mental, ela é bastante variada, desde transtornos de ansiedade, humor, como depressão, até transtornos de aprendizagem e atenção. A causa desses transtornos pode ser atribuída a diversos fatores, mas quando crianças e adolescentes são expostos a estressores ambientais, como a pobreza, a situação se agrava.

“A pobreza não afeta apenas aspectos alimentares, mas também limita o acesso a direitos garantidos pela Constituição Brasileira, como saneamento, moradia, alimentação e educação, além de não oferecer proteção adequada contra o trabalho infantil. São diversos fatores que as deixam desprotegidas e, ao mesmo tempo, expostas, tornando-as mais propensas a desenvolver transtornos”, explica Raquel.

Em 2022, o Brasil tinha 1,9 milhão de crianças e adolescentes com 5 a 17 anos de idade (ou 4,9% desse grupo etário) em situação de trabalho infantil. Esse contingente havia caído de 2,1 milhões (ou 5,2%) em 2016 para 1,8 milhão (ou 4,5%) em 2019, mas cresceu em 2022. Os dados também foram revelados pelo IBGE.

Se considerarmos que algumas condições são pré-existentes biologicamente, o ambiente e os estressores podem desencadear o desenvolvimento desses transtornos, especialmente durante a primeira infância. “O impacto social é multidimensional e impacta negativamente no futuro do país”, avalia a neuropsicóloga Raquel Borges.