Profissionais de saúde em todo o Brasil devem adotar um novo parâmetro para interpretar a pressão arterial dos pacientes. A partir de agora, pessoas com pressão de 12 por 8, antes considerada normal e até mesmo a “ideal”, passam a ser classificadas como em estado de pré-hipertensão. A decisão foi anunciada nesta quinta-feira, 18, durante o 80º Congresso Brasileiro de Cardiologia, realizado em São Paulo.

A atualização foi formalizada em uma diretriz elaborada em conjunto pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e pela Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH).

O que muda com a nova classificação

Até então, a pressão arterial considerada normal era de até 12 por 8. A partir de agora, valores entre 12 por 8 e 13,9 por 8,9 (120-139 mmHg sistólica e/ou 80-89 mmHg diastólica) passam a ser classificados como pré-hipertensão.  

O objetivo da reclassificação é reforçar a prevenção, ampliando o olhar médico para pacientes que ainda não desenvolveram a hipertensão de fato, mas que já apresentam um risco maior de complicações como infarto, AVC e insuficiência renal.

Em entrevista ao Jornal Opção, o cardiologista Dr. Arthur Pipolo explica os impactos dessa mudança. Segundo ele, “não é doença, é um sinal amarelo. Quem está em 12 por 8 não precisa de remédio, mas deve reforçar hábitos saudáveis. É uma fase de prevenção para não virar hipertensão de verdade.”

O médico explica ainda que estudos recentes demonstraram maior risco de eventos cardiovasculares em pessoas que, mesmo dentro dessa faixa antes considerada normal, não mudaram seus hábitos. Agora, antes que a hipertensão esteja instalada, os médicos passam a identificar e orientar pacientes nessa zona de risco. “O paciente não precisa se desesperar, mas deve encarar como um aviso: se não cuidar agora, pode virar hipertenso mais cedo. 12 por 8 não é mais ‘nota 10’, é um alerta.”

Dr. Arthur Pipolo | Foto: Arquivo pessoal

Já o cardiologista Dr. Marcos Perillo reforça que a decisão acompanha a tendência internacional. Ele lembra que as diretrizes europeias já haviam endurecido o conceito, chegando a adotar valores ainda mais rígidos.

“A diretriz europeia, que foi uma autorização mais recente, ela já trouxe valores mais baixos inclusive até 12 por 6. Então, seguindo essa tendência mundial, a sociedade brasileira com seus dados e estudos, concordou com essa ideia de alertar a população num momento mais inicial da doença cardiovascular. O grande objetivo da cardiologia é prevenir”, afirma ao Jornal Opção.

Segundo ele, o grande divisor está em compreender que, acima de 12 por 8, já começam a surgir alterações nas artérias que, ao longo do tempo, podem evoluir para doenças cardiovasculares graves. “O cardiologista precisa agir e o paciente precisa se conscientizar que essa faixa requer medidas para não deixar ela chegar em um 14 por 9 e não colher os problemas que vão acontecer a médio e longo prazo.”

Ajuste nas metas de tratamento

A nova diretriz não altera apenas o conceito de pré-hipertensão, mas também redefine as metas de controle para quem já possui diagnóstico de hipertensão. Antes, o objetivo era manter os níveis abaixo de 14 por 9. Agora, o patamar foi reduzido para 13 por 8, reforçando a necessidade de ajustes nos tratamentos já existentes.

“Esse 13 por 8 é a meta para quem já está diagnosticado, né? Então para o paciente não ficar confuso, a meta para quem não é hipertensivo é abaixo de 12 por 8 e para quem já toma medicação, para quem já tem o diagnóstico, a gente vai ajustar a medicação até a gente chegar nesses valores abaixo de 13 por 8”, explica Dr. Perillo.

Dr. Marcos Perillo | Foto: Arquivo pessoal

Ele também destaca os avanços na chamada polipílula, que reúne duas ou até três substâncias em um único comprimido, facilitando a adesão ao tratamento. “Hoje a gente consegue dar esses três medicamentos em uma tomada só. Em um comprimido pela manhã, é algo que a gente está conseguindo implementar e o paciente tomando certinha medicação, aderindo ao tratamento, ele consegue trazer essa meta para 13 por 8.”

A diretriz também traz orientações sobre o início do tratamento medicamentoso. Quem registrar valores entre 13 por 8 e 13 por 9 por três meses consecutivos, sem resultados a partir de mudanças no estilo de vida, pode ter a indicação para começar o uso de medicamentos. Já aqueles com pressão a partir de 14 por 9 devem iniciar a terapia medicamentosa imediatamente.

Pressão e prevenção no dia a dia

Os médicos explicam que a mudança de classificação vai exigir maior vigilância, especialmente por parte dos profissionais da atenção primária. “O médico de família será a linha de frente dessa mudança. Eles vão identificar pacientes já em pré-hipertensão e reforçar cuidados de prevenção. A conduta não é medicar mais, mas orientar melhor”, diz o Dr. Pipolo.

Na prática, o acompanhamento deve ser mais frequente. Se antes muitos pacientes retornavam ao consultório apenas a cada seis meses ou um ano, agora a recomendação é de consultas a cada quatro semanas até estabilizar os níveis de pressão. Dr. Perillo ressalta que o primeiro passo é ajustar a alimentação e reduzir o consumo de sal e alimentos ultraprocessados.

“A gente precisa manter a pressão do limite para baixo. Então quando chegar no 12 por 8 a gente já vai começar a tomar medidas não farmacológicas, não medicamentosa, então a gente vai começar a pedir para o paciente reduzir a ingestão de sódio, do sal, de comidas industrializadas em geral, pedir para aumentar a ingestão de potássio, por exemplo, o que todo mundo conhece, banana, mas existem folhas verdes escuras, tudo isso tem muito potássio, isso ajuda na regulação da pressão”, explica.

Além da dieta, ele destaca a importância de seguir o modelo DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), validado por sociedades médicas em todo o mundo. “Ter uma dieta à base de oleaginosas, que são as castanhas, farelos, aveia, linhaça, chia, azeite extra virgem, mais carne e evitando gordura saturada, e em geral menos gordura também, faz parte dessa dieta DASH.”

Outro ponto citado pelo Dr. Marcos Perillo é a prática de exercícios físicos. “A recomendação atual é, no mínimo, 150 minutos de exercício moderado na semana e o que está super na moda, é o tratamento da obesidade. A obesidade hoje não é uma doença que a gente pode tolerar também, tem que ser tratada assim que diagnosticada porque a gente sabe que isso pode levar a uma irregularidade na pressão na maioria dos casos”, reforça o cardiologista.

Evidências científicas e risco cardiovascular

A decisão das sociedades médicas foi baseada em evidências científicas que mostram que valores menores de pressão arterial estão associados a menor risco de lesão nos órgãos-alvo, como coração, rins e cérebro.

“Pesquisas que vêm comparando as medidas de pressão vêm mostrando para a gente que valores menores são melhores, são mais adequados para a gente prevenir o que a gente chama de lesão arterial e consequentemente a lesão dos órgãos alvos”, destaca o Dr. Perillo.

Quando a pressão se mantém controlada em níveis como 11 por 7, há proteção vascular e menor desgaste desses órgãos. “Mesmo que a gente não esteja ali no 14 por 9, que é o hipertenso clássico, a gente já começa a ter um grau de desgaste dessas artérias e desses órgãos alvos. Então a gente com essa meta mais rigorosa, digamos assim, a gente está pensando lá na frente, para que esse paciente, na hora que ele chegue ali nos seus 70, 80, 90 anos, ele tenha menos lesão de órgão alvo possível e com isso ele consiga ter, além de uma diminuição de mortalidade, uma maior longevidade, que é viver mais e melhor.”

O Dr. Arthur Pipolo complementa que a mudança reflete a evolução da medicina. “A medicina evolui conforme as evidências. Mesmo em 12 por 8 já existe mais risco de infarto e derrame. O foco é prevenção.”

Estima-se que cerca de 30% da população adulta brasileira já viva com pressão alta diagnosticada, e o número pode ser ainda maior se considerados os casos não diagnosticados. Para o Dr. Perillo, o cuidado precisa ser levado mais a sério pelos pacientes. 

“A hipertensão é uma doença que acomete um terço da população no Brasil e é a doença que está diretamente relacionada a todas as doenças cardiovasculares que é o que mais mata no mundo. Então, assim, a hipertensão é uma doença que não é muito levada a sério como a gente gostaria, porque é ela que se for pegar no pé da letra, ela é a doença que mais mata no mundo.”

O grande desafio agora está na aplicação dessas mudanças no cotidiano dos atendimentos. “A mudança não é para assustar, mas para conscientizar. Quanto antes a pessoa adotar hábitos saudáveis, menor a chance de precisar de medicamentos e maior a chance de proteger o coração e o cérebro. Cuide da pressão cedo para não precisar de remédio depois”, finaliza o Dr. Pipolo.

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