O filósofo e amigo de FHC que constrangeu a campanha do PSDB com uma entrevista
20 setembro 2014 às 10h49
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Quando vinha a Brasília nos anos 90, o filósofo José Arthur Giannotti se hospedava com honras políticas e intelectuais na residência presidencial do Alvorada, a convite do casal de cientistas sociais Ruth e Fernando Henrique Cardoso. Os três professores de humanidades na Universidade de São Paulo, onde foram expurgados pela ditadura, mas reabilitados com honras.
Giannotti desembarcava na cidade para reuniões do Conselho Nacional de Educação, que integrava com o charme intelectual e político de amigo íntimo e hóspede costumeiro, mas discreto, do casal presidencial. Agora, aos 84 anos, Giannotti provocou constrangimento no PSDB ao romper a antiga discrição com uma entrevista de fim de semana ao “Estadão”.
Incomodado com o desempenho modesto do presidenciável Aécio Neves nas pesquisas, Giannotti acusou o PSDB de não saber se articular como oposição. Diagnosticou que o partido ficou sem discurso desde a guinada do PT de Lula para o centro; e não soube se reorganizar, como o filósofo declarou ao repórter Pedro Venceslau:
— Quando você não tem uma oposição organizada, em geral quem ocupa esse espaço é uma dissidência da base aliada.
Lúcido, Giannotti se referiu a Marina Silva, presidenciável pelo PSB/Rede depois de construir a carreira política no PT. Não é que Aécio acusa a concorrente de ainda seguir uma vocação petista? Pois é. Além do mais, antes de Marina, o candidato do PSB era Eduardo Campos, que saiu da base aliada do Planalto para ocupar o vazio visto pelo filósofo, quando Aécio era o virtual concorrente tucano.
Aécio Neves? “Voltará a ser o que sempre foi: uma liderança, mas não mais a ponta da pirâmide”, previu Giannotti que da eleição presidencial sairá “um PSDB estilhaçado”, tendo paulistas novamente na liderança de um partido dividido. À esquerda, José Serra, agora líder na disputa pela vaga no Senado. À direita, o governador Geraldo Alckmin, virtualmente reeleito.
A fala de Giannotti constrangeu, mas, pelo menos, sacudiu o PSDB em São Paulo. Um grupo de políticos tucanos e empresários amigos se juntou numa reunião social, na noite de terça. FHC, ainda elétrico aos 83 anos (no fim deste setembro, Ruth teria um ano a mais, como o filósofo Giannotti), com base no consenso do grupo, apontou o rumo para Aécio, com eles ali na festa:
— O chumbo grosso deve se concentrar no PT e, portanto, na Dilma.
Na opinião de FHC, o discurso de Aécio, tendo Marina como alvo preferencial, serviria apenas para nutrir a reeleição da presidente petista, mesmo que também vinculasse a ambientalista ao petismo. O chumbo grosso contra Dilma poderia chamar de volta os eleitores que o tucano perdeu para Marina. Ele seria mais uma opção contra o PT.
A reunião de terça foi preparada com cuidado. O pretexto era uma homenagem ao governador Alckmin, mas os tucanos trouxeram de Salvador o prefeito ACM Neto. Ele representava ali a solidariedade do DEM, antigo aliado do partido. Neto se contrapunha ao líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), aquele que cedo jogou a toalha e defendeu a adesão a Marina.
Houve planejamento, mas os tucanos também receberam ajuda da sorte. Naquela noite, o país soube da nova pesquisa do Ibope que apontou avanço de Aécio, recuo de Marina e Dilma sem sair do lugar. O presidenciável tucano ressurgia com possibilidade de ir ao segundo turno.
Com o novo prestígio de Aécio, o PSDB pode, no mínimo, negociar uma posição mais forte junto a um futuro governo Marina em troca de apoio no segundo turno da eleição. Com um pouco mais de jogo tático e sorte, o tiroteio da concorrente Dilma contra Marina poderá continuar a conter a rival e, no ricochete, empurrar o próprio Aécio ao segundo turno.