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Franco Montoro e Jânio Quadros protagonizaram um momento hilário durante o debate entre os candidatos ao Governo de São Paulo em 1982 organizado pela TV Bandeirantes. O candidato do PMDB pediu ao ex-presidente que comentasse a declaração do seu ex-ministro da Fazenda, Clemente Mariani, de que a renúncia à Presidência da República, em 1961, custou mais caro do que a construção de Brasília. Jânio perguntou de onde seu adversário retirou tal afirmação. Eis que Montoro pegou o livro “Depoimentos” de Carlos Lacerda e começou a ler um trecho. “Ah sim… Está dispensado da citação”, disse o ex-presidente. Todos no debate começaram a rir até Franco Montoro. “Porque o senhor acaba de citar as Escrituras valendo-se de Asmodeus ou de Satanás”. Lacerda e Jânio eram aliados, mas romperam politicamente poucos dias antes da renúncia.

O bilhetinho entregue por Jânio Quadros ao Congresso Nacional renunciando à Presidência da República teve consequências mais terríveis do que as forças que, segundo o ex-presidente, o teriam levado a tal decisão. Como se sabe, Jânio tinha um plano de renunciar, aguardar o clamor popular pela sua volta e pressionar o Congresso para que lhe desse superpoderes. O vice-presidente João Goulart estava na China, em missão diplomática, quando tudo isso aconteceu. O plano acabou dando errado. O Congresso, mesmo surpreso, aceitou o pedido de Jânio e o povo não compareceu às ruas para exigir a sua volta. Esse gesto desastrado custou caro para a democracia brasileira. A sua eleição foi pela maioria absoluta, não teve questionamento. O que se esperava dele era a realização de suas promessas de campanha, como a vassourinha contra a corrupção, e entregar o governo para seu sucessor eleito em 1965. O que se seguiu foi uma terrível crise que desaguou no golpe de 1964, privando o povo da escolha do seu Presidente.

Quando a renúncia já era um fato consumado, aguardava-se o desembarque de Jango. Enquanto seu voo não aterrissava em terras brasileiras, Ranieri Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados, governava interinamente o país. No dia 28 de agosto de 1961, Mazzili enviou ao Congresso uma mensagem afirmando que “os ministros militares, na qualidade de Chefes das Forças Armadas, responsáveis pela ordem interna manifestaram a absoluta inconveniência, por motivo de segurança nacional, do regresso ao país do vice-presidente João Goulart”. Pronto! A crise estava instalada. A alta cúpula das Forças Armadas deixava clara a sua posição contrária à posse de Jango. A birra entre os militares e o vice-presidente vinha desde o segundo Governo de Getúlio Vargas (1950-1954). Jango era visto pelos militares como um líder populista prestes a instalar uma “república sindical” no Brasil.

É neste momento que duas lideranças despontaram no cenário nacional. Os governadores Mauro Borges, de Goiás, e Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, se posicionaram a favor da posse de João Goulart, conforme a Constituição vigente. Ora, se o Presidente renunciou, o vice deve assumir o cargo. Começava ali a Campanha da Legalidade. Mauro e Brizola usaram o rádio para defender a posse de Jango. O Palácio das Esmeraldas, em Goiânia, e o Palácio Piratini, em Porto Alegre, se transformaram em centros da resistência pela Legalidade. Em ambos os palácios, montaram-se barricadas com policiais a postos para qualquer ação. O Terceiro Exército, baseado no Rio Grande do Sul, apoiou a posse de Jango, o que desestabilizou a ação militar contrária. A solução para a crise veio do Congresso com a publicação de um Ato Adicional que implantava o Parlamentarismo e reduzia os poderes presidenciais. Só assim para os militares recuarem e a posse de João Goulart fosse garantida.

No dia 7 de setembro de 1961, finalmente Jango foi empossado na Presidência da República, apesar das limitações dos seus poderes. Era a segunda posse presidencial em Brasília. A nova capital federal já começava a se acostumar com as crises políticas do Brasil. Sinceramente eu não sei se Clemente Mariani tinha razão quando afirmou que a renúncia de Jânio Quadros custou muito mais que a construção de Brasília. Teríamos que fazer uma pesquisa mais apurada a esse respeito. Nós achamos graça da reposta do ex-presidente à fala de Franco Montoro no debate da TV Bandeirantes. Mas, para a democracia brasileira, aquele bilhetinho entregue ao Congresso no dia 25 de agosto de 1961 jogou o Brasil em uma crise terrível que culminaria no golpe de 1964. Isso sim foi caro demais!

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