A educação no Brasil tem sido objeto de papagaiadas e há muitos mantras hipócritas sobre sua importância. E dizem que o novo ministro só sabe escrever artigos. Isso é muito bom

Brice defende o ministro Janine: "Agora, com um filósofo, podemos lembrar aos idiotas o que é modéstia, retomando Nelson Rodrigues" | Foto: Tatiana Ferro
Brice defende o ministro Janine: “Agora, com um filósofo, podemos lembrar aos idiotas o que é modéstia, retomando Nelson Rodrigues” | Foto: Tatiana Ferro

Marcelo Brice

O destaque conferido ao filósofo como homem de ideias é historicamente recorrente. Nas questões de governo, essa expectativa não costuma lhe ser outorgada. Algo como uma idealização dirigida para satisfazer os egos dos ditos pensadores, que, acostumados com isso, não se incomodavam em ficar só nesse plano.

O caráter gerencial, nitidamente acéfalo, do Estado brasileiro tem sido reivindicado por todas as esferas e faladores de plantão. Há os gerenciadores de negociatas, profissionais da imundície política; há os bobos da corte, que não se permitem usar porcentagem alguma da sua cabeça animal – feitos zumbis em busca de vivos, eles estão a migalhas, oportunistas com fundo ideológico, prontos para qualquer serviço; há os que acham que política é o que Bill Gates faz e que ele deveria ser o presidente não só do Brasil, mas do mundo. Há toda sorte de tipos. Estamos em falta (como numa mercearia) de políticos que tenham ideias e pensadores com disposição de politizar.

É nesse cenário que a presidente Dilma escolhe Renato Janine Ribeiro para ministro da Educação. Janine é filósofo, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP), reconhecidamente um grande intelectual. Há alguns dias quem ocupava o posto era Cid Gomes, o ex-governador do Ceará que soltou a matraca e sempre fez o papel de atirador maluco, como é feitio da família, que em seu Estado é conhecido pelas longas greves da universidade estadual, o destrato com o dinheiro público e achava que era general de guerra e não ministro. Mesmo assim, disse verdades ao boi alçado a tropeiro Eduardo Cunha.

A educação no Brasil tem sido objeto de papagaiadas e mantras hipócritas sobre sua importância. É o ministério com o segundo maior orçamento, que orienta políticas, distribui verbas para ações formuladas nos conselhos de educação, cuida do ensino superior e formula a aplicação dos parâmetros listados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Não é possível responsabilizar diretamente o ministério pela educação nos Estados, nem nos municípios, já que constitucionalmente não é de sua alçada exclusiva. A formulação de um novo currículo nacional, sua flexibilidade, os incentivos às administrações escolares, estaduais e municipais, a delimitação da atuação e a eficiência no andamento do fluxo de medidas devem ser papel desse ministério.

Quem deve esse o ministro? Se o governo não está nem aí para a educação, não interessa, diriam uns. Certamente, é verdadeiro. Se o governo, no mesmo dia em que anuncia o novo ministro da Educação, anuncia também o ministro do Turismo, ex-presidente da Câmara de Deputados, oligarca do Rio Grande do Norte, do PMDB, também não faz diferença, diriam os mesmos. Se o governo anuncia um pau mandado como o ex-tesoureiro da campanha de Dilma para a Secretária da Comunicação Social do governo, “tá tudo dominado” pela escória, diriam todos.

A pergunta continua. Se o governo de seu pai político, Lula, demitiu o homem da educação Cristovam Buarque por telefone, se Dilma escolheu um Cid, e se nos outros ministérios todos estamos horrorosamente mal, a coisa não é boa. Imaginem se ela escolhe Gabriel Chalita, que se autoplagiou na tese de doutorado, ou Içami Tiba ou qualquer político que não paga nem o piso obrigatório aos famigerados professores.

Dizem: Janine é um filósofo, só sabe escrever artigo. Escreve artigos, é verdade. O que é bom. Imagina se pagasse para escrever os seus! Não é político profissional, não é administrador, não é gerente. Os apoiadores afirmam que, agora sim, o governo se salvou, é uma guinada à esquerda, que só foi uma confusãozinha de quatro anos, mas pronto, ajeitou. Não é verdade. Nem uma coisa, nem outra. Janine é um intelectual experiente, conhece os trâmites do Estado, como teórico e como vivente da máquina acadêmica que o instruiu institucionalmente; ocupou postos dentro dessa máquina, tem uma visão aberta e liberalizante da política e se preocupa com justiça social. Alguém preparado para a missão. Nesse contexto, sim, Janine é uma boa escolha. Vai depender de muita coisa, de selecionar um corpo técnico ciente do trabalho a ser executado ao seu lado, por exemplo. Tudo isso em tempos de tentativas de desaparecimento dos ensinamentos de Paulo Freire.

O monstro produtor e reprodutor de números que virou o Estado reduz a capacidade de requalificação da política. Numa campanha, quem domina um arsenal de números com certa eloquência, mesmo sem nenhuma ideia, abertura e inteligência ganha a eleição. Os gestores e seus números são importantes e muito. Na direção das escolas e das superintendências, por exemplo. Rever os gestores como centro da política e sua falácia de absoluto administrativo é um ponto. Usar da melhor maneira os administradores. Mas o ministro deve ser um homem de ideias e soluções, o que parece ser o caso. Em São Paulo, o Estado com os melhores administradores, à frente da melhor administração, no país com abundância em água, as pessoas passaram dias sem tomar banho, por falta de água.

Tudo continua como antes no reino. Agora, com um filósofo, podemos lembrar aos idiotas o que é modéstia, retomando Nelson Rodrigues. Alguma coisa como colocar a educação em algum lugar, de destaque, positivo. De resto, só haverá melhora com a mudança da nossa arcaica estrutura politica e educacional.

Marcelo Brice, sociólogo, é doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail: [email protected]