Apesar do tímido avanço nas últimas semanas, fator “tempo” segue como principal preocupação entre os interessados na aprovação da matéria. Isso porquê a legislação eleitoral determina que mudanças devem ser aprovadas com, no mínimo, um ano de antecedência para que sejam aplicadas no pleito posterior

Nas últimas semanas, a possibilidade de implementação do voto impresso no Brasil ganhou ainda mais musculatura no cenário político nacional. Anseio de muitos deputados e senadores governistas, a proposta, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), deve ser aprovada até outubro de 2021 para que seja válida já para o próximo pleito.

O texto protocolado pela parlamentar não prevê a substituição do atual sistema pelo modelo impresso, apenas acrescenta ao mecanismo já existente uma etapa a mais para conferência do voto. Se aprovado como proposto, os brasileiros teriam que, não apenas registar o voto no sistema eletrônico, mas em seguida depositar um demonstrativo impresso em uma urna lacrada para fins de auditoria.

Assim como no cenário nacional, a ideia também divide opiniões no âmbito estadual e municipal. Para o deputado Antônio Gomide (PT), por exemplo, o sistema eletrônico brasileiro é tido como uma referência internacional e exemplo para inúmeros países. “Esse foi um grande avanço. Temos um dos melhores processos de apuração existentes e, ao mesmo tempo, nunca tivemos uma prova cabal que pudesse ter desvirtuado ou modificado o resultado de uma eleição”, pontuou.

Antônio Gomide / Foto: Reprodução

Para ele, o voto impresso não pode ser encarado como mecanismo “mais eficiente” que o voto eletrônico. Mas a nível complementar, apesar das dificuldades, poderia ser implementado sem qualquer objeção. “Os interessados precisam ter argumentos para sustentar essa ideia perante a Justiça Eleitoral. Precisamos evoluir, não retroagir. Defendemos que haja cada vez mais transparência e que o resultado seja aquilo que as pessoas depositaram na urna e, na minha opinião, o sistema eletrônico já cumpre muito bem esse papel”, finalizou.

Na contramão, o colega de Parlamento, Amaury Ribeiro (Patriota) disparou: “O voto impresso se faz necessário”. Em justificativa o deputado explicou que a corrupção ainda prevalece no País e que todos conhecem a “força que o ex-governo ainda tem dentro das instituições de Poder”. “Da maneira que está dá pra mudar e alterar o resultado de uma eleição num País, num Estado ou município. O voto impresso é uma necessidade. Quem não deve, não teme. Essa é a maneira que temos para garantir que a democracia efetivamente aconteça”.

Para Amauri Ribeiro / Foto: Divulgação

No entanto, Amaury disse acreditar que não há tempo hábil para aprovação e execução dessa matéria. “A maiora das pessoas que tem esse poder de decisão não querem que o voto impresso aconteça. Isso porquê, sem ele, fica mais fácil manipular o processo e gerar uma possível fraude nas eleições”, considerou, por fim, o parlamentar.

Modelo argentino

O deputado Karlos Cabral (PDT) defendeu que qualquer matéria que viole o sigilo do voto “é prejudicial à democracia”. Para ele, a instalação de um modelo semelhante ao adotado na Argentina seria, de fato, o fundamental para manutenção da democracia e atendimento dos anseios daqueles que duvidam da lisura do processo eletrônico.

Karlos Cabral | Foto: Divulgação

“Lá, para votar, o cidadão recebe uma cedula em branco que deve ser inserida na urna. Após computado o voto ele retira a cédula, confere o voto e a deposita em uma urna lacrada. Esse modelo nos permitiria fazer a recontagem em caso de dúvidas. Talvez esse modelo seja interessante por não violar o sigilo do voto e ao mesmo tempo manter a possibilidade de auditoria”, argumentou.

Contudo o parlamentar também não acredita que há “capacidade técnica” para sua implementação em tão pouco tempo. “Já estamos às vésperas da eleição. Para o futuro não vejo dificuldades. Mas para o próximo pletio, acredito que há pouco tempo para tantas mudanças. Estamos falando de quase 6 mil municípios em todo Brasil”, rememorou.

Âmbito municipal

Outra a defender o processo eletrônico foi a vereadora Sabrina Garcez (PSD). Ela disse à reportagem ter “plena confiança na urna”. E acrescentou: “Nosso processo eleitoral já foi auditado várias vezes e nunca se descobriu alguma falha”. Porém, disse não ver problema na implantação do voto impresso, caso o mesmo não crie “dificuldades”.

“Como falta pouco tempo e diante da avaliação feita pelo TSE recentemente [sobre os gastos e impactos para implementação do sistema impresso] penso que não seria viável. O custo seria alto e não temos razão para gastar tanto dinheiro com isso”, disparou.

Sabrina Garcez / Foto: Reprodução

Os gastos mencionados pela vereadora foram destacados recentemente pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo ele, para que a mudança proposta acontecesse, seriam gastos aproximadamente R$ 2 bilhões. Além disso, o presidente considerou que o mecanismo seria “inútil” para conter o discurso de fraude no processo.

Aava Santiago (PSDB), por sua vez, diz encarar a situação como uma discussão “totalmente equivocada”. “Vivemos em um momento de recessão sem precedentes. Mudar o mecanismo neste momento, além de nos custar muito dinheiro fragiliza nossas instituições democráticas. Se pensarmos em mudar o sistema toda vez que surgir alguma suspeita ou o resultado não for o esperado, não estaremos fortalecendo a democracia, pelo contrário. Precisamos confiar nas nossas instituições e, sobretudo, respeitar as regras do jogo”.

Aava Santiago | Foto: Fernando Diniz / Câmara Municipal

Na interpretação da vereadora, as pessoas que estão pedindo tal mudança são as mesmas que, há pouco, celebraram a vitória nas urnas. “Não podemos permitir que um sistema tão consolidado fique vulnerável ao sabor político. Nossa Constituição já conta com remédios para eventuais desdobramentos, negativos ou positivos, daquilo que vem das urnas. Afinal, elas são e devem ser, sempre, soberanas”, finalizou.

O vereador Anderson Bokão (DEM) também ressaltou sua confiança no atual modelo. “Nunca tivemos a comprovação que depois de tantos anos usando a urna eletrônica se teve fraude. Nos últimos anos podemos acompanhar a segurança do voto eletrônico. Diversos mecanismos como criptografia das urnas e acompanhamento de alguns órgãos tornam absolutamente difícil fraudar uma eleição”.

Anderson Sales Bokão / Foto: Reprodução

Segundo o parlamentar, diversos países estão adotando o processo eletrônico em suas eleições pela “praticidade, economia e segurança”. Apesar disso, o parlamentar não descartou a necessidade de se estudar a ideia caso venha a garantir mais segurança e transparência à disputa. Assim como os colegas, Bokão disse não acreditar na possibilidade da matéria tramitar “em todas as esferas” em tempo suficiente para ser aplicada já no próximo pleito, em 2022.