Um dossiê da Comissão Pastoral da Terra revela os impactos do uso crescente de agrotóxicos nos cursos de água do Cerrado. O documento intitulado “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado” denuncia o aumento crescente no uso dessas substâncias no Cerrado desde 2015. O levantamento aponta mais de 600 milhões de litros de pesticidas pulverizados no Cerrado por ano.

O uso dos agrotóxicos é associado às monoculturas que ocupam a paisagem do bioma. Soja, Milho e Cana de Açúcar são os campeões no uso dos agrotóxicos. O dossiê revela que “do total utilizado no país, mais de 63% são destinados à soja, seguida do milho (13%) e da cana-de-açúcar (5%)”. Analisando dados de 2018, é possível perceber que o uso de agrotóxicos no Cerrado representou 73,5% das substâncias usadas em todo o país.

“O que pensar quando a água de beber é perigosa demais? Ou quando os peixes do rio, fontes de alimento, estão mortos antes da pesca? O que pensar quando as pragas das lavouras de soja são deslocadas para as plantações e árvores frutíferas comunitárias?”, questionam.

O relatório denuncia também a permissividade do Estado com relação a essa questão. Um ponto levantado foi a “renúncia fiscal concedida ao mercado de agrotóxicos pelo Estado brasileiro, desobrigando uma série de contribuições e recebendo redução de impostos”. Outro ponto questionado, foram as leis recentemente aprovadas: “O ápice da flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos é representado pela possibilidade de aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 1.459/2022 (antigo PL nº 6.299/2002), também conhecido como PL do Veneno”.

O levantamento trabalha ainda os impactos sociais dessa expansão (com destaque para comunidade ribeirinhas, quilombolas e indígenas), critica os métodos adotados pela agroindústria, mostra os efeitos físicos das substâncias no organismo humano entre outros pontos ligados ao uso intensivo dos pesticidas. Clique aqui (https://campanhacerrado.org.br/images/biblioteca/dossie-agrotoxicos-aguas-cerrado.pdf) e acesse o dossiê completo.

Na voz da especialista

Em entrevista ao Jornal Opção, a professora Simone Maria Teixeira , do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), comenta os danos causados pelo uso crescente dos agrotóxicos na produção agrícola. “Os animais acumulam esses componentes tóxicos nos organismos, e acabam transferindo dentro da cadeia alimentar essas substâncias, e isso chega na gente”, explicou como o dano causado se espalha por todo o ecossistema. O fenômeno é chamado de bioacumulação.

Mesmo que a aplicação do agrotóxico de forma minimamente localizada, “ele acaba por atingir populações de seres vivos não alvo”, explica a docente. Animais que entram em contato com a substância, a chuva que leva o agrotóxico aos cursos d’água próximos e o consumo das próprias plantas nas quais foram aplicadas o pesticida são formas de espalhar os riscos de seu uso excessivo.

O Dossiê da Pastoral da Terra trabalha especificamente os riscos para os cursos d’água. A pesquisadora explica que, ao entrar em contato com a água, os agrotóxicos estimulam aumento nos níveis de nitrogênio, fósforo e grupamentos fosfatos. Esse aumento traz uma reprodução exagerada de cianobactérias, algas e microalgas. Por sua vez, esses seres vivos “podem sintetizar algumas substâncias que para elas são naturais e para os outros seres vivos são toxinas”. Eventualmente, isso pode levar à morte da fauna e flora nos lagos, rios e lagoas.

Olhando para os efeitos do acúmulo do agrotóxico em si nos organismos, a professora compartilha o resultado de suas pesquisas em peixes. “Na concentração de 65 miligramas por litro, que é a permitida pelos órgãos de controle do Brasil (Conama, resolução 357), essa substância promove interações intensas e levam os animais à morte”, afirmou. Os animais sofrem com alterações branquiais, hepáticas, danos no fígado e no sistema digestório, morrendo por falta de oxigenação.

Quando questionada sobre alternativas, Simone conta que a agroecologia já oferece possibilidades de controle de pragas fazendo uso de controle biológico. Existem estudos que comprovam a eficácia de fungos, insetos e bactérias que podem servir como forma de manutenção das plantações. “Precisa-se de políticas públicas que estabeleçam uma diretriz ou controle para que a gente minimize isso”, explicou a necessidade de protagonismo governamental, além da reeducação da população e dos produtores.

Pensando em motivos para o atual aumento no uso dos agrotóxicos, a pesquisadora elenca alguns motivos. A pressão lobista da indústria do agrotóxico, desinformação acerca do funcionamento e efeitos dos agrotóxicos e relação custo benefício são exemplos dados por Simone. “A gente precisa compreender que estamos dentro do ambiente e que tudo que se faz na natureza vai acabar se revertendo em malefício para gente mesmo”, resumiu.