Uma nota técnica do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) revelou a extensão alarmante do garimpo na Amazônia brasileira, identificando 80.180 pontos de garimpo em uma área de 241 mil hectares, equivalente a mais de duas vezes o tamanho de Belém. Um hectare equivale a 10.000 metros quadrados. Em termos comparativos, 241 mil hectares correspondem a mais de 300 campos de futebol.

Destes, 10,5% estão em 17 terras indígenas, totalizando 25 mil hectares diretamente invadidos. Além disso, outros 122 territórios e seus rios foram afetados pelas atividades de garimpo, contaminando as bacias hidrográficas. Mesmo fora das terras indígenas, a mineração está a uma proximidade preocupante, com 44% dos pontos de garimpo localizados a até 50 quilômetros das bordas desses territórios.

A coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM, Martha Fellows, ressalta que o impacto se estende além das áreas diretamente afetadas, contaminando rios, solos, fauna e flora, e afetando a saúde dos povos indígenas da região. A mineração ilegal, principalmente a realizada em garimpos de aluvião para e exploração de ouro, é uma atividade que gera impactos ecológicos e socioculturais diretos onde se instala.

A nota técnica destaca que o auge da invasão de terras indígenas amazônicas pelo garimpo ocorreu entre 2016 e 2022, durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Nesse período, os povos indígenas testemunharam um aumento de 361% na atividade em seus territórios, representando 78% de toda a área invadida por garimpeiros. Essa velocidade de invasão supera o avanço do garimpo em outras áreas da Amazônia, crescendo 16 vezes dentro das terras indígenas e 12 vezes em todo o bioma entre 1985 e 2022.

As terras indígenas mais afetadas são Kayapó, Munduruku e Yanomami, que juntas concentram 90% da área indígena invadida por garimpos. O território Kayapó, habitado por povos Mebêngôkre e isolados às margens do rio Xingu, no Pará, lidera com 55% de toda a área garimpada em terras indígenas na região. A mineração ilegal cresceu de forma alarmante nessas terras ao longo dos anos, com aumentos de 1.339% na terra Kayapó, 129 vezes na terra Munduruku e mais de 20 mil vezes na terra Yanomami.

Flexibilização na lei

A nota técnica ressalta que o aumento sem precedentes na área de garimpo em terras indígenas e na Amazônia brasileira é atribuído à flexibilização legal durante o último ciclo legislativo. A análise do histórico de regulamentação das atividades minerárias revela abordagens distintas adotadas pela legislação, com uma disputa entre mecanismos que buscam garantir a segurança socioambiental e tentativas de afrouxar ou até desrespeitar os direitos indígenas fundamentais.

Para garantir a integridade socioambiental das áreas afetadas pelo garimpo, a própria Constituição Federal é citada, enquanto as facilidades para o exercício dessa atividade são evidenciadas em leis como a Lei da Boa-fé e o Estatuto do Garimpeiro. Reforçar a legislação minerária e indigenista é uma recomendação da nota, que apoia a implementação de um sistema de rastreio da produção e comercialização do ouro, conforme previsto no Projeto de Lei n° 3.025/2023.

Além disso, destaca-se a necessidade urgente de desintrusão de garimpos em terras indígenas, com prioridade para as mais afetadas, e a criação de um plano para evitar a reincidência, fortalecendo órgãos de fiscalização em ações coordenadas com órgãos indigenistas para garantir o respeito aos povos e suas culturas.