Polícia Federal diz que Lula, Dilma e Mercadante tentaram interferir na Lava Jato
20 fevereiro 2017 às 14h40
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Relatório faz referência à nomeação do ex-presidente como manobra para garantir foro privilegiado. Ex-ministro é acusado de tentar barrar delação de Delcídio do Amaral
Em relatório entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal afirmou que os ex-presidentes Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) tentaram interferir na Operação Lava Jato. Além dos dois, também foi citado o ex-ministro da Casa Civil e da Educação, Aloizio Mercadante, que foi acusado, além de por tráfico de influência, por obstrução de Justiça.
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A Polícia Federal sugere que os três sejam denunciados criminalmente, entendendo que há provas suficientes contra eles. Como nenhum deles detém foro privilegiado, eles seriam denunciados no primeiro grau judicial, na Justiça Federal do Distrito Federal.
As acusações foram feitas com base no episódio em que a então presidente Dilma nomeou, em março de 2016, o ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Muito criticada, ela foi acusada de tentar manobra para garantir foro privilegiado ao petista e fazê-lo “escapar” do juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato em Curitiba.
Na época, Lula chegou a assumir a função, mas por pouco tempo, já que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, acatou pedido do PPS e do PSDB e julgou que a intenção dos dois era “tumultuar” a operação. Semana passada, no entanto, Lula pediu a revisão da decisão logo depois que um caso semelhante recebeu decisão diferente.
Apesar de seu colega ter barrado a posse de Lula, o ministro Celso de Mello resolveu permitir que Moreira Franco (PMDB), citado diversas vezes em delações premiadas de executivos da Odebrecht, fosse nomeado para a Secretaria-Geral da Casa Civil. A pasta estava extinta, mas foi recriada pelo presidente Michel Temer (PMDB) para acomodar Moreira Franco.
Já Mercadante é acusado de tentar impedir que o ex-senador Delcídio do Amaral (Sem partido) fizesse delação premiada. Ele foi gravado em conversa com o ex-chefe de gabinete de Delcídio, Eduardo Marzagão. O ex-parlamentar foi preso em novembro de 2015, acusado de tentar organizar a fuga do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró.
Em nota, a defesa de Lula afirmou que as acusações são desprovidas de fundamento jurídico e inclusive cita a decisão de Celso de Mello para embasar seus argumentos. “Celso de Mello foi claro em sua decisão ao afirmar que ‘a investidura de qualquer pessoa no cargo de Ministro de Estado não representa obstáculo algum a atos de persecução penal'”, escreveram.
Confira a nota resposta da defesa de Lula:
É desprovida de qualquer fundamento jurídico e incompatível com a decisão proferida no último dia 14/02/2017 pelo Decano da Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello, nos autos do Mandado de Segurança nº 34.690/DF, a conclusão apresentada pelo Delegado Federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos nos autos do Inquérito Policial nº 4.243, que também tramita perante o STF — afirmando, conforme notícias já veiculadas pela mídia, “haver suficientes indícios de materialidade e autoria” da prática do crime de obstrução à Justiça (Lei nº 12.850/2013, art. 2º, §1º) em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em virtude de sua nomeação para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República no dia 16/03/2016.
Celso de Mello foi claro em sua decisão ao afirmar que “a investidura de qualquer pessoa no cargo de Ministro de Estado não representa obstáculo algum a atos de persecução penal que contra ela venham eventualmente a ser promovidos perante o seu juiz natural, que, por efeito do que determina a própria Constituição (CF, art. 102, I, alínea “c”), é o Supremo Tribunal Federal”.
Esse entendimento, no entanto, não vale para Lula. No dia 20/03/2016, o ex-Presidente foi impedido de exercer o cargo de Ministro de Estado a despeito de preencher todos os requisitos previstos no artigo 87 da Constituição Federal. O impedimento foi imposto por liminar deferida pelo Ministro Gilmar Mendes, que mudou seu posicionamento de longa data sobre a ilegitimidade de partidos políticos para impugnar esse tipo de ato e acolheu pedidos formulados pelo PSDB e pelo PPS.
Agora um agente policial pretende transformar em crime um ato de nomeação que cabia privativamente à então Presidente da República Dilma Rousseff. Para chegar a tal conclusão, o agente público recorreu à “mídia especializada em política”, mas deixou de apresentar qualquer fundamento jurídico para sua manifestação.
Registra-se que carece de fundamento igualmente a outra acusação contra Lula de obstrução à Justiça, aquela relativa à suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró. Os depoimentos colhidos nessa ação têm exposto a fragilidade da tese, principalmente considerando que o próprio Cerveró desmentiu qualquer ação do ex-Presidente no sentido de retardar sua delação.
O ato do Delegado Federal Marlon Cajado se soma a diversas outras iniciativas de agentes públicos que perseguem Lula por meio do uso indevido da lei e dos procedimentos jurídicos, prática internacionalmente conhecida como “lawfare”.
Esperamos que o STF rejeite a proposta do citado agente policial e aplique em relação a Lula o mesmo entendimento que é destinado aos demais jurisdicionados.
Cristiano Zanin Martins