Professores apontam caminhos e apostas para a redação nota mil no Enem 2025

03 julho 2025 às 15h32

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A menos de cinco meses da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025, previsto para os dias 9 e 16 de novembro, cresce a expectativa entre os 5,5 milhões de candidatos quanto ao tema da redação. No primeiro domingo de prova, além das avaliações de Linguagens, Ciências Humanas e suas Tecnologias, os participantes precisarão redigir um texto dissertativo-argumentativo, que representa 20% da nota total.
Para ajudar os estudantes nessa etapa decisiva, o Jornal Opção conversou com quatro professores de Goiânia, que compartilharam suas apostas, estratégias de preparação e orientações para alcançar uma boa pontuação. A questão da redação, limitada a até 30 linhas, sempre propõe uma situação-problema baseada em dados, textos de apoio e estatísticas. A missão do estudante, portanto, vai além de simplesmente escrever bem: é preciso ler com atenção, compreender o contexto proposto pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e apresentar uma solução.
A professora Helga Zafred, graduada em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com mais de duas décadas de experiência e fundadora de uma escola de redação com metodologia própria, destacou temas com grande potencial de aparecer no exame deste ano.
“Poderão ser cobradas pautas relacionadas a grupos vulneráveis, como pessoas em situação de rua, portadores de deficiência, o grupo LGBTQIA+ e os jovens, principalmente em decorrência dos impactos nocivos dos influenciadores digitais no comportamento deles. Também poderão ser cobradas questões relacionadas à crise climática, como a ecoansiedade e assuntos relacionados à tecnologia e à saúde mental”, afirmou.

Segundo a professora, os temas são escolhidos estrategicamente por sua relevância social, e o Inep prioriza pautas que promovam reflexão crítica sobre os desafios contemporâneos. “Acredito que o foco será mantido, afinal, os temas de redação do Enem são escolhidos por sua relevância para a sociedade brasileira. Espera-se que o candidato formule argumentos sólidos, proponha soluções viáveis e respeite os direitos humanos em sua abordagem”, explicou.
O professor de Língua Portuguesa Tony Gomes, que leciona nos colégios Dinâmico e WR, em Goiânia, além de coordenar uma mentoria online, também apontou possíveis direções temáticas para a prova deste ano. Segundo ele, “o último tema que relacionou exatamente sobre questão de meio ambiente foi em 2008, antes da grande mudança que o Enem teve em 2009”. Tony destaca que, considerando que o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30) em novembro, a discussão ambiental pode voltar ao centro da redação.
Além disso, ele chama atenção para outras temáticas em evidência no cenário nacional. Entre elas, o programa federal Pé de Meia, que visa combater a evasão escolar e tem se tornado uma das principais bandeiras do governo em 2025. Outro eixo de destaque envolve o avanço da inteligência artificial, tanto no mercado de trabalho quanto nas relações sociais. “A questão da saúde pública é um fato corriqueiro, mais relacionado aos governos municipais e estaduais do que ao federal”, acrescenta o professor.

Tony também menciona um ponto que muitos alunos negligenciam: todos os temas do Enem desde 2013 têm ligação direta com leis já existentes no Brasil. Assim, a redação frequentemente parte do contraste entre o ideal previsto em lei e a realidade social vivida. Um exemplo citado por ele é o tema da “democratização do acesso ao cinema”, cobrado em edições anteriores. “Era algo que todo mundo tinha ciência, mas ninguém pensava sobre esse tema. Isso pode ser usado no desenvolvimento, mostrando a invisibilidade e a falta de importância atribuída ao assunto”, explica.
Já o professor Guga Valente, que leciona nos colégios Prevest e Delta, destacou que evita apostar em temas específicos para não gerar expectativas frustradas entre os estudantes. “Eu não costumo apostar muito em temas, pois isso costuma gerar ansiedade nos estudantes, além de frustração quando não cai aquilo que imaginávamos”, afirmou. Apesar disso, ele reconhece que certos assuntos ganham força por refletirem debates contemporâneos relevantes, como tecnologia, redes sociais, inteligência artificial e o impacto dos digital influencers no comportamento social.
De acordo com Guga, outro grupo temático que pode aparecer na prova diz respeito às minorias sociais. “Ainda temos os idosos, os deficientes físicos, as pessoas com espectro autista entre outros”, lembra o professor. Para ele, o Enem é cíclico, ou seja, tende a revisitar temas já cobrados em edições anteriores, mas sob novas abordagens. “Assim foi com criança, trabalho, mulher e tecnologia”, exemplifica.

Guga ressalta que o Enem está, sim, alinhado com as transformações da sociedade contemporânea. Alguns temas da década passada, ainda que não totalmente resolvidos, já não despertam o mesmo interesse da banca. “Por serem esses assuntos que eu mencionei os mais pertinentes desta década de 20, acredito terem potencial”, explica.
Na prática, segundo ele, a chave está em fazer correlações. O candidato precisa entender que todo tema pode estar relacionado a outros já conhecidos. “Por exemplo: recentemente o tema foi sobre registro social. Poucos professores que eu conheço trabalharam esse tema com seus alunos, mas muitos trabalharam temas ligados à desigualdade social e econômica, pobreza, pessoas em situação de rua e outros”, comentou.
Wendell Sullyvan, professor do colégio Arena, reforça que é essencial treinar estrutura e escrita com constância. Entre os tópicos que merecem atenção, Wendell destaca: relações saudáveis no ambiente de trabalho e síndrome de Burnout, os impactos sociais e econômicos das relações laborais, o papel dos influenciadores digitais na formação de crianças e adolescentes, o uso excessivo de telas, especialmente após o sucesso do livro ‘Geração Ansiosa’, a regulação das redes sociais e da inteligência artificial, e o racismo no futebol, uma abordagem dentro do contexto mais amplo da discriminação racial na sociedade brasileira. “Sei que trazer esses temas ajuda de alguma forma a diminuir a ansiedade dos jovens que vão fazer a prova”, pontua.
Para Wendell, o Enem mantém uma forte conexão com temas socialmente relevantes e valoriza abordagens que demonstrem preocupação com o coletivo. “Os temas do Enem sempre têm alguma relevância social, porque é uma prova muito antenada com a necessidade de um certo protagonismo social”, analisa. Por isso, o preparo deve ir além da tentativa de “adivinhar o tema”. O mais eficaz, segundo o professor, é treinar a estrutura da redação, independentemente do assunto.

Ele explica que as cinco competências avaliadas na correção da redação envolvem aspectos que, em sua maioria, não dependem diretamente do tema proposto. “A competência 1 é gramática, isso não depende do tema. A competência 4 é domínio de recursos linguísticos. A competência 5, elaboração de proposta de intervenção, também é muito mais uma questão estrutural”, esclarece. Já as competências 2 e 3, embora envolvam a construção do argumento e o desenvolvimento das ideias, podem ser treinadas com base em temas variados.
Os professores entrevistados também ofereceram dicas valiosas. Helga Zafred recomenda que os alunos pratiquem em diversas vertentes. “Sempre indico aos meus alunos livros, séries, documentários e filmes como repertórios indispensáveis”, disse ela. A professora orienta a produção semanal de textos, sempre acompanhada por correção personalizada, e alerta sobre os chamados “repertórios coringas”, que segundo ela “empobrecem o texto e, por isso, as redações caem no senso comum”.
Segundo Helga, erros gramaticais e falhas de coesão comprometem seriamente a pontuação. Além disso, construir um texto com começo, meio e fim coerente, e que tenha proposta de intervenção bem elaborada, é a base para uma boa avaliação.
Tony Gomes esclarece uma dúvida recorrente entre estudantes: “Há um mito que fala que o Enem proíbe o uso da coletânea. É mentira”. Ele ressalta que o aluno pode, e deve, usar os textos de apoio como base argumentativa, desde que não se limite a eles. “O que ele não pode é só usar a coletânea ou copiar seis palavras seguidas do texto”, reforça. Parafrasear e adaptar o conteúdo para a construção da tese é, inclusive, uma habilidade valorizada pela banca.
Quanto ao repertório sociocultural, Tony defende que o Enem é bastante democrático. “Ele vai desde um seriado, desde uma música, a um fato que aconteceu com uma celebridade, filmes, livros”, comenta. No entanto, ele, assim como Helga, alerta sobre o uso excessivo dos “repertórios coringas”. “Eu invisto bastante em clássicos como o livro da Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo, Casa-Grande & Senzala e Raízes do Brasil”, indica.
Segundo ele, esses materiais, quando usados de forma autêntica, ajudam a enriquecer o texto. Para facilitar a familiarização, o professor até criou uma playlist no Spotify com músicas que podem ser usadas como ponto de partida reflexivo para temas diversos.
Para Guga Valente, é necessário o uso consciente da linguagem. “Escrever sobre inteligência artificial usando ‘hodiernamente’ parece ficção científica do século passado”. Ele também recomenda estudar os temas desde 2010 e evitar decorações. “Não há tema no Enem que não tenha correlação com algum tema que o candidato bem preparado não conheça”.
A leitura, de acordo com o professor Wendell Sullyvan, é uma das ferramentas mais importantes, e negligenciadas, na construção de um repertório sólido. “Infelizmente, principalmente os nativos digitais têm lido muito pouco daquilo que é substancial para aumentar o repertório cultural. Então, leia o livro mesmo”, aconselha.
O professor alerta ainda para os riscos do uso excessivo de ferramentas de inteligência artificial durante a preparação. “Não estou aqui demonizando o uso de recursos como ChatGPT, obviamente. Mas deixar de lado um texto fluido e autoral para usar ferramentas de IA pode ser prejudicial”, afirma. Para ele, nada substitui a prática contínua da escrita, da leitura e, sobretudo, da reescrita de textos.
No entanto, ele reconhece os desafios de conciliar o hábito da leitura com a rotina exaustiva de um vestibulando. Por isso, recomenda que os momentos de lazer também sejam aproveitados para ampliar o repertório cultural: “vai assistir um bom filme, uma série como The Bear, por exemplo, que trata de relações de trabalho e pode ser útil para temas como burnout.”
Embora a nota máxima seja um sonho distante, apenas 12 candidatos atingiram os 1000 pontos no ano passado, as chances de se destacar com notas acima de 900 aumentam com estratégia, leitura e constância. Como lembra Guga Valente, “Sair do 600 para o 800 é questão de semanas; de 800 para 1000 exige empenho e atenção”.
Ele relata que presta o Enem anualmente desde 2017 e nunca atingiu a nota mil, mesmo com textos que julgava excelentes. Para ele, a correção do exame é rigorosa e muitas boas redações ficam abaixo da nota máxima por critérios sutis. Ainda assim, garante: “Com notas acima de 900 eles já conseguem entrar para praticamente qualquer curso (se nas outras provas forem bem também). Então, relaxem”.
Para a professora Helga, o segredo da nota mil está na combinação entre repertório pertinente, domínio da estrutura e capacidade argumentativa. “Sugiro que mantenham a leitura atualizada sobre os principais assuntos discutidos na mídia”, reforça. Já o professor Wendell destaca que a meta realista deve ser conquistar uma nota acima de 900.
“Entre mediana e mil, a distância é estratosférica. Mas uma nota como 920, 940, 960 já é fantástica”, argumenta. De acordo com o professor, as redações que alcançam esse patamar têm em comum alguns fatores essenciais: “estrutura impecável, gramática cuidadosa, muito repertório que fuja do consensual e que traduza de alguma forma a autoria no processo, com muita criticidade, fruto também da leitura profunda da realidade.”
No aspecto linguístico, o professor Tony Gomes destaca a importância dos elementos coesivos e do uso adequado da norma padrão. “O aluno hoje, devido a questões de redes sociais e gírias, deixa isso para trás”, observa. “Um exemplo é evitar a palavra “algo”, que é um repertório volátil, esse vício de uso do gerundismo”.
“É preferível usar o presente do indicativo para transmitir mais certeza”, explica. Outro ponto fundamental é a variação e sofisticação da estrutura sintática. “Para a questão de 200 pontos da competência 1, o Enem pede períodos mais elaborados, talvez uma inversão da voz ativa para a passiva e o uso máximo possível de conectivos diversificados”, enfatiza, ressaltando que isso também contribui para a competência 4, que avalia coesão e progressão textual.
“Se o aluno conseguir tirar os dois núcleos de testes do repertório introdutório, aquele que ele usou na primeira linha, e relacionar isso com o tema, com o Brasil e chegando até a proposta de intervenção, isso é o que o Enem mais valoriza”, afirma.
Para isso, o professor recomenda uma rotina consistente de produção textual. “A principal dica é fazer a redação, tê-la corrigida, e ao receber essa devolutiva, reescrever corrigindo os erros”, orienta. Ele critica alunos que, a cada semana, testam uma estratégia diferente, perdendo a chance de consolidar um estilo consistente e eficaz. “Em time que está ganhando não se mexe”, resume.
Entre as principais recomendações para se preparar bem, o professor Guga Valente lista quatro: (1) estudar os temas desde 2010, uma vez que os assuntos tendem a se repetir com variações; (2) investir no repertório não para decorar frases prontas, mas para entender os contextos; (3) revisar o estudo do período composto, já que o domínio da gramática favorece coesão e clareza textual; e (4) analisar redações nota mil dos últimos anos para observar estratégias eficazes de construção textual.
Além disso, ele enumera os erros mais comuns cometidos por candidatos: repetição excessiva de palavras relacionadas ao tema, uso de vocábulos desconhecidos, dependência de repertórios genéricos e propostas de intervenção genéricas. “Projetos sociais com nome, como os do governo: ‘Pé de Meia’, ‘Bolsa Família’, ‘Minha Casa, Minha Vida’, são bem mais interessantes”, afirma.
Por fim, Guga Valente deixa um recado que equilibra realismo e otimismo: “A primeira coisa é controlar a ansiedade e fazer correlações. Não há tema no Enem que não tenha correlação com algum tema que o candidato bem preparado não conheça”. Em um cenário em que poucos atingem a nota máxima, o diferencial está em planejar, praticar e refletir criticamente sobre o mundo.
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