Operação no Rio evidencia falhas estruturais e abre debate por pacto nacional de segurança, diz especialista
29 outubro 2025 às 19h18

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A megaoperação policial deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, e que deixou mais de uma centena de mortos, reacendeu o debate público sobre a eficácia de ações militares isoladas contra o crime organizado. Delegado de polícia aposentado, ex-secretário de Segurança Pública e mestre em direito público, Edemundo Dias avalia a necessidade de um Sistema Nacional de Segurança Pública que combine inteligência, políticas sociais e coordenação federativa.
Dias aponta que a operação é um sintoma de um problema anterior mal resolvido: o Estado não ocupou de forma plena territórios periféricos ao longo de décadas, o que abriu espaço para que organizações criminosas oferecessem serviços e uma ordem paralela às populações locais.
Essas comunidades criaram uma espécie de pacto de sobrevivência e o crime organizado só existe no vácuo de poder. O crime ocupou esses espaços vazios deixados pelo próprio Estado
Ele explica que desde a promulgação da Constituição de 1988 até políticas públicas das últimas décadas, persistem lacunas na oferta de serviços essenciais (saúde, educação, mobilidade) nas áreas periféricas. Segundo ele, essas lacunas se transformaram em terreno fértil para a expansão do Comando Vermelho e de outras facções, que passaram a regular o cotidiano — do fornecimento de gás e telefonia à organização de eventos culturais — e a julgar infrações conforme normas paralelas.
Quando falo Estado, não me refiro apenas ao fuzil e às metralhadores. Falo do Estado pleno, Estado social — saúde, cultura, mobilidade
Controle territorial
A consequência, segundo o especialista, é um controle territorial tão aceito que torna muito mais complexa a reinserção do aparato estatal. Ele explica que há dois perfis dentro do crime organizado: o “chão de fábrica” (operações e mercados) e os “escritórios” (coordenação, lavagem, negócios). Ele observa que a maior parte das mortes decorrentes da confrontação tende a ocorrer entre os chamados “guerrilheiros” — os que realizam a guerra urbana nas ruas — e não necessariamente entre os dirigentes.
“A subdivisão do crime hoje é multinacional e diversificou suas atividades”, disse Dias, citando exemplos de atuação em ramos como falsificação de combustíveis e mercado imobiliário. Segundo ele, esse cruzamento entre ilegalidade e atividades econômicas forma também um “estado transversal” — atores que transitam entre o legal e o ilegal — e explica por que o enfrentamento puramente policial não desarticula, por si só, as estruturas de poder paralelo.
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