A aprovação, pelo Senado, do Exame Nacional de Proficiência em Medicina (Profimed) deveria ser encarada não como um obstáculo à carreira médica, mas como uma medida urgente de proteção à sociedade e de responsabilização do próprio sistema de ensino superior.

Num país que viveu, nos últimos quinze anos, uma expansão desordenada de escolas de medicina, é ingenuidade, ou conveniência, fingir que todos os cursos oferecem a formação mínima necessária para entregar à população profissionais aptos a lidar com vidas humanas.

Os números falam por si. Entre 2010 e 2013, o Brasil viu o total de cursos de medicina mais que dobrar, saltando de 181 para 401. Trata-se de um crescimento de 127%, impulsionado sobretudo por grupos privados que enxergaram na formação médica um negócio altamente lucrativo.

O setor movimenta R$ 26,4 bilhões por ano, e essa cifra explica muito do que está por trás da resistência à criação de um exame obrigatório: quanto maior o rigor, maior a chance de expor a fragilidade de cursos improvisados para gerar lucro rápido.

Não é coincidência, portanto, que 20% das graduações avaliadas em 2023 não tenham atingido qualidade satisfatória. O problema é estrutural e crescente.

E, diferentemente de outras profissões, a medicina não permite margem de erro. Um advogado despreparado pode prejudicar um processo; um médico despreparado pode tirar uma vida. Nesse cenário, o Profimed surge como um filtro mínimo.

Não resolve todos os problemas, mas impede que a ausência de fiscalização e a abertura indiscriminada de cursos continuem transferindo o risco ao paciente mais vulnerável, aquele que não tem condições de escolher seu médico, seu hospital ou sua rede de saúde.

Os críticos afirmam que a prova seria uma punição ao estudante, quando na verdade o Profimed é uma denúncia silenciosa da precarização da formação médica. Se uma instituição teme que seus alunos não passem no exame, o problema não é o exame: é a instituição.

A prova obriga faculdades a se comprometerem com padrões mínimos de qualidade, algo que hoje claramente não existe de forma homogênea. Além disso, ao formalizar o Enamed, avaliações no 4º e 6º ano, o país finalmente adota um mecanismo contínuo de diagnóstico da formação.

É o tipo de política pública que permite corrigir falhas antes que elas se transformem em tragédias nos hospitais. A proposta de ampliar as vagas de residência também é essencial.

A formação médica não termina na graduação, e o Brasil historicamente produz mais médicos do que vagas disponíveis para especialização, criando um funil que prejudica tanto profissionais quanto a qualidade do atendimento.

Outro ponto importante é a equivalência do Profimed ao Revalida. A unificação evita duplicidade de provas e traz racionalidade a um processo burocrático que sempre foi fonte de insegurança para quem se forma no exterior.

Em vez de dois exames diferentes, um único critério nacional de proficiência passa a valer para todos. Isso é eficiência. A crítica mais ruidosa vem do governo, que argumenta que o exame pode “elitizar” a profissão.

Mas elitista é permitir que instituições cobrem mensalidades altíssimas e ofereçam ensino de baixa qualidade. Elitista é manter um sistema que não protege o paciente pobre da negligência causada por má formação.

O que o Profimed propõe é o contrário: a democratização da segurança e da confiança no atendimento médico. O Brasil não pode aceitar que o diploma seja confundido com competência. A prova não é inimiga dos estudantes; é aliada dos pacientes e, por consequência, dos bons médicos.

Profissionais preparados, dedicados e comprometidos não devem temer uma avaliação. Devem exigi-la. Criar o Profimed é reconhecer que a medicina não pode ser tratada como um negócio qualquer.

É reafirmar que vidas humanas valem mais do que balanços contábeis. E é, acima de tudo, um pacto público com a qualidade, a responsabilidade e o cuidado. Se a saúde é um direito, a boa formação médica também deve ser.

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