Projeto é visto como sonho que não será desfrutado pela população
08 abril 2016 às 16h23
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Na segunda audiência para discutir a proposta de Ocupação Urbana Consorciada no Jardim Botânico, plateia vê proposta como bem elaborada, mas com foco na exclusão
Com uma apresentação do projeto, feita pelo arquiteto Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, do Grupo Quatro, que durou cerca de 45 minutos, a segunda audiência pública que discutiu a proposta de implantação de uma Ocupação Urbana Consorciada (OUC) na região do Jardim Botânico foi iniciada por volta das 19h30 de quinta-feira (7/4) no salão da Paróquia Santo Antônio dos Freis Capuchinhos, no Setor Pedro Ludovico Teixeira.
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A fala do arquiteto Luiz Fernando, conhecido como Xibiu, fez um resumo da apresentação feita na primeira audiência pública, com os pontos que ele destacou como mais importantes daquela uma hora de exposição realizada na noite de terça-feira (5) na Faculdade Alfredo Nasser (Unifan), em Aparecida de Goiânia. Um dos pontos que foi defendido com mais força por Luiz Fernando foi o ideal de densidade bruta populacional a ser alcançado com a construção de, no máximo, 45 mil unidades habitacionais com os chamados “edifícios verdes”.
Para o arquiteto, aumentar a população de uma região parte do conceito da compactação daquela comunidade, o que possibilita a qualificação do espaço público e da vida dos moradores daquela localidade. “Quem é contra a densidade bruta de 320 habitantes por hectare etá olhando na contramão, olhando com a visão do século passado.”
Aos olhares da plateia, que tinha menos de 60 pessoas, algumas moradoras do Setor Pedro Ludovico, Luiz Fernando afirmou que esse ideal de densidade bruta nada tem a ver com o que aconteceu ao redor do Parque Flamboyant, que ele chama de “super adensamento”. Na mesma apresentação, o ideal adotado vem da quantidade de moradores por hectare demonstrada em uma das imagens que faz referência ao Jardim Goiás, bairro no qual está localizado o Parque Flamboyant.
“Não há nenhum estudo científico que diga que construir prédio ao redor do Jardim Botânico vai matar árvore”, defendeu a adoção dos “edifícios verdes” o arquiteto Xibiu. Em sua fala, ele afirmou que o processo que acontece com a água do Parque Flamboyant é intermitente, e que seu lençol freático “seca e volta”, reduzindo as críticas ao que é tratado como especulação imobiliária em volta do local, com torres de prédios com 30 ou mais andares sem uma preocupação devida com o impacto de uso de solo, água, ambiental e de tráfego na região do Jardim Goiás.
Luiz Fernando voltou a dizer que os R$ 600 milhões previstos para a realização de todas as obras de “requalificação” da região do Jardim Botânico serão retirados de Certificados Potenciais Adicionais de Construção (Cepacs), que serão lançados na bolsa de valores e darão sustentação financeira ao núcleo gestor composto por representantes de diferentes áreas da sociedade, da prefeitura às entidade classistas e Organizações Não-Governamentais (ONGs) até chegar aos moradores da região do Jardim Botânico.
Sobre a previsão populacional no Jardim Botânico subir dos hoje 41.111 moradores para até um limite de 153 mil entre 19 a 30 anos de aplicação da Ocupação Urbana Consorciada, formato de projeto previsto no Estatuto das Cidades, Xibiu disse que os números podem assustar, mas que a busca é por uma densidade populacional que proporcione uma gama de serviços e oferta de equipamentos públicos, desde a mobilidade a segurança, na proximidade da casa da pessoa, sem que ela tenha que realizar grandes deslocamentos para trabalhar ou realizar suas atividades cotidianas.
Já no final de sua apresentação, o arquiteto Luiz Fernando disse que é prejudicial se pensar a cidade a partir de modelos pautados em ideais que não são verdadeiros: “Goiânia não é a cidade country, é a cidade da modernidade”. E completou: “Não há como fazer uma Operação Urbana sem que haja um reordenamento territorial”.
Debate “quente”
Quando começaram a ser feitos os pedidos de inscrição no debate, o secretário municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh), Sebastião Ferreira Leite, o Juruna, pediu que fosse dada prioridade aos moradores do Setor Pedro Ludovico para falar primeiro. E isso foi atendido.
O primeiro inscrito foi o arquiteto e professor universitário Luciano Mendes Caixeta, que iniciou as críticas ao projeto de OUC no Jardim Botânico apresentado por Xibiu, ao lado da Seplanh e do Instituto Cidade. “O prefeito teve seis anos para pensar em uma proposta, e nos últimos seis meses ele vem com uma proposta dessa magnitude. Não dá para compreender.”
Luciano comparou o projeto ao que tem acontecido no governo federal, quando as empreiteiras chegam e controlam um processo que deveria ser tocado pela administração pública, com um aumento da população assustador. “Cadê a proposta de mobilidade que eu não vi nessa apresentação?”
O professor universitário considerou que a proposta é “totalmente fora de propósito”. “O que a população vai ganhar de fato, vai vender seu lote? Ganhar um dinheirinho? E as empreiteiras, o que elas ganharão? Quantos bilhões estão associados a esses R$ 600 milhões? Isso não foi dito aqui”, questionou Luciano.
Ele elogiou o conceito das Operações Urbanas Consorciadas, que para ele são importantes para as cidades. “Existem outras áreas degradadas, como parte lá do Centro, da Avenida Anhanguera, e poderia fazer uma Operação ali.” Disse que ninguém é contra as imobiliárias ganharem em cima de projetos assim, “só que o Jardim Botânico é a nossa última joia”.
“Se nós fomos adensar da forma como está proposto, o que vai sobrar para a nossa população? Nada”, afirmou Luciano, que foi interrompido pelo secretário Juruna, que, aos gritos de “conclua”, queria que o professor universitário encerrasse a sua fala.
Aí virou um bate-boca entre Juruna e Luciano. O secretário disse que o professor “não sabe respeitar os outros” e que “não tem calada da noite” ou qualquer operação escondida para elaboração do projeto apresentado para o Jardim Botânico. “O senhor sabe o que é público? Então nós estamos aqui em uma audiência pública? Nós estamos aqui para discutir.”
E a resposta de Luciano foi: “Eu sei o que é público e privado. O setor imobiliário, você é capacho deles”. Juruna questionou: “Eu? Eu?” E foi retrucado com “tira essa máscara”. Foi quando a coisa ficou séria e parecia tomar contornos de um início de briga que não aconteceu. “Eu não vou bater boca com um imbecil como você”, soltou Juruna.
Foi quando o professor universitário, nervoso, deixou o salão da igreja e abandonou a audiência pública.
“Ideologia”
Marcelo Canedo, representante do Instituto Cidade, que participa do projeto junto com a prefeitura, tentou descaracterizar o que ele chamou de um “debate ideológico”, com a mesa realizadora da audiência pública tentou fazer no primeiro encontro com a comunidade na terça-feira. Marcelo foi interrompido pela arquiteta Neusa Baiocchi, que alegou que a primeira agressão partiu do secretário contra Juruna, que quem precisava ficar calmo e respeitar mais os outros era o titular da Seplanh.
“Eu acho que todos nós somos cidadãos de Goiânia e estamos discutindo um projeto que, caso a população acate, nós temos possibilidade de fazer muita coisa boa.” A fala do representante do Instituto Cidade continuou ao alegar que a audiência pública passada teria sido desvirtuada por discussões que não eram diretamente ligadas ao projeto de OUC no Jardim Botânico. Marcelo negou que a proposta discuta Plano Diretor e pediu para que a administração pública municipal não seria avaliada na audiência.
“O Instituto Cidade é um instituto que foi criado, sim, pela Ademi (Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás), que tem um histórico comprovado, principalmente na questão da mobilidade, de proposta de fóruns de discussão para melhoria da cidade. Essa discussão ideológica, o empresariado não quer uma cidade caótica, que não é bom para ninguém”, declarou Marcelo.
Segundo o representante do Instituto Cidades, a recuperação das alamedas e outras propostas incluídas no projeto, mostram a preocupação com a mobilidade como parte dessa iniciativa de OUC.
“Quando se fala de adensamento, a cidade ela adensa por natureza. […] Quando se fala em aumentar a população em quatro vezes, ela vai aumentar de qualquer jeito. É melhor que a população aumente com a infraestrutura necessária ou sem nenhuma infraestrutura para receber esse adensamento e esse crescimento?”
Sonho que não inclui a população da região
Edinardo Lucas, arquiteto e professor universitário, disse que a discussão tem que ser feita com maturidade. Mas disse que a discussão é sim de Plano Diretor. “É no Plano Diretor que a gente tem um pacto para chegar na cidade que a gente quer.”
De acordo com Edinardo, não é vontade dele, a partir da apresentação da proposta de Operação Urbana Consorciada, ver que o Pedro Ludovico pode se tornar “o paraíso” e notar que o entorno desse setor seja abandonado e continue com vários problemas de infraestrutura.
“Quem mora na região?”, perguntou à plateia Edinardo. “Todos os benefícios que vocês viram em tela não são para vocês. São benefícios para outras pessoas que vão ocupar essa região. Tanto que no último slide tem lá que uma das possibilidades de vocês é vender o imóvel e cair fora para outro lugar que não vai ter essa qualidade, porque ali vai ser criado o paraíso.”
Ele propõe que as OUCs sejam adotadas no projeto por regiões, que sejam elencadas na proposta quais as regiões vão receber Operações Urbanas Consorciadas, para que, no momento que a pessoa “for expulsa do Pedro Ludovico” ela possa se mudar para uma área da cidade que conte com todas as oportunidades econômicas, de mobilidade e qualidade de vida apontadas a apresentação que está neste momento direcionadas apenas à região do Jardim Botânico.
“Xibiu, você não precisa de metade dessa apresentação para mostrar que o seu projeto e excelente. Parabéns a você e a sua equipe. Não tenho dúvidas disso. Agora, ele é pontual e não é para vocês do Pedro Ludovico”, considerou Edinardo. Ele lembra que no Plano Diretor só tem um artigo, o 217, sobre o Jardim Botânico: “O Município garantirá condições estruturais para que o Jardim Botânico cumpra o seu objetivo inicial”.
“Sabe onde que alguns de vocês vão morar? Lá no Orlando de Morais, nos últimos da cidade, na saída para Nova Veneza, nos bairros de pessoas globais, que não têm nenhuma qualidade.”
E considerou sobre o projeto: “Tem áreas menos densas que a gente poderia trabalhar na cidade antes de pensar no Pedro Ludovico. […] O vício do projeto e o motivo pelo qual eu sou contra é que ele não está dentro do projeto de cidade. Ele traz um paraíso que exclui e segrega a população de Goiânia”.
Aí foi a vez do ex-vereador e ex-deputado estadual Leandro Sena, na Organização Não-Governamental +Ação dizer que se sente preocupado com os impactos ambientais, mesmo sem ter “a certeza absoluta”, que o projeto pode causar ao Jardim Botânico.
Juruna voltou a defendeu sua história pessoal e profissional enquanto advogado ao dizer que “nunca foi capacho de ninguém”. E pediu calma ao ex-parlamentar, sobre a ida do projeto para a Câmara Municipal analisar. O secretário explicou que primeiro a população precisa aprovar a proposta apresentada nas audiências públicas.
Desconstrução do discurso
Lucas Morais, aluno de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), disse que não há um conflito ideológico, como sustentou o representante do Instituto Cidade. “O nosso projeto de sociedade tem se refletir em um projeto de cidade. A população da região não vai ser beneficiada pelo projeto, com a supervalorização de imóveis em uma realidade de déficit habitacional de mais de 50 mil famílias em Goiânia.”
Para o estudante, o Poder Público “está sendo omisso” ao deixar que se discuta e possa ser adotado mais um projeto “excludente” na área de habitação.
Já o vereador Paulo Magalhães (PSD), que foi anunciado como parlamentar do SD, seu antigo partido, voltou a se mostrar contrário ao projeto. “Nós temos muita área boa para construir esse lindo projeto, mas no Botânico o povo não aceita”, declarou Paulo Magalhães.
Segundo o parlamentar, ele representa 41 mil macambiras, como ele identifica os moradores da região do Jardim Botânico. “De onde vai sair esse dinheiro? O povo quer realidade.” Ao se dirigir aos poucos moradores do Setor Pedro Ludovico presentes na audiência pública, Paulo Magalhães disse que “esse projeto não é para nós”, moradores do bairro.
O vereador voltou a elogiar o trabalho do secretário na área de regularização fundiária, mas disse que se manterá contra um projeto que ele considera absurdo que se adote no Jardim Botânico. “Só conhece a casa quem mora dentro dela. Vamos deixar o nosso Macambira em paz.”
Para o gerente de gestão do Jardim Botânico, Altamiro Fernandes, a preocupação é para onde vão as famílias que moram hoje naquela área. “Com ou sem Operação Urbana Consorciada, há um consenso aqui de que as pessoas, que são hoje 75 famílias, precisam desocupar a área do Jardim Botânico.”
De acordo com Altamiro, com o OUC no Jardim Botânico, essas famílias serão assistidas com habitações na área, mas sem a implantação do projeto, elas serão levadas para outros bairros afastados.
Juruna disse que é contra tirar qualquer pobre do Pedro Ludovico e levar para qualquer lugar. “Nesse projeto daqui eu falei para todo mundo. Não conte comigo para assentar famílias pobre fora do lugar em que elas habitam.”
O gestor do Jardim Botânico defendeu que a construção de prédios na região não afetaria “drasticamente” as águas do Botânico. “Mesmo sendo perpendicular ao lago, não mexe nas nascentes”, afirmou Altamiro.
Contra
A arquiteta Neusa Baiocchi foi convidada pelo vereador Paulo Magalhães a falar. E ela se posicionou contra a verticalização ser o modelo ideal para a região do Jardim Botânico. “Eu não entendo como que Goiânia permitiu essa verticalização. Isso é um horror!”
Ela disse que, junto com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (Cau-GO) já se movimenta contra outro projeto imobiliário na Avenida D. “Estamos movendo uma ação contra o Nexus. Aquilo é um monstrengo”, declarou Neusa.
Para ela, o princípio do Jardim Botânico, de ser uma área de preservação e educação ambiental, deveria ser mantido. “É o último pulmão de Goiânia”, considerou. Ela disse que foi a audiência para conhecer a proposta e esperava que esse projeto tivesse outro objetivo. “Eu achei que ima valorizar mais a área do parque. O problema é a execução desse projeto.”
Consideração
O arquiteto Luiz Fernando respondeu Neusa e disse que o que foi apresentado não é um projeto. “Isso é um sonho. Não se fará projeto urbano se não for localizado”, explicou sobre a escolha específica da região do Jardim Botânico. Para o vereador, o foco no Jardim Botânico é o interesse em vender imóveis, construir prédios e lucrar em cima disso.
“Se a população não estiver de acordo não vai se fazer projeto”, pontuou Luiz Fernando.
Jorge Hércules, presidente do Instituto Comunidade Pró-Logística Urbana (Ilogu), que fica na Vila Redenção e representa os “ribeirinhos” do Botafogo, disse acreditou na promessa de Juruna que os moradores não seriam retirados de suas casas. “Eu percebo aqui, com algumas outras pessoas da prefeitura, que está havendo aqui uma Torre de Babel aqui.”
Ele comparou as famílias que sempre moraram na região, “na nossa aldeia”, com a vegetação local. “É como o Cerrado, se retirar uma planta e plantar em outro lugar ela não nasce.” Jorge citou a Lei Municipal número 6.429, de novembro de 1986, que trata da desafetação de áreas do município e sua alienação.
“Aqui não tem invasor não, ninguém invadiu nada”, defendeu Jorge. E encerrou a audiência com a seguinte frase: “Aqui é o meu lugar”.