O vale-tudo do Planalto falsifica a biografia de jornalistas que não agradam ao poder
09 agosto 2014 às 11h46
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A assessoria presidencial encontrou uma fórmula para censurar a imprensa enquanto o governo não cria o controle social da mídia que o PT defende

“Nós podemos disputar eleição, nós podemos brigar na eleição, nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição. Agora, quando a gente está no exercício do mandato, nós temos que nos respeitar, porque fomos eleitos pelo voto direto do povo brasileiro”.
Dilma Rousseff, março de 2013
Nos dias 10 e 13 de maio daquele ano de 2013, o computador do Planalto que se identificava como IP 200.181.15.10 entrou na internet e, com informações falsas, modificou os perfis dos jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia. Era num momento em que a presidente Dilma já percorria o país em campanha franca e vigorosa pela reeleição.
Os dois jornalistas atuam criticamente na economia junto ao sistema Globo e as mudanças buscaram desmoralizar a análise diária que divulgam. As de Leitão seriam “desastrosas”. Além disso, seria comprometida com corrupção:
— Míriam Leitão fez a mais apaixonada e corajosa defesa de Daniel Dantas, ex-banqueiro condenado por corrupção entre outros crimes cometidos contra o patrimônio público.
Segundo alteração vinda do palácio, Sardenberg “já cometeu erros notáveis em suas previsões”. Foi ainda acusado de defender juros altos no país para favorecer os bancos, pois seu irmão Rubens Sardenberg trabalha na Febraban. “A relação familiar denota um conflito de interesse em sua posição como colunista econômico”, denunciou uma segunda alteração em seu perfil.
As informações foram divulgadas no fim de semana pelo jornal “Globo” a partir da pesquisa com os dois jornalistas de seu grupo. Mas, evidentemente, se aconteceu com eles, outros meios da mídia e pessoas foram vítimas de mudanças desse tipo, num processo que se pode entender por impaciência do PT com a falta do controle social da mídia.
Se forem pessoas amigas, as alterações podem ser favoráveis. Aconteceu com Marcela, mulher do vice-presidente Michel Temer. O mesmo computador retirou do perfil de Marcela a idade e o registro de que foi candidata, quando solteira, a miss Paulínia, em São Paulo. Nessa onda a favor, assessores do palácio e ministros foram contemplados com loas em suas biografias.
No caso dos dois jornalistas, as alterações coincidiram com dias de nervosismo da presidente por causa da dificuldade em aprovar no Congresso a medida provisória que regulamentava os portos e cujo prazo de validade vencia em 16 de maio. Seis dias antes, Dilma fez um discurso patético ao empossar Afif Domingos como secretário de Micro e Pequenas Empresas.
“Eu quero dizer aos senhores que meu apelo é no sentido de que o Congresso Nacional faça um esforço, no tempo que resta, que é até quinta-feira, para aprovar essa que é uma das medidas estratégicas para esse (sic) país”, discursou de forma confusa. “Não é que não seja possível a divergência, mas o que não podemos ter é o silêncio, é não discutir, é não debater.”