Professor Anselmo Pessoa Neto é exonerado da Editora da UFG e critica a reitora Angelita Pereira
09 agosto 2024 às 17h26
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Carta aberta à comunidade universitária
Anselmo Pessoa Neto
Prezados professores, professoras, estudantes, membros da Comunidade Universitária da UFG.
Tenho 63 anos. Minha vida gira em torno da UFG há 43 anos. De 1981 a 1984 como estudante e de 1992 até agora como professor. Meu nome é Anselmo Pessoa Neto.
Muito resumidamente, como estudante, fui vice-presidente e presidente do CA de Letras, Diretor de Cultura do DCE e da UEE. Coordenei a primeira semana ecológica do Campus Samambaia (grande parte das agora árvores do campus, foram plantadas nesse período). Concebi e dirigi as famosas Cestas Culturais do DCEUFG. Fui um dos líderes da conquista do meio-passe estudantil.
Sou professor titular, com todos os títulos acadêmicos: especialização na Itália (Perugia), mestrado na UFG, doutorado na USP e pós-doutorado na Itália (Bolonha).
Como professor, fui coordenador de curso, diretor da Faculdade de Letras por cinco anos e pró-reitor de extensão e cultura da UFG por oito anos. De 28/02/2019 até 02 de agosto de 2024, estive inicialmente como diretor do Cegraf e depois como diretor da Editora UFG.
Tenho orgulho da minha trajetória na UFG e na vida. E foi por conta do orgulho de ter servido com a dignidade que as minhas várias funções sempre exigiram, que não me deixei subjugar pela reitora da UFG – nomeada pelo ex-presidente da República – e muito menos pelo vice-reitor.
Essa dupla quis me impingir que eu arrumasse dinheiro para a Editora UFG de qualquer modo, que eu saísse com uma pastinha atrás de dinheiro. A dupla está convencida de que Goiás está abarrotado de empresários cheios de boa vontade querendo dar dinheiro para a universidade. Só não usam eles mesmos a fórmula que recomendam de buscar dinheiro ou a usam de forma absolutamente precária, pois o que mais temos na UFG é insuficiência de recursos. No fundo, apesar da aparência petista da reitora, o que querem é desobrigar o Estado do financiamento das Universidades Públicas brasileiras.
É sentimento generalizado que atual gestão trata mal as pessoas, não encaminha soluções ou, pelo menos, tentativas de soluções para os muitos problemas que afligem a universidade. Como exemplos, a necessidade que diretores de unidades sentiram de criar um grupo para auxiliar a administração superior; as constantes reclamações do sindicato docente cobrando melhorias nas condições de trabalho; as reclamações dos estudantes de que têm dificuldades até para serem ouvidos.
Antes de me exonerar, a dupla da gestão superior procurou de todo modo me humilhar e humilhou, praticando o que eles dizem querer prevenir: um verdadeiro assédio moral. Cercearam por completo toda e qualquer fonte de recurso público para a Editora UFG. O maior investimento, em termos de trabalho, da editora nesse período, um livro promissor e de feitura complexa, da área da saúde, não foi autorizado pela PROAD (processo nº 23070.064375/2023-74, despachos nº 4526921 e 4544202), mesmo existindo um contrato assinado por todas as partes, inclusive pelo atual vice-reitor. Em nenhuma resolução da UFG está previsto que a PROAD tem o papel de censurar, de dizer o que pode ou não pode ser publicado pela Editora UFG. Nem mesmo, como foi o caso, com a alegação de falta de verba. O que a PROAD fez, com o consentimento dessa reitoria, foi ilegal e imoral. Frustrou totalmente o trabalho de uma vida do autor/professor da UFG, o qual mantém um Instagram, de caráter científico, com quase 200.000 mil seguidores, e de toda a pequena equipe da editora. As decisões do Conselho Editorial da Editora UFG (do qual o agora vice-reitor faz parte e cujo livro supramencionado teve também o seu voto pela publicação), até então, tinham sido respeitadas. Para mudar os procedimentos e dar o papel que foi dado à PROAD, é preciso que haja previsão em documentos normativos institucionais.
Promoveram, para continuarem com o processo de humilhação pública, um workshop (com esse nome mesmo) chamado de “Diretrizes Editoriais da UFG”, em 08 de agosto de 2023. Nenhuma das estruturas da UFG envolvidas com edição e publicação de textos, ou seja, a Editora UFG, o Cegraf UFG, o Ciar e a Coordenação de Periódicos da UFG foram ouvidos para dizerem da sua realidade, das suas condições de trabalho. Nem antes e nem depois desse evento. Convidaram para palestrar três professores que nunca tiveram experiência alguma na gestão de uma editora. Produziram um documento equivocado: longe da realidade e conforme o voluntarismo discursivo que, infelizmente, nos permeia: a boa vontade de resolver as coisas só de boca para fora. Como o intuito era humilhar e o texto concebido em tal “workshop” não tinha importância nenhuma, só fui recebê-lo em 23 de abril de 2024. Quem escreveu o relato do “workshop” é alguém que se esmerou em demonstrar que é vil e ingrato.
Essa equipe do “workshop” desconhecia que eu já havia deixado um documento com a reitora – nomeada pelo ex-presidente da República – e com o seu vice. Esse documento, entregue em 1º de junho de 2022, em que eu propunha abrir uma discussão aprofundada sobre a Editora UFG e o seu papel hoje, pautando o produtivismo exacerbado, o publicar para colocar no Lattes e o fenômeno da digitalização de todos os aspectos da vida, foi ignorado solenemente pelos mandatários casuais da UFG. Há sempre aqueles que não têm a dimensão dos cargos que ocupam.
Queriam que eu solicitasse a minha exoneração da direção da editora, resisti. Engoli em seco, senti dia após dia a humilhação a que estava sendo submetido, e resisti. Não seriam figuras como essas que ocupam, provisoriamente, o mando na universidade, que iriam empanar a minha história na UFG e o orgulho que eu, e isso me basta, tenho dela.
A carência de tradição no ramo editorial das universidades federais brasileiras gera o fato de que em gestões de curta duração seja impossível que um/a professor/a assuma a direção de uma editora e consiga norteá-la a contento. A indústria editorial tem mais de 500 anos, é uma área de estudo das mais importantes no campo das humanidades. Intelectuais do porte de Robert Darnton, Umberto Eco, Roger Chartier, Plínio Martins, dentre centenas e centenas de outros, se dedicaram, se dedicam a estudar as variadas questões que envolvem a produção do livro. Até mesmo o, para muitos, maior economista da modernidade, John Maynard Keynes, se dedicou ao tema. Pois bem, sem conhecimento, pelo menos parcial, dessa história, não se vai ao longe. Sem condições materiais e humanas, depois que já se entendeu minimamente a complexidade da questão, muito menos! A história das editoras universitárias brasileiras é a história das guinadas de direção a cada novo diretor/a. Se está sempre praticamente começando, do ponto de vista da linha editorial, do zero. Cada novo diretor/a chega com os seus pré-conceitos, o que poderia até ser natural, se esses pré-conceitos se transformassem em conceitos por meio do estudo sério, rigoroso, de tudo o que envolve a produção do livro. Se todo novo diretor/a de uma editora universitária se perguntasse, depois de muito ter estudado, sobre qual é o papel de uma editora universitária na atualidade? O primeiro passo teria sido dado com louvor.
Vivemos um momento histórico em que os meios de produção e divulgação do conhecimento passa por transformações e questionamentos profundos, em que a pressão para o publicar para pontuar virou lei, em que a indústria do papel (paper mills) é uma sereia encantadora (que cobra caro o seu preço). Tudo isso, essa história de mais de 500 anos, está em jogo ao se assumir a direção de uma editora universitária. Se, per fortuna, o diretor/a for consciente dessas questões, mas, por sua vez, a administração superior for ignorante a respeito delas e, muito pior, se negar a, pelo menos, discutir todas essas questões, há pouco a ser feito. E o pouco que for feito terá sabor de fracasso.
Eu esperava esse momento de escrever para vocês há muito. Sabia que o momento chegaria, me preparei para isso. Era preciso que alguém se levantasse e dissesse: “o rei está nu”. Todos vemos, mas é preciso que alguém grite primeiro. Eu sempre gritei, quem me conhece sabe. As eleições para a reitoria se aproximam. Creio que um modo forte de a comunidade manifestar a sua rejeição, o que eles demonstram merecer, é dizer: o candidato, a candidata que procurar o apoio dessa dupla NÃO CONTE COMIGO!
Anselmo Pessoa Neto é professor da UFG.
P.S.: Talvez tenha sido ainda mais premonitório do que eu imaginava, o título do meu memorial para professor titular: Antes que me roubem.