Especialistas em Direito Tributário e Constitucional dizem que a medida que viabiliza o Auxílio Brasil fura teto de gastos, demonstra falha de planejamento e interesse político na aprovação do subsídio a qualquer custo

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/2021 no Senado representa grande risco fiscal para o Brasil e demonstra a falta de planejamento do governo para enfrentar as prioridades do país, avaliam especialistas em Direito Tributário e Constitucional. A PEC 23/2021, conhecida também como PEC dos Precatórios, cria dentro do Orçamento da União de 2022 um intervalo fiscal estimado em R$ 106 bilhões para custear o programa Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família.

“O esforço para possibilitar a existência de programas sociais que mitiguem as consequências da pandemia para a sociedade e para economia é válido. O problema é que, por outro lado, os credores de precatórios no Brasil tenham que pagar essa conta que, em tese, dado o regime constitucional anterior, já deveriam estar pagas. Trata-se de um calote do calote”, afirma Antonio Carlos de Freitas Júnior, doutor em Direito Constitucional e Eleitoral pela Universidade de São Paulo (USP).

Com a transferência de renda de R$ 400 mensais aos beneficiários, especialistas informam que a PEC apresenta uma mudança na fórmula de cálculo do teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 95/2016 e ainda cria um subteto para o pagamento de precatórios das dívidas da União. O texto aprovado no Senado traz uma alteração que determina que até o ano de 2026 esse espaço fiscal aberto será vinculado apenas a gastos sociais como programas de transferência de renda, Saúde, Previdência Social e Assistência Social.

Como já havia uma previsão de que esses precatórios seriam devidos, uma vez que são dívidas consolidadas durante anos relativas a processos já transitados e julgados, criou-se um problema fiscal de grande montante para o país. “A PEC dos precatórios demonstra um verdadeiro calote por parte do Governo Federal. Tendo em vista que a previsão para pagamento dessas dívidas já existia anteriormente, não se trata de um meteoro que apareceu de uma hora para a outra, como alega o ministro Paulo Guedes”, ressalta Gabriel Quintanilha, advogado especialista em Direito Tributário e Econômico e professor de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Segundo o advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, as modificações colocadas no Senado de mudar o período de vigência de 2036 para 2026 deram o contorno para que seja um regime excepcional para o contexto atual devido à crise econômico-social. “Conforme estava no texto anterior, havia espaço para aproveitar o momento para dar um calote de longo prazo”, diz ele. “No entanto, esse novo cálculo flexibiliza o teto de gastos e o deixa mais permeável ao aumento de gastos. Isso é ruim para o contexto brasileiro porque permite-se mais gastos sem controle fiscal que deveria ser feito”, alerta o especialista.

O ajuste fiscal é uma questão que deveria ser enfrentada por ambas as casas legislativas e pelo Governo, mas com a PEC os credores dos precatórios é que acabarão pagando a conta. “Não houve um enfrentamento direto das prioridades governamentais de melhorar a performance do Estado, não houve ações diretas de como lidar melhor com as empresas públicas, ou de estudar privatizações, ou de criação de formas do Estado gastar menos ou, ainda, de como aperfeiçoar a arrecadação sem necessariamente aumento direto de tributos. O governo não fez a sua parte e os custos ficaram a cargo do furo do teto e do prolongamento dos precatórios já reconhecidos pelo Estado e pelo Judiciário”, explica Freitas Júnior.