A mineração em Goiás, terceiro maior produtor mineral do Brasil, enfrenta uma crise institucional que pode comprometer a segurança de barragens, a arrecadação de municípios e o futuro de investimentos no setor. A paralisação das atividades da Agência Nacional de Mineração (ANM), comunicada oficialmente em 14 de outubro por insuficiência orçamentária, gerou forte reação da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) e da Câmara Setorial de Mineração (Casmin).

Segundo nota técnica divulgada pela Casmin nesta segunda-feira, 20, a suspensão dos serviços de outorga, gestão e fiscalização da ANM até o fim de 2025 compromete diretamente toda a cadeia produtiva da mineração, atingindo desde pequenos garimpeiros até grandes indústrias que dependem de insumos minerais.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o presidente da Casmin, Itair Júnior, afirmou, nesta terça-feira, 21, que a paralisação da ANM coloca em risco a continuidade das atividades regulares da mineração e de setores industriais interligados. “Além de afetar a arrecadação da CFEM, essencial para o desenvolvimento de muitos municípios. É urgente uma solução orçamentária que permita o pleno funcionamento da Agência e garanta segurança jurídica e estabilidade ao setor mineral”, aponta.

Segundo a nota técnica, mais de 200 barragens em todo o país, cerca de 20 delas localizadas em Goiás, estão sem fiscalização. A ausência de acompanhamento técnico levanta preocupações sobre a segurança operacional e ambiental dessas estruturas, especialmente após os desastres ocorridos em Minas Gerais nos últimos anos.

Ainda conforme a nota, a paralisação ameaça a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Em dezembro de 2024, Goiás arrecadou R$ 37,5 milhões com a CFEM. Municípios como Alto Horizonte, Niquelândia, Barro Alto e Catalão, que dependem fortemente dessa receita, podem enfrentar sérias dificuldades orçamentárias.

Itair Júnior destacou que os processos de outorga e renovação de direitos minerários estão suspensos, travando novos projetos e gerando insegurança jurídica. “Isso afeta desde quem minera areia até quem explora terras raras. Sem autorização, não há como iniciar ou expandir operações”, alertou.

A crise reverbera por toda a cadeia industrial. Setores como construção civil, moda, agropecuária e metalurgia, todos dependentes de insumos minerais, já sentem os efeitos. Segundo Itair, a Fieg contratou uma consultoria para mensurar o impacto no custo de aquisição de matéria-prima. “A desaceleração da mineração compromete a indústria de transformação e, por consequência, o PIB do país”, afirmou.

A nota técnica também alerta que a ausência da ANM enfraquece o combate ao garimpo ilegal e à lavra não autorizada. “Nenhum empresário sério quer atuar na clandestinidade, mas sem fiscalização, o garimpo ilegal ganha espaço”, reforçou Itair Júnior na entrevista.

O presidente da Casmin defende medidas orçamentárias urgentes, como a realocação de recursos ministeriais, para garantir o funcionamento da ANM ainda em 2025. “Essa crise revela uma fragilidade estrutural na forma como o governo financia e administra suas agências reguladoras. Estamos estendendo a mão para o diálogo e pedindo atenção à importância da ANM para o país”, concluiu.

Segundo a nota técnica, caso o impasse se prolongue, o Brasil corre o risco de perder credibilidade internacional no setor mineral. Investidores já demonstram preocupação com a insegurança jurídica e a falta de previsibilidade. A queda nos investimentos pode comprometer o crescimento econômico e afetar diretamente a geração de empregos e renda em Goiás.

Itair Júnior faz um apelo à população. “Quando se fala em mineração, muitos pensam apenas em ferro ou ouro. Mas ela começa no calcário usado no agro e vai até as terras raras, que foram centrais na negociação entre Brasil e Estados Unidos após o tarifaço. Precisamos desmistificar e valorizar esse setor essencial”, finaliza em entrevista.

Crise na Agência Nacional de Mineração

Em entrevista exclusiva concedida ao Jornal Opção, nesta terça-feira, 21, o Sindicato da Indústria da Mineração de Goiás e Distrito Federal (Minde), o presidente Luiz Antônio Vessani traça um panorama preocupante sobre a atual paralisação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e seus impactos diretos na gestão do setor mineral brasileiro. Segundo ele, trata-se de uma crise anunciada, cujos sinais já vinham sendo apontados há algum tempo.

O dirigente destaca que a agência sempre foi tratada como secundária dentro da estrutura governamental, com sucessivos contingenciamentos orçamentários e ausência de uma relação estratégica com o Ministério responsável. Essa negligência estrutural, segundo ele, compromete a eficiência da ANM e, por consequência, o desenvolvimento do setor mineral.

“Sempre foi colocada em segundo plano, teve seus orçamentos contingenciados. O próprio ministério não tem uma relação muito cirúrgica com a agência. Seria muito interessante que tivesse, porque a agência tem uma demanda muito grande. O setor é complexo, é grande, e a parte burocrática da gestão do setor mineral, que é de responsabilidade federal, está com acúmulo de déficit de serviços para a sociedade”, afirma.

Vessani ressalta que a mineração depende de uma estrutura burocrática eficiente, que atualmente não existe. Essa deficiência compromete investimentos em exploração e produção mineral, além de dificultar o monitoramento das operações e a realização de pesquisas.

“Essa ineficiência não é de pessoas, é de estrutura. Faltam recursos. A própria mineração gera recursos suficientes através das taxas anuais por hectare, das inúmeras outras taxas que paga, do pagamento da CEM, que vai para a União, e até dos recursos oriundos das multas dos desastres de Mariana e Brumadinho. São R$ 150 milhões por ano em multas que estão sendo religiosamente pagos, e esse recurso não fica na agência”, denuncia.

O contingenciamento desses recursos, segundo ele, compromete gravemente a operacionalidade da ANM. A situação é considerada crítica pelos servidores da agência, pois além de impedir o desenvolvimento do setor, reduz a capacidade de fiscalização, especialmente em áreas sensíveis como barragens, onde falhas podem resultar em tragédias.

“Isso pode reduzir a capacidade de fiscalização da agência em situações como de barragens, que eventualmente podem apresentar algum risco. Esse risco pode passar despercebido, como ocorreu nos dois acidentes anteriores. Entendo que as empresas estão muito atentas a isso, mas é responsabilidade da agência acompanhar e corrigir desvios. Só que ela não tem recursos para fazer fiscalizações. Já estava muito restrito, e agora houve uma restrição ainda maior. É lamentável”, afirma.

Vessani lamenta que, em um momento de alta demanda global por produtos minerais, impulsionada pela transição energética e pelas soluções climáticas, o Brasil esteja cortando recursos em vez de fortalecer o setor.

“Neste momento em que a sociedade e o mundo inteiro estão demandando produtos minerais para solução climática e transição energética, temos uma situação dessas. Em vez de incentivar a mineração, estamos cortando recursos, reduzindo uma capacidade operacional que já é muito pequena”, critica.

Sobre os impactos práticos, o presidente do Minde aponta que a paralisação afeta diretamente os licenciamentos e demais processos relacionados à mineração. Ele menciona os leilões de áreas como exemplo emblemático da ineficiência da ANM.

“O que temos feito é uma tentativa de melhorar a eficiência da agência, porque ela não atende. Tem evento no setor, como os leilões de área, que são processos minerários que representam o espaço onde as empresas deveriam pesquisar, mas estão paralisados. São inacessíveis às empresas porque a agência não consegue realizar os leilões. Simplesmente assim. São mais de 100 mil áreas, o que representa milhões de hectares que poderiam estar sendo pesquisados e não estão, porque a ANM não consegue fazer leilão. Bilhões por ano em pesquisa poderiam estar sendo aplicados se a agência tivesse mais eficiência nesses leilões”, afirma.

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