Pastor que chamou Lula de “ladrão” e disse “odiar pobres” é acusado de usar igreja para lavar dinheiro

17 julho 2025 às 13h39

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O pastor Davi Nicoletti, fundador e presidente da Igreja Recomeçar, é alvo de um inquérito da Polícia Civil de São Paulo (PCSP) que apura o suposto uso da instituição religiosa para lavar dinheiro oriundo de um esquema de pirâmide financeira envolvendo criptomoedas. De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), apenas em um ano, a conta bancária da igreja teria recebido mais de R$ 4 milhões de integrantes do grupo investigado.
Procurado, Nicoletti negou as acusações. Disse que o inquérito será arquivado e classificou como “mentirosas” as informações contidas no relatório do Coaf. Com 72 mil seguidores no Instagram, o pastor tem se notabilizado por pregar que os cristãos devem buscar a prosperidade financeira. No último mês, ele viralizou nas redes sociais ao afirmar, durante um culto, que “odeia pobre” e que “Jesus nunca foi pobre”. Na ocasião, também chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “ladrão”. Após a repercussão negativa, afirmou ter sido mal interpretado.
“Eu odeio pobre. E vou dizer que Jesus nunca foi pobre. Se te falaram isso, mentiram. O pobre não é só pobre financeiramente, ele é vítima de alguém que o fez ficar pobre. Ele sempre entende que o mundo deve para ele, e a culpa é de quem tem mais”, declarou Nicoletti. Na mesma pregação, transmitida ao vivo, criticou fiéis de outras igrejas, dizendo que “tem um monte de cristão ladrão dentro da igreja que rouba o altar e critica a corrupção”.

Documentos da investigação apontam que entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019 a Igreja Recomeçar recebeu exatos R$ 4,03 milhões em depósitos realizados por pessoas ligadas à MDX Capital Miner Digital LTDA, empresa acusada de liderar o esquema de pirâmide. O relatório do Coaf afirma que as transferências feitas para a igreja não apresentavam justificativas econômicas claras e teriam como finalidade “maquiar” a origem do dinheiro arrecadado de forma fraudulenta.
A investigação foi aberta pela Polícia Civil de São Paulo em 2019 e segue em andamento. O caso envolve a MDX Capital, que acumula dezenas de ações judiciais movidas por investidores lesados. A empresa também é investigada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pelos crimes de estelionato e lavagem de dinheiro. Em nota à imprensa, o MPCE informou que aguarda a conclusão das diligências solicitadas à Delegacia de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro. Em um dos processos judiciais, dois investidores relatam prejuízo de R$ 200 mil após realizarem aplicações indicadas por representantes da MDX durante um culto na Igreja Batista Comunidade do Amor, em abril de 2019.
A defesa do pastor Davi Nicoletti sustenta que o inquérito instaurado no estado de São Paulo, voltado à investigação da MDX Capital, foi arquivado por decisão judicial após manifestação do Ministério Público, que concluiu pela ausência de elementos suficientes para o oferecimento de denúncia.
“Como é sabido, a lavagem de dinheiro exige a comprovação de um crime anterior (crime antecedente), o que, no caso, não ocorreu. Assim, a autoridade judiciária, com base nos autos e em conformidade com o Ministério Público, determinou o arquivamento do feito, nos termos do artigo 18 do Código de Processo Penal e da Súmula 524 do STF. Portanto, não subsiste nenhuma acusação criminal válida ou em trâmite contra a Igreja Recomeçar ou o Pastor Davi Nicoletti”, afirmou a defesa.
Contudo, segundo a reportagem, o inquérito que apura especificamente o uso da igreja para ocultar recursos provenientes da pirâmide financeira segue aberto, embora o Ministério Público tenha solicitado o arquivamento do processo.
Questionado sobre sua relação com a MDX Capital, Nicoletti afirmou que um dos administradores da empresa frequentava a Igreja Recomeçar como fiel comum, e negou qualquer vínculo societário ou comercial com a organização investigada. “O Pastor Davi Nicoletti não é, nem nunca foi, sócio, gestor ou beneficiário da MDX Capital Miner Digital, tampouco participou de qualquer atividade econômica da empresa”, alegou.
Quanto aos R$ 4 milhões identificados pelo Coaf como transferências suspeitas, o pastor rebateu: “Essa alegação não está correta. No período mencionado nos autos (ano de 2019), a Igreja contava com seis unidades ativas e, somando todos os membros das unidades — milhares de pessoas —, as ofertas recebidas naquele ano não atingiram R$ 1,5 milhão”. Nicoletti afirmou ainda que eventuais repasses de pessoas ligadas à MDX se referem a “pequenas ofertas voluntárias, como tantas outras realizadas por membros e frequentadores”.
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