ONG inicia ação para reduzir área de Furnas no Lago de Serra da Mesa

10 janeiro 2023 às 17h31

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Sinésio Dioliveira
Especial para o Jornal Opção
Para a formação do Lago Serra Mesa, foram necessários a desapropriação de 178.405 hectares. O decreto definindo a respectiva área como utilidade pública ocorreu nos governos dos ex-presidentes João Figueiredo e José Sarney. Furnas Centrais Elétricas S/A foi então autorizada por tais governos a promover a desapropriação das terras, que abrangem os municípios de Niquelândia, Colinas do Sul, Cavalcante, Barro Alto, Itapaci, Minaçu, Uruaçu, Campinaçu e Campinorte. Além da utilidade do Lago para geração de energia elétrica (aspecto principal de sua construção), ele teve também o propósito de gerar turismo, principalmente ligados a esportes aquáticos, os quais são apropriados para o Lago, haja vista que as águas dos rios que o constituem — Tocantins, Almas e Maranhão — são alcalinas e assim evitam a proliferação de mosquitos, pernilongos e mutucas.
Há, no entanto, um porém nessa história do Lago Serra da Mesa. Os advogados da ONG Associação Nacional Para Defesa da Cidadania, Meio Ambiente e Democracia (Amarbrasil), entidade criada em 2001, constataram situações de possível decaimento da utilidade de pública em parte dos 178.405 hectares destinados à criação do Lago. Segundo eles, o decaimento, que autoriza usucapião por parte daqueles que estão na posse de áreas ou empreendimentos nas margens do Lago, decorre da possibilidade de erro do projeto, que não considerou variáveis geológicas e histórico de precipitação pluviométrica, na definição da linha máxima de ocupação após o fechamento total das comportas.

A linha máxima de ocupação, também chamada de maxima maximorum, defendida por Furnas é de 461,50 metros, do nível do mar. Ao estudarem ações jurídicas em que Furnas está obtendo decisões liminares para desocupação de empreendimentos de lazer e turismo construídos antes mesmo do término da barragem, os advogados da Amarbrasil constataram que alguns, instalados até oito metros abaixo da linha máxima, nunca foram atingidos pelo represamento das águas.
Área de inundação e afundamentos catastróficos
Célio Abrão Júnior, advogado da entidade, aponta “falhas nos relatórios do levantamento da área de inundação, que não identificou jazidas minerais, que poderiam provocar afundamentos catastróficos, e por tal o nível máximo projetado jamais seria preenchida. Há inúmeras publicações da época fazendo menção à pressão e ao açodamento imposto pelo governo Fernando Henrique Cardoso para o fechamento das comportas da barragem. O então presidente temia que, em seu governo, ocorresse uma crise de energia elétrica, que ficou conhecida como “apagão”, ocorrida em 2000/2001.

Para o engenheiro e empresário Celso Secundino de Queiroz, que em 1989 adquiriu as instalações de lazer e turismo construídas por um amigo nas margens do Rio Maranhão, “a questão não se resume apenas em investigar e ter a certeza científica de definição da linha máxima de segurança para a ocupação do lago, mas também em obrigar furnas a cumprir as promessas”. Ele ressalta ainda que os desenhos feitos em audiências públicas de que o lago promoveria o florescimento de negócios e empreendimento turísticos até hoje não aconteceu nos municípios da região”. Secundino observa que, “passados vinte e três anos da formação do lago, nenhum grande grupo turístico se interessou em explorar o potencial oferecido pelo lago de Serra da Mesa”.
O advogado José Gildo dos Santos, também membro da entidade, faz uma ponderação pertinente: “Não se sabe ainda ao certo o número das desocupações que Furnas pretende realizar”. Segundo ele, “o impacto para o turismo, com perda de acomodações, postos de trabalho e emprego para os cidadãos dos municípios já é constatada”. O advogado Uarian Ferreira, fundador e superintendente da Amarbrasil, ressalta que “a solução da questão interessa à economia e aos cidadãos de dez municípios, envolvendo um dos maiores potenciais turísticos de geração de empregos e negócio na região centro-norte-nordeste do Estado de Goiás”.

Uarian acredita que “só através de uma CPI na Assembleia Legislativa pode dar uma solução abreviada. O cidadão comum e mesmo as câmaras de vereadores dos municípios teriam enorme dificuldade em obter acesso a informações, apoio técnico e científico para revisão de todos os estudos feitos por Furnas”. Pela CPI, no entendimento de Ferreira, a questão relacionada ao Lago será submetida à avaliação e à oitiva de cientistas e acadêmicos do setor e assim haveria a confirmação ou não da efetiva utilidade da manutenção da linha maxima maximorum na cota 461,50 metros do nível do mar, em todo o perímetro dos 174.405 hectares da área defendida por Furnas.
O geólogo Silas Gonçalves, assistente técnico nas contestações individuais e pesquisador para as soluções de natureza coletiva empreendidas pela Amarbrasil, está trabalhando na obtenção do mapeamento hidrológico, sinalizações do regime de cotas, precipitações, vazões, o histórico do regime pluviométrico dos últimos 100 anos, os estudos da situação hídrica subterrânea, os perfis geológicos estudados, relatórios para os riscos de afundamento de áreas, as atas, vídeos e gravações dos simpósios e temas debatidos com os agentes financiadores, das audiências públicas com as populações entre outros. “O trabalho será grande, mas ele será realizado”, afirma Silas.
Amarbrasil tem a sociedade civil como foco
A Amarbrasil, cuja fundação aconteceu em 2001, inicialmente teve o seu trabalho voltado a dar respostas coletivas ao volume das ações individuais dos pequenos e médios empresários contra as sobretarifas impostas pelo governo FHC, e tinha o nome Anevel – Associação Nacional das Empresas Vítimas da Crise de Energia Elétrica.
No seu site, a entidade informa que “não recebe verbas públicas nem está vinculada a partidos políticos, nem a entidades religiosas e que sua “sobrevivência e legitimidade é dependente das ações e serviços que presta em favor da sociedade civil, de natureza coletiva de direito homogêneo ou transindividual”. Outro aspecto registrado no site da Amarbrasil é como a entidade trabalha. Sua atuação decorre das defesas e ações individuais formuladas em favor de cidadãos, empresas e instituições pelos advogados associados, dessas situações identificadas ocorrem o trabalho jurídico da entidade.
Em seu histórico de ações, a Amarbrasil realizou inúmeros trabalhos voltados à proteção do meio ambiente, que é um dos três focos de seu trabalho jurídico, sendo os demais defesa da cidadania e democracia. O impedimento de transformar as águas da Barragem do Ribeirão João Leite em na realização de esportes náuticos e outros atividades de lazer teve envolvimento da entidade. E isso, segundo o fundador e superintendente, “no sentido que proteger os 135 bilhões de litros de água que compõem o Reservatório João Leite, do qual saem dois terços da água que abastece Goiânia e Região Metropolitana”.
Sinésio Dioliveira é jornalista.