O Projeto de Lei Ordinária nº 03/2024 busca criar, na estrutura organizacional da Delegacia-Geral da Polícia, a Delegacia Estadual de Atendimento à Vítima de Crimes Raciais e de Intolerância (Deacri). O projeto começou a tramitar na última terça-feira, 20, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o primeiro presidente negro da Apeg (Associação dos Procuradores do Estado de Goiás), Claudiney Rocha, fala sobre a conquista para a população. “O racismo se manifesta de forma mais explícita mediante atos de preconceito, onde alguém trata oralmente de forma objetiva e verbaliza um preconceito. Mas a gente tem noção de que o racismo é muito mais amplo do que isso. Existe um racismo estrutural e a todo momento a gente precisa refletir sobre qual que é o lugar do negro na sociedade brasileira”.

O último Anuário de Segurança, publicado em meados do ano passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstra que os casos de racismo triplicaram em Goiás no período de um ano, registrando o maior índice de crescimento desse tipo de crime no país. Conforme o levantamento, os crimes de injúria racial também avançaram, com aumento de 48%, elevando Goiás à 5ª posição entre os estados com o maior número de registros dessa natureza.

“As estatísticas são alarmantes. E ainda devemos destacar que há considerável subnotificação de casos, sobretudo porque muitas vítimas deixam de registrar suas denúncias, às vezes por medo ou por uma sensação de que a violência que sofreram permanecerá impune. Assim, a criação desta delegacia especializada representará um marco no combate ao racismo e à injúria racial em Goiás”, destaca o presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás (Apeg), Claudiney Rocha.

Primeiro negro a presidir a Associação, Claudiney defende outras frentes de ação estatal com o objetivo de promover a igualdade racial e reduzir a injustiça social. Uma delas é a inclusão de cotas raciais em todos os concursos públicos do estado de Goiás. Por iniciativa do procurador, Anape encaminhou ofício às PGEs de todo o país recomendando a instituição de cotas raciais nos concursos destes órgãos.

“Como uma pessoa que teve sua vida mudada pela educação e pelo concurso público, eu defendo cota racial não só no sistema educacional mas também no concurso público como uma forma complementar para a gente mudar o estado de coisas do racismo estrutural na sociedade brasileira”, pontuou Claudiney.

O que muda com a delegacia

Atualmente, em Goiás, existe um Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), sob titularidade do delegado Joaquim Filho Adorno. Para virar uma delegacia própria especializada, como é um órgão público, ela deve ser criada por meio de uma lei. Apenas outros quatro estados brasileiros – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul – possuem delegacias especializadas em crimes raciais.

Claudiney explica que com a criação da delegacia especializada, as investigação contra crimes raciais serão melhoradas e os casos serão melhores apurados. Esses casos não vão passar em branco e não vão também ser deixados para trás por uma delegacia que seja generalista ou eventualmente dê prioridade para desvendar outros casos.

Claudiney Rocha, Procuradore do Estado de Goiás. | Foto: Arquivo

Além de atuar na esfera criminal, a Deacri, de acordo com a proposta do Executivo, atuará também como Delegacia Escola, com a atribuição de receber alunos da Escola Superior da Polícia Civil e “promover a integração do conhecimento teórico à prática policial, em busca da uniformização do conhecimento fundado na dignidade da pessoa humana”, prevê o PL.

“Essa atribuição é importante para que as vítimas sejam acolhidas nestes espaços e se sintam de fato encorajadas a denunciar toda e qualquer forma de violência causada por discriminação racial”, avalia Claudiney Rocha.

“Estado conservador e patriarcal”

“Estamos num Estado que é muito conservador e tem um pensamento ainda patriarcal como ampla maioria. Eu acho que as dificuldades de avanço decorrem daí, em alguma medida”, explicou Claudiney. O Tribunal de Justiça, por exemplo, já implementou a questão da cota racial no concurso para magistratura. Outros órgãos também já implementaram, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. “Nós acreditamos que é importante a PGE também adotar, e não só ela, mas tudo o executivo, uma lei geral para que todo concurso no Estado contemple a cota racial para que, de fato, haja essa representatividade.

Segundo pesquisa da Anape, 22% dos procuradores de todo o país se identificaram como pardos e 2,4% como pretos. Embora seja tratada como minoria, a população negra representa a maior parte da população brasileira (55,5%), segundo o IBGE. “É uma população que é inferiorizada. 77% das vítimas de homicídio no Brasil são negras. 70% da população carcerária é negra. Enquanto isso, só 30% dos cargos de gerente na iniciativa privada são ocupados por pessoas negras”, completou Claudiney.

Importância da representatividade

A revista Forbes, conhecida por sua abordagem sobre empresários e bilionários, demonstra preocupação com a diversidade, equidade e inclusão. Recentemente, lançou uma edição especial dedicada a esses temas, destacando como a liderança de pessoas negras, como Carlos de Sion, no topo das empresas, contribuindo para a competitividade da empresa através da representatividade.

“A representatividade faz com que haja mais criatividade, avanço e evolução. Ações afirmativas não são para simplesmente privilegiar um determinado grupo. Existe ainda a questão da reparação histórica, mas é fundamental falar sobre representatividade do ponto de vista da eficiência. Isso melhora a visão e aprimora a empatia com a população”.

“Além disso, é fundamental destacar que a questão racial não deve ser estigmatizada como uma pauta exclusivamente de esquerda”, completa Claudiney. Ele explica que a pauta está enraizada na Constituição e é um compromisso republicano de reduzir todas as formas de desigualdade, incluindo as desigualdades regionais, de gênero e raciais. Portanto, abordar a questão racial é essencial para resolver os problemas do Brasil, especialmente ao considerar a desproporcionalidade na representatividade e no acesso ao poder enfrentada pela população negra.