Patriotismos diferentes entre Eduardo Bolsonaro e Edward Abbey

01 agosto 2025 às 08h48

COMPARTILHAR
O poeta Mário de Andrade falou num poema sobre seu desejo em relação à destinação das partes do seu corpo após sua morte. Seu avô materno, Joaquim de Almeida Leite Moraes, já foi presidente da Província de Goiás de 1/2/1881 a 9/12/1881. O avô trouxe consigo de São Paulo, numa longa e exaustiva jornada de 800 quilômetros realizada a cavalo, um jovem para ser seu secretário particular — Carlos Augusto de Andrade — , o qual, alguns anos depois, se tornou seu genro (ele se casou com Maria Luísa de Almeida Leite Moraes de Andrade) e dessa forma o casal se tornou pais do poeta autor de “Macunaína”: obra mais icônica do Modernismo brasileiro.
Consta na obra que o personagem Macunaíma — o herói sem caráter (coisa tão comum em nossos dias) — chega a mencionar Goiás: “Pois então Macunaíma adestro na proa tomava nota das pontes que careciam construir pra facilitar a vida do povo do goiano”. Goiás entrou no romance de Mário sorvido no livro do avô: “Apontamentos de Viagem”, que é resultante das anotações que ele fizera no percurso da vinda e da volta, como também de suas ações enquanto presidente no torrão goiano.
Voltando ao desejo de Mário de Andrade, ele, no poema “Quando eu morrer”, pediu que seus pés, nariz, olhos, mãos, coração e sexo fossem deixados em vários locais de São Paulo. Fez, no entanto, uma recomendação específica sobre a destinação de suas tripas: que fossem atiradas ao diabo, visto que seu espírito iria para Deus.
Já o escritor, ensaísta e ativista ambiental americano Edward Abbey teve o seu desejo sobre a destinação do seu corpo literalmente realizado. Sua vontade não foi meramente um poema. Diferente de Mário, não pediu a dispersão das partes do corpo, mas que este fosse colocado dentro de um saco de dormir, sem caixão e enterrado numa cova anônima em um local qualquer do deserto do Arizona. Abbey entra nesta crônica mais por causa de uma frase sua muito pertinente ao momento politico por que passa o Brasil. Segundo ele, em seu livro “Deserto Solitário”, “um patriota deve sempre estar pronto para defender seu país contra seu governo”.
Vejo o patriotismo de Abbey diferente do de Eduardo Bolsonaro, que picou a mula do Brasil (certamente com medo de xilindró). Foi morar no Estados Unidos, cujo presidente parece estar embriagado do ópio absolutista do rei francês Luís XIV (Rei Sol), que dizia que o estado era ele. Com Trump a frase é outra: “Os Estados Unidos sou eu”. Diferente de Luís XIV, que reinou por 72 anos, Trump tem de apear da Casa Branca em 2028. Afinal, como consta na 22ª emenda da Constituição dos EUA, “ninguém poderá ser eleito para o cargo de presidente mais de duas vezes”. Como está picadíssimo da mosca azul, pode se valer do seu gigantesco poderio financeiro para silenciar a respectiva emenda e assim realizar sua ambição desmedida. É esperar para ver como reagirá a Suprema Corte americana. Em 1974, no caso Watergate, ela obrigou o então presidente Richard Nixon a entregar umas gravações de áudio relacionadas ao escândalo. Nixon não peitou…

Eduardo Bolsonaro passa a impressão de que deseja uma situação de caos no Brasil e que esse caos seja protagonizado pelos Estados Unidos. Imagino que ele queira uma invasão militar americana. O sangue em seus olhos é perigoso, inclusive para si mesmo. Não creio que ele já tenha lido alguma coisa do Thomas Paine (1737 — 1809). Na verdade, acho que só lê as postagens que faz e de outras afins que puxem a brasa para a sardinha do que ele defende: a intervenção militar americana, haja vista que a arquitetada por aqui por seu clã foi contida por alguns generais engajados no cumprimento da nossa Constituição. A independência dos Estados Unidos da Inglaterra teve atuação importante de Paine. Seu panfleto “Senso Comum” teve um papel importante em disseminar a necessidade da libertação dos americanos.
Lendo-o com atenção, percebi que o poeta e escritor americano Henry David Thoreau (1817 – 1862) bebeu nele algumas ideias para escrever seu livro “Desobediência Civil”. Livro este muito apreciado por duas personagens ilustres que foram abjetamente assassinadas por lutarem por justiça e igualdade social: Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr. Paine nasceu na Inglaterra e morreu nos Estados Unidos.
Paine disse algo valioso que Eduardo precisa saber: “Quem quer garantir a própria liberdade deve preservar da opressão até o inimigo; pois, se fugir a esse dever, estará a estabelecer um precedente que até a ele próprio há de atingir”. Arrisco a dizer que Eduardo esteja cuspindo para cima…
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
Leia também: Massa fecal no cérebro