O assassinato de Kim Jong-nam, meio-irmão mais velho de Kim Jong-un, transformou o Aeroporto Internacional de Kuala Lumpur, na Malásia, em cenário de um crime que parece saído de um thriller político. Em 13 de fevereiro de 2017, o herdeiro afastado da dinastia Kim teve sua vida interrompida por um ataque fulminante com o agente nervoso VX, reacendendo o interesse mundial por sua trajetória marcada por exílio, espionagem e disputas internas no clã que governa a Coreia do Norte há três gerações. 

Nascido em 1971, Kim Jong-nam era o primogênito de Kim Jong-il com a atriz Sung Hae-rim, um relacionamento mantido em segredo devido à desaprovação de Kim Il-sung. Criado de forma isolada em Pyongyang, passou parte da infância sob os cuidados de parentes enquanto a mãe buscava tratamento médico no exterior. 

Durante a juventude, estudou na Rússia e na Suíça, onde teve contato com ideias ocidentais e aprendeu vários idiomas. Essa experiência moldou sua visão crítica sobre o regime norte-coreano e contribuiu para seu afastamento das expectativas do pai. Embora tenha ocupado cargos ligados à segurança interna e à intranet do país, nunca foi considerado um sucessor sólido. 

O episódio decisivo ocorreu em 2001, quando foi detido no aeroporto de Narita, no Japão, ao tentar entrar com um passaporte falso da República Dominicana. Ele alegou que pretendia visitar a Disneylândia de Tóquio. O vexame internacional selou sua queda em desgraça. A partir daí, passou a viver em exílio informal entre Macau, Pequim e Cingapura, sob forte influência e proteção chinesa. 

Críticas ao regime  

Mesmo longe do poder, Kim Jong-nam continuou orbitando os bastidores da geopolítica asiática. Em 2010, rompeu o silêncio ao criticar publicamente a sucessão hereditária e questionar a capacidade de liderança de Kim Jong-un. Seu filho, Kim Han-sol, reforçaria parte dessas críticas anos depois. 

Ameaças à sua vida não eram novidade. Em 2012, um espião norte-coreano capturado na Coreia do Sul confessou ter planejado um atentado contra ele. Relatos indicam que Jong-nam chegou a escrever ao irmão pedindo que sua vida fosse poupada, afirmando que a única saída para escapar da perseguição seria o suicídio. 

Disputa de família  

Especialistas apontam que a rivalidade entre os meio-irmãos foi alimentada por Ko Yong-hui, mãe de Kim Jong-un. A partir do fim dos anos 1970, ela ganhou influência dentro do círculo íntimo de Kim Jong-il e teria usado o escândalo do passaporte falso para reforçar a narrativa de que Jong-nam não era adequado para suceder o pai. 

Com o tempo, Ko consolidou sua posição como primeira-dama de fato, fortalecendo a ascensão de seus filhos dentro da hierarquia do regime. 

Líder norte-coreano Kim Jong-un | Foto: KCNA / KNS República da Coreia / Via AFP Photo

Apesar disso, Jong-nam mantinha um simbolismo particular entre as elites mais antigas da Coreia do Norte, que o chamavam informalmente de “neto da nação” por sua ligação direta com Kim Il-sung. Esse prestígio não significava força política real, mas poderia torná-lo uma alternativa incômoda ao governo de Kim Jong-un. 

Peça chinesa no tabuleiro 

Kim Jong-nam viveu longos períodos sob proteção de autoridades chinesas e mantinha relações estreitas com elites de Pequim. Para analistas como Michael Madden, da Universidade Johns Hopkins, isso tornava sua figura sensível no contexto regional, especialmente porque, nos meses que antecederam o assassinato, Pyongyang buscava melhorar suas relações com a China. 

Eliminar Jong-nam, portanto, poderia ser um movimento arriscado para Kim Jong-un, a menos que sua utilidade para o governo chinês tivesse se esgotado. 

Ataque fatal na Malásia 

Na manhã de 13 de fevereiro de 2017, enquanto aguardava um voo para Macau, Kim Jong-nam foi abordado por duas mulheres que pressionaram contra seu rosto um pano impregnado com VX, um agente nervoso proibido pela ONU. Ele morreu horas depois, a caminho de um hospital. 

As suspeitas, a vietnamita Doan Thi Huong e a indonésia Siti Aisyah, alegaram acreditar que participavam de uma pegadinha televisiva. Ambas foram presas, mas acabaram libertadas em 2019 após a retirada das acusações. 

A Coreia do Norte negou envolvimento e insistiu que a vítima era “Kim Chol”, nome do passaporte que ele carregava. A investigação malaia, porém, gerou uma crise diplomática entre os dois países, com expulsão de diplomatas e restrições temporárias à circulação de cidadãos. 

Estados Unidos e Coreia do Sul atribuíram o ataque ao regime norte-coreano, que enfrentou novas sanções internacionais após o episódio. 

Crime sem respostas 

Apesar das suspeitas amplamente difundidas, a motivação exata por trás do assassinato permanece envolta em mistério. Para alguns analistas, eliminar Jong-nam trouxe mais desgaste internacional do que benefícios internos. Para outros, sua simples existência, com conexões na China e respeito entre elites antigas, representava um risco potencial, ainda que remoto, ao poder de Kim Jong-un. 

A morte de Kim Jong-nam encerrou a trajetória de um herdeiro que nunca governou, mas cuja presença, mesmo à distância, continuava a assombrar os corredores do poder em Pyongyang. O caso expõe, mais uma vez, as tensões internas da família Kim e revela como, na Coreia do Norte, nenhum membro da dinastia está realmente fora do jogo político, nem mesmo aqueles que tentam escapar dele. 

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