Curso a ser ministrado na Escola Superior da Advocacia começa neste sábado (19) em meio a polêmicas

Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

O curso “Direito, Sociedade, Ideologia e Gênero”, a ser ministrado em dois sábados seguidos (19 e 26) na ESA (Escola Superior da Advocacia) da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) [a abertura foi no Salão Nobre da Casag], tornou-se alvo de polêmica e gerou manifestações contrárias nas últimas semanas. As aulas, a serem ministradas por Jean-Marie Lambert, professor emérito da PUC-Goiás, têm no programa temáticas como “O mito da minoria” e “A doutrinação escolar”.

Em entrevista ao Jornal Opção, Jean-Marie afirmou que o objetivo do curso é analisar o que ele chama de “ideologia de gênero” como um fenômeno de colonização cultural. Segundo ele, a abordagem não é religiosa, mas sim totalmente científica.

Ativistas se mostraram contrários ao curso e publicaram diversas notas de repúdio. De acordo com o professor, ele está acostumado a ser chamado de “homofóbico, misógino, sexista e machista. “A ideologia de gênero incorpora o seu próprio mecanismo de censura. Isso se faz basicamente através de rotulagem. São etiquetas que interditam o uso do entendimento que manda apagar a luz da razão para deixar o mundo no escuro, isso se chama obscurantismo”, declarou.

Confira a entrevista completa que foi feita também em vídeo:

Qual o objetivo do curso?

Esse curso tem uma história meio comprida. Em 2015, um grupo de alunos e professores da PUC-GO (Pontifícia Universidade Católica de Goiás) organizou uma equipe de estudos para analisar a “ideologia de gênero”. Foi um trabalho muito bem conduzido nas regras da arte acadêmica. Publicamos um livro coletivo e propusemos um curso sobre o tema, mas em perspectiva crítica. Nosso objetivo é analisar a ideologia de gênero como base de um projeto político, globalista. Muitas vezes, as pessoas confundem as coisas e acham que é apenas uma questão de tolerância. Estamos de acordo que o nosso sistema abre um espaço de liberdade individual e cada um faz o que quiser da sua vida, mas se trata aqui da análise de um projeto político de poder. É uma proposta que sugere uma mudança no senso de pudor, nas pautas morais, no quadro institucional na qual nós organizamos a procriação, o casamento, família. Isso deve ser discutido, mas não é uma coisa que deva ser rejeitada de maneira emocional. É uma coisa que tem que se analisar, discutir, trocar ideias. Se você quer tomar consciência de um erro da sua mecânica mental, você tem que confrontar a mecânica mental dos outros. O objetivo do curso era esse.

O curso foi apresentado como curso de extensão, onde a sistemática é simples. Os interessados submetem a um projeto à vice-reitoria de extensão, que analisa o projeto e repassa a um professor da área que dá um parecer. Se for positivo, o curso acontece, caso contrário, não. A vice-reitora de extensão era uma feminista de carteirinha militante, que vê o projeto, não gosta da abordagem, repassa para um professor gay militante para dar o parecer, e aí capota. A partir de então, estamos dando o curso em todos os espaços que se abrem.

E este curso de agora, como será?

De um ponto de vista político. Pegar isso [ideologia de gênero] como um projeto global. Analisar um fenômeno de colonização cultural. É uma ideologia incubada no sistema das faculdades americanas. A partir daí difundidos para o mundo. É um fenômeno que mostra os mecanismos de imperialismo cultural, mas também de expansionismo jurídico. Como as nações centrais projetam suas regras para as nações periféricas. Vamos mostrar as forças políticas por trás disso, financeiras, as intenções políticas e antropológicas. A proposta de se criar um novo modelo antropológico. O curso é dividido basicamente em quatro partes. A primeira é a construção ideológica: mostra-se a gênese e evolução, como esses conceitos são criados e se juntam; depois, passo para a geopolítica de gênero, mostrando os mecanismos de propagação internacional e os mecanismos de recepção em países como o Brasil; então, eu vou para o que eu chamo de “catequização de gênero”, mostrando como isso entra nas escolas, no aparato audiovisual, na televisão, na indústria cinematográfica. Por fim, falo da instrumentalização do Judiciário. Aqui, mostrando como o movimento de gênero conseguiu desenvolver um modelo de militância forense nos Estados Unidos, e como o país exporta esse modelo com maiores ou menores ajustes culturais.

E aí, eu pego muitos exemplos e mostro casos no Brasil, casos emblemáticos. Assim, eu vou mostrando como o movimento consegue avançar. O movimento não tem maioria no parlamento, mas conseguiu musculosa cumplicidade no judiciário, que oferece um atalho legislativo.

O curso é realizado através da Comissão de Assuntos Religiosos da OAB-GO. Isso influencia em algo?

A minha abordagem não é religiosa. Sou um homem movido por valores cristãos de base, mas na verdade sou um pouco pagão. Quando comecei a reagir ao mundo, eu me senti atropelado nesses valores, mas a abordagem que eu faço é totalmente científica.

O curso recebeu diversas manifestações contrárias nas últimas semanas. Como o senhor recebe?

Eu estou muito acostumado. Nessas alturas, eu sou homofóbico, misógino, sexista, machista. Eles [os militantes] vão me dar um diploma para que eu seja repudiado também. Na realidade, essa mecânica mental opera por exclusão. A ideologia de gênero incorpora o seu próprio mecanismo de censura. Isso se faz basicamente através de rotulagem. São etiquetas que interditam o uso do entendimento, que manda apagar a luz da razão para deixar o mundo no escuro, isso se chama obscurantismo. Não são nem conceitos que apontam para um conteúdo preciso. É como a buzina do programa de calouros, que manda parar de cantar quando desafina. É a maneira de barrar qualquer análise do problema. Eu estou muito acostumado com isso, sei que a coisa funciona dessa forma. Não deveria ser assim, deveria haver um debate aberto sobre isso.

O preconceito é uma ideia que se forma a respeito de um fenômeno e uma realidade antes de conhecê-la. Que tal faz um curso para ter um pós-conceito filosoficamente embasado? Haveria vantagem para todo mundo, já que ao invés de brigar feito gatos e cachorros na rua, seria entre gente inteligente e madura.

O senhor foi chamado de misógino e sexista. Como o senhor enxerga o movimento feminista?

O projeto feminista é um fenômeno sociológico que atravessa séculos. Atitudes reivindicatórias afloram em todas as épocas. As primeiras fases, com certeza, levaram a vitórias notáveis. Basta dizer que há cem anos a mulher nem votava, não tinha plena capacidade jurídica, não podia contratar sem a anuência do marido. Com certeza, o movimento feminista clássico, que se chama de feminismo de equidade, que conquistou a igualdade institucional e legal da mulher, a não ser uma pessoa muito atrasada, não vejo ninguém se opor no momento atual.

Agora, o feminismo de gênero, ele é uma ideologia. Você pega o feminismo de equidade, as mulheres eram femininas de verdade. Elas queriam afirmar uma natureza feminina e fizeram suas revoluções com apoio dos maridos, dos filhos, da família. As feministas de gênero são agressivas, muitas vezes masculinas, não são muito femininas. Se você quer saber, a maior parte das ideólogas de peso são lésbicas. Então, é uma ideologia lésbica. O que elas propõem, finalmente, é a ruína da família. Isso está absolutamente no projeto delas. O pior é que elas não defendem exatamente os interesses da mulher, já que elas negam o próprio modelo binário de masculino e feminino. Você não tem sequer o conceito de mulher na cabeça delas. É uma coisa que transcende à heterossexualidade e homossexualidade. Hoje, você tem uma proposta de sexualidade fluida e pastosa, que se deixa moldar. Então, você não tem nem mais o binário clássico, não tem o espectro intermediário de identidade que você tinha na ideologia LGBT clássica.

O senhor discorda desse modelo de pensamento?

Com certeza. Na realidade, não é isso que falo das minhas aulas, se eu concordo ou se eu discordo. O que eu faço é uma análise científica da coisa. Na minha análise, eu estudo um projeto político e de poder. Isso sem ajuda divina. Eu explico os fenômenos sociais por causas sociais, os fenômenos sociológicos por causas sociológicas, eu vou na química, na biologia. Eu tento ficar nos limites da equação científica. Eu não falo muito de mim, das minhas preferências pessoas, mas como você perguntou, sim, eu discordo desse projeto. Ele para mim tem uma base filosófica errônea. É um projeto que nega o próprio conceito de realidade objetiva. Eu não penso que se possa construir um mundo em cima disso. Uma sociedade complexa na qual nós vivemos, na minha realidade, não consegue funcionar sem referenciais objetivos.

A palavra ideologia é uma palavra composta (ideia e lógica). Ideologia é uma lógica de ideia que é as vezes perfeitamente coerente no plano das ideias. Só que aí se você confronta com a realidade, ela desaba. Não tem necessariamente qualquer correspondência com o mundo real. Talvez esse seja o maio problema desse tipo de cultura. Você nega a realidade objetiva, e aí a realidade existe apenas na medida e nas formas que a minha mente decidir. Eu penso que são bases filosóficas erradas. E tudo isso nega três mil anos de evolução do pensamento humano. Antes de Aristóteles, por exemplo, o homem vivia em uma consciência mágica, achando que fazia sol e chuva e achava que impactava a realidade. Aristóteles mostra que o mundo é regido por leis objetivas, físicas, químicas e matemáticas. Resta ao homem fazer a leitura dessa ordem natural para extrair os princípios que norteiam sua ação. E aí que nós desenvolvemos toda civilização ocidental em cima disso, inclusive a projeto científico. Uma realidade com acesso a razão é uma realidade que tem regras. E aí de repente chega o movimento feminista radical e propõe colocar tudo isso para fora. Que seja, mas tem que discutir isso. E o problema é que o movimento censura e fecha o espaço de discussão.
Por exemplo, quem dá lição de democracia são os países em guerra. Você vai para o Iraque, você vai para o Afeganistão, e você vai ver que nesse países não há mais troca de ideias, só de tiros. A democracia quer trocar um milhão de palavras para não ter que trocar um tiro. Para isso, ela constrói espaços institucionalmente previstos para isso. E a universidade é o lugar por excelência do intelecto, do debate contraditório, e o movimento feminista e LGBT tomou conta desse espaço e não deixa o debate fluir. É um erro.

Vejo a entrevista em vídeo: